Amazónia

PorEurídice Monteiro,27 dez 2017 6:57

A universidade moderna representa, pela sua missão, vocação e formato, uma peça angular na sociedade e Estado contemporâneos. Ela constitui um baluarte da pesquisa científica. Isto deverá, por sua vez, informar políticas públicas capazes de providenciar eficientes intervenções e soluções nos mais diversos sectores da vida social e económica da comunidade onde se insere ou para além dela. Por essa razão, a universidade é também uma arena de debate pleno, crítico e aberto nas suas vertentes teórica e empírica sobre as mais variadas questões que se relacionam com o funcionamento e desenvolvimento da polis.

Um dos mais pertinentes assuntos que tem merecido uma elevada atenção no mundo académico é a questão da inclusão social através da formação superior. Nas últimas décadas, o corpus da literatura científica sobre a matéria expandiuse qualitativa e quantitativamente. É que, por todo o mundo, ficou claro que o Estado moderno tem de ter uma componente social. E para tal desiderato, esperava-se uma leitura séria e objectiva das falhas do mercado e da própria sociedade com vista a uma pronta classificação e eventual intervenção estatal.

No que respeita à questão da inclusão social, a universidade moderna deve — e na verdade tem de — comportar-se não só como um centro de pesquisa. Para possibilitar e avançar entendimentos teóricos sobre a matéria. De igual modo, ela deve ser um laboratório social de ensaio de intervenções que efectivam a inclusão de indivíduos e grupos que tradicionalmente têm sido discriminados e, ipso facto, inviabilizados no acesso aos elementos necessários a um desenvolvimento pessoal e social pleno. Dito de outra maneira, a universidade moderna tem de apresentar, perante si mesma e em relação à sociedade, como um reduto de consubstanciação dos princípios gémeos de igualdade de oportunidades e igualdade de resultados. Enquanto o princípio da igualdade de oportunidades tem que ver com a promoção de vantagens comparadas aos membros do corpo social, o de igualdade de resultados tem que ver com o leveling the play field, isto é, a redução das desigualdades sociais e económicas entre os membros que formam a comunidade. É esse último princípio político — igualdade de resultados — que gere a ideia de inclusão social.

Perante essa simbiose de igualdade de resultados-inclusão, o papel da universidade moderna fundamenta-se, assim, em duas grandes vertentes: primeiro, na edificação de um edifício epistemológico que garanta uma problematização e real entendimento sobre o assunto e, segundo, na promoção de práticas inclusivas que permitam um desenvolvimento psicossocial de todos os subgrupos humanos que constituem o tecido social.

É a própria universidade e, por extensão, a sociedade e o Estado que ganham com as políticas inclusivas. Consequentemente, isso pressupõe-se que a inclusão social é um fim em si mesma. Permite, assim, que os sujeitos subalternos falem por si mesmos, segundo a fórmula crítica de Gayatri Chakravorty Spivak. A presença de grupos discriminados no diálogo implica uma redefinição da narrativa em que a voz destes grupos desempenha um papel significante. Com efeito, a presença de grupos tradicionalmente discriminados provoca uma elevação do debate social, na medida em que as experiências históricas e sociais diferenciadas que portam simbolizam sempre abordagens não-convencionais de entendimento e resolução de questões sociais.

No campo da inclusão social no ensino superior, a experiência das universidades públicas (e até certo ponto de algumas universidades privadas, por exemplo norte-americanas) é de uma grande significância. Por exemplo, nos Estados Unidos, o Movimento dos Direitos Civis dos anos cinquenta e sessenta, direccionados contra um sistema injusto, que, de facto, criara duas classes de cidadãos, resultou numa redefinição de políticas públicas que passaram a incorporar o princípio de igualdade de resultados. O acesso ao ensino superior foi um dos campos onde essa intervenção provocou grandes resultados. Através de políticas de affirmative action, grupos tradicionalmente discriminados (os afro-americanos, os nativos-americanos, entre outros) passaram progressivamente a contar como membros da população estudantil, técnico-administrativo e da classe docente.

A inclusão social desses grupos, no ensino superior norte-americano, ainda que longe de se constituir num modelo perfeito, tem ajudado a minimizar as diferenças sociais alarmantes que existiam nas décadas anteriores. Um dos maiores impactos da inclusão universitária destes grupos sociais relaciona-se com o estabelecimento e desenvolvimento de novas áreas de pesquisas que, por vezes embora centradas nesses grupos, permitem um melhor entendimento da sociedade norte-americana no seu todo. Por quase todo o lado, é possível registar a existência de programas académicos que focam em estudos afro-americanos, latinos, entre outros grupos.

No Brasil, a questão se coloca com a mesma ênfase, particularmente em comunidades indígenas e afro-brasileiras. Estive, recentemente, no Amazónia, onde pude acolher uma experiência inédita nesta matéria. Atravessar um rio, como um oceano, para chegar ao coração do Amazónia, onde uma turma de estudantes de mestrado me esperava para aulas, visitas e outras actividades, foi das coisas mais incríveis que vivenciei a partir das fronteiras da academia. Não se trata de uma experiência de extensão universitária, mas sim do alargamento das redes e polos universitários a comunidades mais remotas. E disto a esperança de que é possível a inclusão social através da educação e formação universitárias, pois já dizia Nelson Mandela que Education is the most powerful weapon which you can use to change the world.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 838 de 20 de Dezembro de 2017. 

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Autoria:Eurídice Monteiro,27 dez 2017 6:57

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  27 dez 2017 6:58

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