Várias revistas e jornais colocaram Cabo Verde no topo das regiões a serem visitadas em 2018, seguindo uma tendência que levou a Organização Mundial do Turismo há já algum tempo a colocar o nosso país entre os 10 que serão mais visitados nos próximos anos.
Mas a cereja em cima do bolo foi o artigo da CNN Travel a colocar Cabo Verde entre os 18 melhores sítios para visitar em 2018 a nível mundial, aparecendo o nosso país no topo da lista, que não estava ordenada por ordem alfabética! A este nível de jornalismo, nada é feito ao acaso nem de forma inocente.
Significa que este gigante global das comunicações, lido em todo o mundo, para além de nos colocar entre a cream of the cream do maior sector da economia mundial, que é a indústria das viagens e turismo, ainda nos colocou no topo das recomendações para este ano de 2018.
Uma bela forma de terminar um difícil ano de 2017 e de começar um promissor Ano Novo.
Vale a pena também realçar algumas das razões que a CNN Travel apontou para nos escolher: começam por dizer que Cabo Verde é conhecido pela música, cultura e lindas praias. Mais uma vez, a ordem das coisas não é inocente, e o realce vai para a música e a cultura, algo por que esta crónica sempre se tem batido: é a cultura que deve ser o principal factor diferenciador da nossa oferta turística.
O artigo enfatiza ainda a nossa cultura miscigenada, que coroa umas ilhas abençoadas por um clima e natureza incríveis. Irónico seria dizer ao pessoal da CNN Travel que nós vivemos constantemente preocupados com a aridez dos nossos solos e a falta de chuva. Onde vemos problemas, os outros vêem um mundo de oportunidades oferecidas pela mãe natureza!
Enquanto estamos preocupados com a africanização dos espíritos e da nossa cultura, quem nos vê de fora realça que a nossa música tem o sucesso mundial que teve por carregar com ela uma herança de três continentes! Nada que Baltazar Lopes e os Claridosos não soubessem...
À morna, é dado o devido destaque entre os géneros musicais nacionais, e só faltou dizer que foi, principalmente, devido à morna que Cesária Évora chegou ao topo do mundo musical moderno deste planeta.
O artigo termina fazendo uma viagem entre o berço da nação crioula, realçando que a Cidade Velha é Património Mundial da UNESCO, e concluindo com uma recomendação a não perder: saborear um bom grogue ao som de uma morna numa esplanada à frente do mar da cidade do Mindelo, na ilha de São Vicente. Uma viagem que começa no berço da nossa pátria, onde a aventura da primeira nação crioula se iniciou, e termina na sua capital cultural, lá onde se deu o êxtase final da crioulidade cabo-verdiana, resultando na “mistura das misturas” (os leitores assíduos hão-de lembrar-se de uma viagem idêntica que esta crónica fez há tempos entre estas duas cidades).
Uma leitura importante: o realce dado ao turismo cultural e urbano no fim do texto, ou seja, na parte que fica na retina e na mente de quem lê o artigo. Mais uma vez, essa escolha não é inocente, não fosse o turismo urbano e cultural considerado há muito pelos especialistas o turismo do futuro, num tempo em que os turistas são e serão cada vez mais informados.
Ao ler este artigo, vi o resumo enxuto de várias crónicas que escrevi ao longo destes 4 anos. Enquanto as minhas costelas de origem latina me levam a escrever muito, os anglo-saxónicos resumiram tudo isso de forma brilhante e pragmática numa página...
Mas este interesse por Cabo Verde é novo a ponto de justificar o provocativo título desta nossa crónica? Nem por isso!
Todos se lembram do “assalto” da década passada, durante o “boom” mundial da imobiliária turística, dos grandes projectos que fizeram salivar toda a nação, apresentados por empresários nacionais, ingleses, escoceses, irlandeses, alemães, portugueses, italianos, entre outros. Até do Dubai, vieram investidores que escolheram a ilha de São Vicente para fazer o maior projecto alguma vez concebido para estas ilhas, o Cesária Resort! Havia projectos para todos os gostos e tamanhos, aliados às melhores marcas hoteleiras do mundo.
Já nessa altura os especialistas mundiais recomendavam Cabo Verde como o next hot spot, the place to be... A crise financeira de 2008 travou e adiou esses sonhos.
Recuando ainda mais no tempo, nos anos 60 do século passado, investidores alemães quiseram construir um aeroporto internacional e dezenas de hotéis na ilha da Boa Vista, onde começaram inclusive a construir na praia de Curralinho, mais conhecida por Santa Mónica.
O resta da história já é conhecida: o ditador português António de Oliveira Salazar terá nessa altura sugerido aos alemães que investissem no Algarve, e como eles queriam um clima mais ameno, terão ido investir nas ilhas Canárias.
Esse episódio histórico ditou a fortuna dos nossos primos macaronésios das Canárias e deixou-nos mais uma vez mergulhados no infortúnio de um país esperançoso num desenvolvimento permanentemente adiado.
Mas ao que parece o interesse turístico por estas ilhas é ainda mais antigo. Lembro-me de uma palestra na qual o historiador António Correia e Silva demonstrou como, nas primeiras décadas do século passado, existia uma verdadeira indústria de venda de postais no Porto Grande do Mindelo, por onde passavam e pernoitavam viajantes, turistas e aventureiros nos primeiros hotéis do país, num frenesim que acabou por criar a cidade cosmopolita onde nasci e onde o nosso trovador maior, B. Leza, ouviu o meio-tom brasileiro e o incorporou na morna, ensinando-o depois à sua sobrinha Cize, que o devolveu aos quatro cantos deste mundo.
Mas a história turística destas ilhas também é ainda mais antiga. O termo Macaronésia, aplicado sobretudo aos quatro arquipélagos atlânticos, significa “ilhas abençoadas” ou “ilhas afortunadas”. Segundo reza a história, desde séculos passados eram ilhas usadas para repouso ou mesmo para cura de males do corpo e do espírito, dado o bom clima e a tranquilidade. Significa que o turismo de lazer e bem-estar é bem mais antigo por cá do que poderíamos imaginar.
Tudo isso para dizer que os fundamentos que sempre levaram estas ilhas a serem interessantes e apetecíveis para os europeus, e não só, sempre existiram e vão continuar válidos.
A esses fundamentos antigos, juntam-se alguns factores importantes, que já aqui tínhamos referido, que reforçam a atractividade de Cabo Verde e que não existiam antes:
O extremismo religioso e a desconfiança que gera estão aí para durar; e Cabo Verde é o único país cristão em toda a “cintura” turística que apanha todo o Magrebe, seguindo até à costa ocidental africana – traduzindo por miúdos, somos o único país tropical e cristão perto da Europa, que é o maior mercado emissor de turistas do planeta;
Os arquipélagos vizinhos da Macaronésia, Madeira e Canárias, estão há muito a abarrotar de turistas, e os Açores não possuem nem o clima tropical nem o exotismo cultural de Cabo Verde;
As Caraíbas, para além de cheias de turistas, estão a tornar-se destinos perigosos para os investidores devido ao poder destruidor dos furacões “made in Cape Verde”;
Segundo todas as projecções, cada vez mais pessoas no mundo irão viajar em turismo.
Irei acrescentar a estes factores favoráveis, um outro que é ainda mais determinante: temos um ambiente de negócios melhor do que há uns anos, uma abordagem mais business friendly das autoridades e uma vontade expressa de potenciar o investimento externo e, sobretudo, de viabilizar a necessária entrada dos empresários nacionais no sector mais dinâmico da nossa economia, assunto que abordaremos em detalhe numa próxima crónica.
Regressando ao título um pouco bombástico desta crónica, não só o interesse para visitar Cabo Verde não é novo, como não se esgotará no ano de 2018 e irá perpetuar-se por muitos e longos anos.
Mas antes de embandeirarmos em arco e começarmos a festejar, vem a pergunta seguinte: estaremos preparados para tirar proveito desta nova vaga de interesse pelo nosso país, e dela tirarmos a devida rentabilidade económica e financeira que possa catapultar de vez Cabo Verde para um verdadeiro desenvolvimento que abarque todos os habitantes destas ilhas crioulas?
Temos todas as condições para o fazer e é com esta nota optimista que comecei o ano e que gostaria de dar a minha contribuição para contagiar a nação verdiana.
Temos um novo Governo cheio de caras novas, e gente jovem a condizer com a juventude deste país, um novo ambiente de negócios e, pelos contactos profissionais que tenho tido nos últimos meses com autarcas, empresários e diversas organizações destas ilhas, quer parecer-me que a nação está democraticamente unida neste propósito, cada um com a sua visão, mas com uma vontade comum de ver estas ilhas desenvolverem-se ainda na nossa geração.
Por todos estes motivos, julgo que nunca tivemos condições tão boas para avançar rumo ao desenvolvimento.
Dez anos após a crise de 2008 que colocou um fim abrupto a alguns anos de euforia nestas ilhas, no pique do boom mundial da imobiliária turística, 2018 poderá ser o ano de um novo arranque, desta vez de forma mais planeada e mais sustentável.
Que assim seja!
O mundo quer vir visitar-nos em 2018 e nos próximos tempos, pelo que a bola está do nosso lado...
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 841 de 10 de Janeiro de 2017.