Editorial: Fazer diferente

PorHumberto Cardoso, Director,29 jan 2018 6:57

​Numa entrevista recentemente publicada neste jornal, Dev Chamroo, ex-presidente da agência promotora das exportações das Ilhas Maurícias, fez três reparos com particular relevância para Cabo Verde neste preciso momento.1- Nas Maurícias, os políticos apesar dos vários grupos étnicos e linguísticos sempre se assumiram como mauricianos.

A unidade nacional é fundamental para ter políticas de desenvolvimento na perspectiva de criar oportunidades para todos. 2- A realidade arquipelágica deve ser subsumida na ideia do país como um todo. Explicitamente Dev Chamroo adverte que “se Cabo Verde acreditar que é 10 ilhas diferentes não vai a lado nenhum”. 3- Por último relembra que Cabo Verde vive um momento de definição, mas que as janelas são sempre muito “curtas”, e as oportunidades “não duram para sempre”. Infelizmente, corre-se o risco dessas chamadas de atenção caírem em saco roto.

Apesar de não existirem divisões de base étnica, linguística ou religiosa são persistentes as tentativas de forjar e manter abertas linhas fracturantes na sociedade cabo-verdiana. Fracturas que até agora se têm mostrado suficientemente profundas para dificultarem a criação de uma vontade nacional para o desenvolvimento, para impedirem a necessária mudança de atitude e para obstaculizarem o indispensável investimento focalizado na educação de qualidade, sem o qual dificilmente poderá haver ganhos de competitividade e de produtividade. Cabo Verde é, na diversidade das suas ilhas, culturalmente homogénea e um país com uma consciência nacional consolidada há mais de um século. Mas sendo, por um lado, um país tornado um estado independente na sequência de uma revolução liberal e da derrocada de um império colonial, sofre com as tensões criadas por um tipo de nacionalismo que ainda hoje, nas suas várias manifestações, se mostra divisivo e capaz de pôr em campos opostos e antagónicos gentes, narrativas e memórias. Nota-se isso facilmente nos feriados nacionais que, em vez de serem de concórdia, são de disputas sectárias. Por outro lado, sendo Cabo Verde uma jovem democracia, revela particular fragilidade perante as tensões provocadas por manifestações populistas que põem em causa as instituições democráticas, fragilizam os partidos e reforçam os reflexos autocráticos existentes que vêm de longe e são tributários dos anos de regimes autoritários e totalitários que vigoraram nas ilhas durante seis décadas. O espectáculo mensal das reuniões plenárias da Assembleia Nacional é elucidativo a este respeito. Mês após mês vê-se que não conseguem elevar o debate para um outro patamar e exercer o dissenso num outro nível. Mesmo quando demonstram conseguir acordo na aprovação de leis importantes, logo de seguida revelam-se incapazes de evoluir para um relacionamento menos beligerante.

“Nacionalismo e populismo sempre coexistiram com a democracia” diz o académico Ghia Pudia escrevendo no Journal of Democracy, de Abril de 2017. Na sua opinião a consciência nacional é fundamental para que haja uma comunidade de pessoas que querem um futuro político comum e instituições políticas comuns. Acrescenta ainda que o sentido de pertença permite as pessoas aceitar um governo eleito pelo povo mesmo que não gostem dele e a não se moverem para destruir as minorias quando o governo do seu agrado está no poder. Quanto ao populismo, afirma que em maior ou menor grau sempre está presente num sistema de governo eleito em que agradar as pessoas faz parte dos meios para angariar votos. Em vários momentos da história, a democracia foi desafiada por formas extremas, seja do nacionalismo, seja do populismo. Hoje é um desses momentos. Quando assim é, o nacionalismo deixa de ser o que alguns chamam de patriotismo cívico e torna-se destrutivo e assume características xenófobas e nativistas. Por sua vez, o populismo ganha contornos perversos e torna-se no veículo ideal para minar as instituições, limitar as liberdades, hostilizar minorias e propiciar a ascensão de líderes e regimes autocráticos.

Actualmente, nenhuma democracia, madura ou jovem, está imune a manifestações extremas do nacionalismo e do populismo. A globalização, a crise financeira, as migrações internacionais, os conflitos religiosos e as tensões geopolíticas criadoras de refugiados contribuem para a agudização desses fenómenos por todo o lado, especialmente na Europa e na América. Cabo Verde também é afectado, mas de forma peculiar. Aqui o nacionalismo, porque muito ligado à uma narrativa de luta libertação, está sempre em tensão com o patriotismo cívico ou patriotismo constitucional nas palavras de Habermas. Encontrando terreno propício, é factor de desunião e da diminuição da consciência nacional de que fala Ghia Pouda e que é essencial para se ter liberdade e pluralismo e se aceitar a alternância política sem cair na tentação de destruir a oposição e outras vozes dissidentes. Também o populismo pode ser um forte factor de desunião porque, estando a maior parte dos recursos disponíveis sob controlo do Estado, a tendência é distribui-los pelos apoiantes em detrimento dos outros. Em tal ambiente fica por alcançar o nível de confiança que possibilita o desenvolvimento do espírito cívico, que dá garantia de respeito pelo direito de propriedade e pelos direitos contratuais e motiva as pessoas para que com a sua iniciativa, criatividade e disposição para correr riscos, construir a sua prosperidade pessoal e familiar e no processo contribuir para a riqueza nacional.

Seria desejável que os conselhos de Dev Chamroo estivessem a ter mais eco do que aparentemente se percebe. Como ele próprio diz, o que fizeram nas Maurícias é essencialmente o que noutros casos de sucesso também se fez para evitar factores de desunião e para reforçar a consciência nacional. Manter o foco no país global, respeitando ao mesmo tempo as especificidades do território e a sua diversidade, é fundamental. Os recursos são sempre escassos e as oportunidades de aplicação sempre limitadas para se conseguir os melhores resultados e o maior retorno. Ir pelo caminho dos que já conseguiram o sucesso na árdua e exigente rota do desenvolvimento, significaria de facto “fazer diferente”. Ou seja, deixar para trás o círculo vicioso que perpetua a divisão e que põe a situação e a oposição a rodar em ciclos eleitorais sucessivos sem que se veja diferenças fundamentais nas relações institucionais e na comunicação e na relação com a sociedade. Há pois que mover para além das tricas do nacionalismo perverso e das tentações do populismo para que a vontade e a energia da nação se concentre em fazer o país dar o salto que urgentemente precisa para agarrar o momento e triunfar, com ganhos para todos.

Humberto Cardoso

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 843 de 24 de Janeiro de 2017.

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Autoria:Humberto Cardoso, Director,29 jan 2018 6:57

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  29 jan 2018 6:57

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