Como convidado de honra, Olavo Correia, ministro das Finanças, a poucos dias de tomar posse como vice-primeiro-ministro, responsável pela coordenação económica do Governo. Ou seja, um convidado à altura do evento.
Não ficou atrás o cocktail servido na esplanada do restaurante U Sabor, com uma esplêndida vista sobre a praia da Lajinha, guardada de perto pelo Monte Cara, e mais atrás pelas majestosas silhuetas das montanhas de Santo Antão, a relembrarem-nos de que nestas ilhas podemos oferecer produtos turísticos de altíssima qualidade para quem quer turismo urbano e cultural, sol e praia, desportos náuticos, ecoturismo, turismo de aventura, etc., etc. Tudo isso embrulhado pelo calor de um clima paradisíaco e uma hospitalidade cozinhada ao longo de séculos pelas gentes de várias proveniências que criaram esta primeira nação crioula do mundo.
A anteceder o cocktail, uma apresentação sobre as grandes linhas de orientação estratégica para a economia do país, feita pelo ministro Olavo Correia perante uma plateia cheia de empresárias e empresários, a que se juntou, através de videoconferência, um grupo de empresários na ilha do Sal.
Uma apresentação feita com base no PEDS (Plano Estratégico de Desenvolvimento Social), na qual o ministro reafirmou a necessidade que o país tem de crescer a taxas superiores a 7% ao ano para poder vencer o enorme atraso que acumulou em relação aos restantes países insulares, um tema que sempre foi muito caro a esta crónica.
Uma palestra feita com competência, mas, sobretudo, com um entusiasmante optimismo que teve o condão de contagiar a plateia, como se pôde constatar pela atmosfera positiva que envolveu o cocktail que se seguiu. Até alguns conhecidos cépticos pareceram capitular... no bom sentido.
Digna de realce foi a tónica colocada pelo palestrante no foco que o país e a nação (que o suporta e que vai muito além do limite das nossas vastas águas territoriais) devem ter no suporte às empresas (e por extensão aos empresários). Tem sido esta uma das mensagens privilegiadas de Olavo Correia desde que chegou ao Governo – de forma incansável, o ministro repete esta mensagem sempre que tem oportunidade.
Trata-se de uma mensagem de grande importância em qualquer país, mormente em Cabo Verde. A explicação para esta acrescida importância reside no facto de termos um país com um perigoso viés contra as empresas e os empresários. A entrada de uma corrente marxista-leninista no pós-independência encontrou chão fértil para se implantar numa nação com uma existência difícil, no limite da sobrevivência humana, durante séculos.
É só perguntar a um grupo de jovens universitários se querem ser empresários ou, pior ainda, se os pais deles alguma vez os aconselharam a ser empresários, para termos a noção do caminho enviesado por que anda o país. Na minha carreira de docente universitário, não me lembro de ter tido uma turma onde tenha conseguido 10% de respostas positivas a essas perguntas.
Na década de 90, aconteceu uma primeira tentativa de remar contra este viés ideológico com parcos resultados, prontamente invertidos nos anos subsequentes.
Daí a importância deste discurso de Olavo Correia e do Governo. Ou mudamos a atitude da nação verdiana em relação às empresas e aos empresários, ou o sonho de crescer a taxas que nos possam fazer vencer o atraso em que estamos será mais uma vez levado pelas correntes atlânticas.
A empresa é a unidade fundamental do desenvolvimento económico, da mesma forma que a família é a unidade nuclear das sociedades (entenda-se o conceito de família nas mais variadas formas que hoje adopta). Significa que todo o país deve estar alinhado com esta perspectiva, particularmente a nossa administração pública, de onde vem a maior resistência à mudança e onde a distorção ideológica é mais forte.
A nova realidade mundial, a que se juntam o inaceitável endividamento do nosso Estado e o facto de já nos termos graduado como país de rendimento médio, não nos dá margem de manobra. Ou vencemos o desafio agora, ou a dura realidade será implacável connosco.
Eu iria ainda mais longe em relação ao discurso do actual vice-primeiro-ministro: é preciso ter um foco nas empresas de uma forma geral e com especial ênfase nas empresas nacionais.
Não podemos almejar o desenvolvimento baseando-nos apenas no investimento externo. Nenhum país o conseguiu antes, muito menos países pequenos e vulneráveis aos choques externos, como o nosso.
Ora, analisemos o sector do turismo, o motor actual da nossa economia. Qual é a participação do empresariado nacional nesse sector? Quase nula.
Num sector em que os investidores externos conseguem recuperar o capital investido muitas vezes em 4-5 anos, ninguém nos garante que esses mesmos investidores não possam ir-se embora a qualquer momento. Já aconteceu em outros países e pode acontecer por cá. Um cenário que seria no mínimo dantesco para estas ilhas...
Cabo Verde deve continuar a atrair investimento directo estrangeiro (IDE). Está provado que os países mais desenvolvidos são os que atraíram e atraem mais IDE, com os EUA como líder na atracção de IDE durante décadas.
Mas que ninguém se iluda. Esses países também fizeram o seu trabalho de casa e, ao mesmo tempo que os seus governantes e empresários corriam mundo à procura de capital externo, trabalhavam paralelamente na criação de um sector empresarial endógeno forte e competitivo.
Isto é tão verdade para um gigante como os EUA (ou a China, recentemente), como o é para países tão pequenos e parecidos connosco como são os nossos primos das Seychelles e das Maurícias, dois países arquipelágicos crioulos e africanos com índices de países desenvolvidos.
Na viagem de estudo que fizemos às Seychelles em 2014, constatámos algo extraordinário: um país inteiro alinhado num mesmo discurso – “o desenvolvimento é para servir a nossa população (incluindo os empresários) ”. Ouvimos isso dito da mesma forma por ministros, representantes de vários órgãos da administração pública e vários representantes do sector privado. E disseram-nos que nunca tiveram problemas em explicar isso a organizações como a Organização Mundial do Comércio no que diz respeito às medidas ditas “proteccionistas” para favorecer o empresariado nacional.
Por cá, ainda temos algum pudor com estas coisas, apesar de sabermos que todos os países o fazem, a começar pelos mais liberais, como os EUA.
Nas Seychelles, a noção de que o desenvolvimento nacional deve beneficiar, primeiro, os nacionais aplica-se, e de que maneira, aos empresários seychellois. Fruto da educação anglo-saxónica que cultiva e premeia o mérito, os crioulos seychellois fazem questão de ter empresários nacionais bem-sucedidos.
Idem aspas para as vizinhas Maurícias. Recomendo vivamente a leitura da entrevista que o consultor Dev Chamroo, antigo presidente da Agência Promotora de Exportações das Maurícias, deu a este semanário no início de Janeiro deste ano – encontramos lá o mesmo foco no desenvolvimento do sector privado nacional, a mesma preocupação de aprender a fazer hoje com os outros para poderem amanhã fazer igual ou melhor.
Não é por isso nenhuma coincidência os arquipélagos das Seychelles e das Maurícias terem atingido os patamares de desenvolvimento a que chegaram.
Por cá, o turismo verdiano não tem ainda uma presença significativa de empresários nacionais porque, no passado, não houve políticas nesse sentido (pelo contrário). O que não falta são bons projectos turísticos promovidos por cabo-verdianos, sozinhos ou em parceria com empresários de outras proveniências.
Podemos fazer com igual qualidade o que outros fazem. O Hotel Hilton do Sal, o primeiro hotel de 5 estrelas do país foi inaugurado com pompa e circunstância na semana passada. A empresa que o construiu, a SGL, é 100% cabo-verdiana. Uma empresa de engenheiros cabo-verdianos nascidos na ilha das Montanhas, meus contemporâneos do liceu. A nação cabo-verdiana está de parabéns e tem razões de sobra para estar orgulhosa. Eu pelo menos estou.
Abriu recentemente em Santo Antão aquele que é, actualmente, o melhor hotel da região norte e um dos melhores do país: o Hotel Tiduca, com 80 quartos e com uma localização única na linda cidade da Ponta de Sol, mesmo por cima da famosa Boca de Pistola, a beijar diariamente o Oceano Atlântico, o continente desta nação crioula. O Hotel Tiduca é propriedade da Spencer Turismo e foi construído pela Spencer Construções, onde trabalham apenas cabo-verdianos. Um hotel 100% cabo-verdiano, a provar que podemos lá chegar.
Segundo consta, teremos dentro de dias mais notícias agradáveis como estas na ilha de São Vicente. Bem hajam os corajosos empresários cabo-verdianos que vão remando contra tantas marés.
É assim que se constrói um país, só assim se pode almejar o desenvolvimento.
Teremos que pôr de lado a cultura do bloqueio e da inveja, e perceber que o nivelamento por baixo não nos levará a lado nenhum e nos manterá no atraso.
Estou optimista quanto a isso. As novas gerações estão mais ligadas ao mundo e por isso mesmo mais imunes às partes menos interessantes da nossa cultura.
Como disse alguém à saída da Ceia de Negócios, parece haver um novo clima no ar, a que eu chamaria uma nova e sustentável leveza do ser e do crer nesta jovem nação, cheia de jovens cada dia mais inovadores e cientes da sua identidade crioula cabo-verdiana.
Sendo assim, não será difícil pensar que o mundo pode estar aos nossos pés e que o céu pode ser o limite se, à semelhança dos nossos primos das Seychelles e das Maurícias, acreditarmos na nossa gente. Se eles conseguiram, porque não o podemos conseguir?
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 844 de 31 de Janeiro de 2018.