Santo Antão: Foco nos factores estratégicos

PorSilvino de Oliveira Lima,8 jan 2018 6:18

​A organização, ou o arrumar da casa, como frequentemente se ouve dizer, é facto que sempre nos desafia em miríade de circunstâncias, desde simples caso de alojamento de uma família, até caso de território para acolhimento de uma população, obviamente, já envolvendo muito maior grau de dificuldade, seja na acção de o arrumar e mantê-lo arrumado, seja na adequação ao desejo de alcançar efectivas melhorias nas condições de vida.

 Desejo este que ora se procura realizar no estado insular cabo-verdiano, que, efectivamente, não se tem revelado tarefa fácil, consequência, em vasta medida, de gestão mal sucedida na tríade de factores estratégicos, território água população, pilar básico de primeiríssima ordem, suporte de toda a estrutura da construção do edifício do futuro.

No passado colonial, a gestão dessa tríade, não só nunca pôde colher efectivo sucesso, como foi um retumbante fracasso, causa de toda a frustração da veleidade de alcançar nestas ilhas ambiente de bem-estar e felicidade. Porém, mesmo hoje, pelo menos em Santo Antão, já em pleno regime soberano, as coisas, nesse particular, continuam a estar muito longe do que seria desejável, não por que não se tenha aberto novo capítulo para alcançar a esperança e o sentido de futuro, bem ausentes em séculos de história, mas por que erros e omissões vão-se cometendo, em circunstâncias que de modo nenhum deviam estar a acontecer, com gravidade que deixa estreitíssima margem para escolha: ou vai-se a tempo para introduzir correctivas e o processo mude, efectivamente, de modo a evitar roturas ambientais com consequências económicas e sociais já muito difíceis de se reverter; ou se continue refém das velhas rotinas de procedimento e o caminho continuará em crescendo de dificuldade e periculosidade que poderá traduzir-se, efectivamente, em pesado revés para a realização do velho sonho de melhores tempos. É por isso que não poderá haver outra escolha que não a via das correctivas, razão por que, mais que uma exigência, torna-se nossa obrigação a opinião que resumimos nos passos seguintes.

1) Logo de partida, o que salta a vista é grande dificuldade na gestão dos três factores já referidos – território, água, população –, com uma grande causa: a omissão no arrumar da casa que, neste particular, deveria acompanhar a transição do velho para o novo regime. Na verdade, se a vida naquele tempo se governava na precariedade de uma pequena extensão territorial do interior, escassamente potenciada de recursos hídricos, só permitindo uma economia de subsistência com histórico pontuado de dramas sociais, o melhor que seria de esperar do nascente regime, já comprometido com objectivos e metas com vista a catapultar a melhoria de qualidade de vida para patamares nunca antes alcançados, melhor, repetimos, seria que se fizesse um compreensivo, vasto e profundo plano geral de reordenamento do território para ampliar o campo de gestão e permitir alcançar, efectivamente, o tão desejado tempo de felicidade. Porém, não se tendo ido até então por essa via, a consequência é esconder-se no horizonte do tempo a estrela por que se deve guiar para chegar à melhor perspectiva para a construção do edifício do futuro.

2) Independentemente das razões que o têm impedido, é então fundamental que se tenha a noção correcta das consequências a que a actual situação conduz e da forma como, rapidamente, tende a levar a complicados estádios de rotura nos mais diversos domínios, particularmente, na tríade de factores estratégicos ora em foco. Nesse sentido, a multiplicação de torneiras para corresponder às metas do desenvolvimento social, feita à custa dos regadios, induzindo produção cada vez mais afastada dos níveis de outrora, consequência do crescente défice de água a que tal facto obriga, representa aqui um grande exemplo. Outros vêm como consequência: o empobrecimento dos donos da terra, continuamente afectados na sua capacidade de responder a tarefas cruciais para terem suas parcelas em condições de produzir; o persistente declínio da paisagística que reflecte negativamente na qualidade da oferta turística. Tudo, obviamente, quanto baste para caracterizar um modelo que ganha no social e perde na economia, fazendo augurar futuro sombrio, uma vez que a dinâmica contraditória, tarde ou cedo, estará, efectivamente, a conduzir o edifício do futuro a processo de rotura com consequências de alcance imprevisível.

3) Por outro lado, atenção também suscita mais um facto não menos importante: a concentração de facilidades infra-estruturais nas áreas de maior exposição a fenómenos naturais de periculosidade extrema, induzindo a demanda de solo por habitação a ultrapassar linhas vermelhas, limites que a antiga sabedoria tanto se obrigava a respeitar, porém, ora violados de forma que poderá acarretar sérias complicações. E estas podendo se agravar, pois, enquanto os sinais de alerta se multiplicam por todo o lado para chamar a atenção pelas consequências nefastas que possam acarretar as mudanças climáticas globais, em Santo Antão, ilha da categoria de risco natural elevado, está-se, como nunca, a responder de forma inapropriada e imprudente, quando é nessa pior conjuntura que, efectivamente, a velha sabedoria é posta em causa, com construção onde o bom senso jamais aconselharia construir. E a razão por que em matéria tão importante se perde no controlo efectivo do equilíbrio oferta/procura, só pode ter uma grande causa: omissão nas tradicionais regras de procedimento e em instrumento de gestão tão importante como é o planeamento estratégico de vasto horizonte, cuja ausência, directa ou indirectamente, periga a veleidade de se construir uma economia sustentável conformante com as legítimas ambições de segurança e de bem-estar.

4) Tal instrumento, julgado fundamental como condição para alcançar os altos objectivos do estado soberano, teria, necessariamente, de se orientar por uma perspectiva mais ampla na gestão do território, na forma de lidar com a questão estratégica da água, sobretudo, novo paradigma para colocar a dinâmica populacional em ambiente propício para o crescimento, gerar competências e libertar talento, tê-los ao serviço da grandiosa tarefa, ou seja, colocação do crescimento em patamares até então não alcançados. Dinâmica, aliás, para funcionar já fora do velho dilema, emigração ou concentração em zonas de risco elevado, com toda a panóplia de consequências no quadro regional e nacional.

5) Convenha-se no entanto, para melhor esclarecimento, que o futuro de bem-estar para Santo Antão só nos parece possível na medida em que se for capaz de alcançar efectivo controlo das fragilidades e entregar-se, com ambição, no aproveitamento racional de todo o potencial económico oferecido, que implica reconhecer: a necessidade de adoptar um modelo de crescimento amigo e não inimigo do meio ambiente, como em certa medida vem acontecendo; o rompimento com a actual situação tendente a matar o que a ilha sempre teve de melhor como pilares do desenvolvimento, ou seja, os regadios para a produção agrícola e a beleza paisagística dos vales como meio de atracção para uma actividade turística de alta qualidade; sobretudo, reconhecer o que parece grande verdade, ou seja, que a questão da água para a construção do edifício do futuro, longe de se poder resolver no interior da ilha onde, claramente está em penúria, obrigando a pensar pequeno, só poderá equacionar-se, de forma efectiva, lá onde seu potencial é ilimitado, nas periferias de orla marítima que já podem levar a pensar grande para radical transformação capaz de alinhar a ilha com o pelotão da frente do crescimento, no quadro geral da economia. É que, reflectindo, não obstante as fragilidades, tem Santo Antão todas as condições naturais para ser grande referência em matéria de turismo, logo, para se possuir de economia pujante, o que só pode acontecer se, para além da grande ambição, puder a ilha caminhar com apoio da bengala dos três rigores: na arbitragem das prioridades; na construção e no modo de construir; na rentabilização de tudo quanto é construído. Essa a verdade, passo para melhor tempo.


*Engenheiro Civil – antigo Ministro das Obras Públicas


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 839 de 27 de Dezembro de 2017. 

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Autoria:Silvino de Oliveira Lima,8 jan 2018 6:18

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  8 jan 2018 6:18

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