Retratos do Quotidiano : Luís Lobo uma voz vibrante da rádio e da música (parte I)

PorCésar Monteiro,14 mar 2018 6:48

César Monteiro
César Monteiro

Luís Vasco Tavares dos Santos de Sousa Lobo (Luisinho) nasceu a 18 de Maio de 1953, na cidade da Praia, mais precisamente na antiga Rua da República, hoje popularmente conhecida como Rua Pedonal.

Seu pai, Joaquim de Sousa Lobo, natural da ilha do Sal e tio paterno do saudoso Ildo, emigrara, na década de 40, para a Praia e, ali, trabalhou como contabilista da Sociedade Luso-Africana, juntamente com Mário Ivo Fonseca, sob a gerência de Antoninho Lobo. “Não sei, ao certo, em que ano terá chegado à Praia o meu pai, mas terá sido nos anos 40, porque o meu primeiro irmão, José António, nasceu em 1948”. Ainda cedo, aos sete anos de idade, também na década de 40, a mãe do Luisinho, D. Fernanda Tavares dos Santos, natural de Lisboa, viera para Cabo Verde, acompanhada da avó materna, D. Maria de Conceição Tavares dos Santos, também ela de origem portuguesa. Na Praia, onde, aliás, faria a instrução primária, sua mãe contrairia matrimónio com o pai Joaquim e, dessa relação, viriam a nascer José António (falecido), Pedro Manuel (falecido), Luís Vasco, Maria Luísa e Isabel Maria (falecida).

Tipógrafo de profissão, o avô materno de Luís Lobo, natural Oliveira de Azeméis, em Portugal, perto da Espanha, “era bolchevique, revolucionário, e posicionou-se contra a então ditadura salazarista. Preso político, por causa da sua acção política, através de panfletos que produzia a sua tipografia, foi deportado para Tarrafal de S. Nicolau”. Protegido e acarinhado pela mãe, durante os primeiros anos de vida, por razões ligadas à fragilidade da saúde do filho, Luisinho diz ter tido uma “infância muito boa” e, como todas as crianças, “brinquei na rua, na praça e no parque infantil, ia à Praça como todas as crianças”. O pai, salense de gema,“gostava imenso de pescar na Gamboa, no Quebra-Canela, na Praia Negra ou no Palmarejo e eu próprio costumava acompanhá-lo”. Na Praia, Luís Lobo realizou os seus estudos primários na Escola Grande, até à 4ª classe, com a D. Ivete e D. Lourdes Miranda, entre outras professoras sobejamente conhecidas da urbe, e, tido como “bom aluno, fiz a 4ª classe e a admissão, no mesmo dia, entrando, assim, mais cedo para o Liceu Adriano Moreira”. Concluída a admissão, “com sucesso”, frequentou o ensino secundário no Liceu Adriano Moreira e, no 2º ano liceal, foi explicando do Sr. Melo e Castro, “outro preso político português, que foi meu explicador de Matemática e muito amigo do meu avô materno, José Santos. Recebia explicações em casa dele, na Rua do Corvo, precisamente ao lado dos escritórios da PIDE-DGS. Também, o Sr. Tonas e o Sr. António da Rua do Corvo foram meus explicadores”. Já nos tempos conturbados do período de transição política em Cabo Verde, Luisinho termina o antigo 7º ano liceal, em 1974, restando-lhe, no entanto, duas cadeiras, que não viria a concluir: “Comecei a trabalhar na Rádio mas, ao mesmo tempo, já integrava o conjunto Os Tubarões. Essas duas coisas não me davam muito tempo para estudar e, por isso, larguei uma coisa e pegar noutra”.

Dois anos antes, precisamenteem 1972, o seu primo-irmão Ildo, chega à Praia procedente da ilha do Sal onde vivia, e hospeda-se em casa do seu tio paterno Joaquim, a coberto do excelente relacionamento intrafamiliar, a fim de prosseguir os estudos liceais: “Ildo veio terminar o 5º ano e, sucessivamente, estudou o 6º e o 7º ano e ficou em casa dos meus pais, até 1972”. Aliás, sob o mesmo tecto, Ildo não perde tempo e, rapidamente, trava relações de amizade com a Maria Luísa, apaixona-se pela prima e pede a intermediação do primo Luisinho na facilitação das coisas: “O Ildo falou comigo e pediu-me que explicasse ao meu pai que tencionava casar com a minha irmã”. Não havendo qualquer objeção do lado do irmão, “eu e o Ildo convidámos o meu pai um aperitivo no Restaurante do José Benício, na antiga Rua Sá de Bandeira, a actual Avenida Amílcar Cabral, e expliquei-lhe que na, nossa família, os primos têm a mania de se casarem. O Ildo gosta da Maria Luísa e a Maria Luísa gosta do Ildo e eles querem casar-se, fizemos um ´tchin tchin’, abraçámo-nos, lágrimas pelo meio, tudo correu bem”. Curiosamente, os amigos próximos do Luisinho estavam a par do namoro da irmã com o Ildo, menos ele: “Não sabia do caso, ninguém me tinha contado nada, os meus amigos apenas pediam-me que eu lhes cantasse aquela lindíssima morna ‘Carne stá na boca di lobo’ e riam-se quando a interpretava. Afinal, a carne era minha irmã, que estava na boca do Ildo”.

Desde tenra idade, Luís Lobo nasce e cresce rodeado de música, que encontra no seio familiar. “A música nasce de um amor, do amor à música. A minha mãe tinha um rádio transístor lá em casa e, naquela altura, gostava de cantar e cantarolar aquelas músicas portuguesas. Também, comecei a fazer teatro, que era teatro cantado, e gostava. Depois, começam as serenatas, os primeiros namoros, o meu pai resolve oferecer-me uma requinta, aos 13-14 anos, e comecei a aprender a tocar violão”. Em boa verdade, “aprendo a fazer as primeiras notas de violão com o Sr. Pipita Bettencourt e fui aprendendo nas serenatas que se faziam ao tempo”. Se bem que o pai não cantasse ou tocasse qualquer instrumento musical, o Luisinho, no entanto, herdaria a música da família Lobo, que o inspira profundamente, através seu tio paterno Antoninho Lobo, grande cantador de mornas, e, depois, dos primos Ildo e Mirri, excelentes vozes sobejamente reconhecidas.

Na Praia, ainda cedo, chegou a pertencer Trio ALAe começou a cantar no grupo coral no Liceu Adriano Moreira dirigido pelo maestro Jorge Monteiro (Jótamont, 1913-1998). “Estudei música em pauta com Jorge Monteiro, a partir dos meus 13 anos (…) e, também, cheguei a pertencer à Juventude da Escola Católica (JEC), fazíamos peças de teatro cantadas na Rua Sá de Bandeira, no Salão da Igreja Católica. Havia ali um palco, fazíamos teatro e cantávamos em espectáculos”. Constituído pelo Alfredo Veiga, pelo próprio Luisinho e, ainda, por Antero Barbosa, o Trio ALA, que terá tido algum papel na sua socialização musical, não terá passado, na altura, de uma mera “brincadeira de crianças. Ensaiávamos em casa de Loló Lima, na Praia, fomos aprendendo até sermos convidados para tocar num baile na Rádio Clube de Cabo Verde. As pessoas gostaram da actuação do grupo musical”.

Na altura, na Praia havia pouquíssimos grupos musicais e os mais famosos eram os grupos acústicos de clarinete de Cesário Duarte (1932-2014, grupo Serenata) e de Manuel Clarinete (1933-2006, Benitómica), que abrilhantavam bailes, na Praia, e actuavam em emissões da então Rádio Clube de Cabo Verde. Luisinho chegou a cantar no grupo acústico do Cesário, “juntamente com o Sete Manco, que tocava chocalho, e o Alípio. O Ildo também cantou com o ‘Madrugada” do Cesário”. Paralelamente à existência dos grupos de clarinete, também conhecidos como orquestras, surge, também na década de 60, no panorama musical praiense, o conjunto Micá do qual faziam parte, entre outros elementos, Pedro Salvador, Daniel Rendall e Manecas Pereira. “Eu costumava ouvir ensaios dos rapazes do Micá, em casa do Sr. Salvador, onde também morava o Pedro, mesmo junto à Pracinha da Escola Grande, hoje a casa da família do Sr. Té Enfermeiro. Ali é que o grupo ensaiava. Também, na Praia, havia, ao tempo, festivais musicais, que juntava nomes como o Pipita, e formavam-se conjuntos apenas para tocar nas festas”.

Depois da sua rápida passagem pelo trio ALA e pelo conjunto acústico Madrugada, de Cesário Duarte, Luís Lobo ingressa nos Tubarões, em substituição do Zezé Barbosa, a convite do baterista Duia, em 1969: “O Duia, líder do grupo perguntou-me se eu estaria interessado em integrar Os Tubarões como vocalista no lugar do Zezé, irmão do Kaká Barbosa, que tinha sido recrutado para o serviço militar em Portugal e aceitei logo o convite. O Zezé cantava outro tipo de músico e tocava viola ritmo. O Chindo cantava música italiana de Gianni Morandi, cumbias e merengues e eu cantava mornas e coladeiras, música espanhola, música francesa e música inglesa, particularmente dos Beatles e dos Creadence Water Revival. Cantava, também, Música Popular Brasileira (MPB) de Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Aguinaldo Timóteo e outros renomados músicos ”. A banda tocava em bailes no Paiol mas, na verdade, aquilo que arrecadava, em termos monetários, “era uma coisinha insignificante e, por isso mesmo, fazíamos rifas para arranjar dinheiro para pagar as prestações à Casa SERBAM que havia vendido a crédito ao conjunto os instrumentos musicais importados do Japão. O Chindo, o verdadeiro vocalista dos Tubarões, andava com peditórios na rua atrás de dinheiro para pagar os compromissos assumidos com a firma comercial praiense”.

Todavia, a passagem do Luisinho pelo conjunto Os Tubarões foi efémera e, resolvido o problema da sua substituição, deixa o grupo, em 1973, por vários motivos: “Eu trabalhava na Rádio, estudava o 7º ano liceal e, ao mesmo tempo, tinha que estar a 100% nos Tubarões, cada semana tocávamos num sítio, tínhamos que renovar o repertório musical e eu não conseguia, ao mesmo tempo, juntar música, Rádio e estudos. As noites e a música levam-nos a outras andanças, quando começamos a participar em noitadas, entra, também, a paródia, a vida boémia, nem sempre é fácil conciliar as coisas”. Não podendo dar conta do recado, Luís Lobo sugeriu ao Duia a sua substituição, dentro daquela regra de ouro estabelecida pelos Tubarões segundo a qual quem sai do conjunto deve, primeiro, arranjar um substituto. Assim, na base do entendimento acordado, “sugeri ao Duia, que queria que a coisa fosse muito profissional e muito a sério, a entrada do Ildo Lobo para Os Tubarões, em minha substituição, como vocalista, que pertencia, na altura ao Madrugada do Cesário Duarte, e aceitou”.

O percurso musical de Luisinho, que se iniciou, na Praia, ainda na fase da pré-adolescência, terá sido marcada por algumas personalidades da vida musical cabo-verdiana, mas, em particular, pela figura de Jorge Monteiro, que também leccionou a cadeira de Canto Coral no Liceu Adriano Moreira e professor de Música: “Jótamont , desde rapazinho, sempre me marcou e me incentivou a estudar a música. Ensinou-me a colocar a voz (…), que deve encher o espaço que precisa ser preenchido. O Cesário também me ajudou, éramos amigos (…). O Manuel Clarinete (…) e o Frank Cavaquinho, gostavam de mim”. Firme nas suas convicções, polémico e músico rigoroso Jorge Monteiro é, também, autor de Dez grãozinhos di Terra, entre outras grandes composições da sua lavra, uma lindíssima morna que “ele próprio me ensinou a interpretar, ainda no Liceu, e cuja difusão foi proibida logo nos primeiros anos da independência nacional, por ter sido considerada subversiva, na altura

LUÍS DE SOUSA LOBO
LUÍS DE SOUSA LOBO

LUÍS DE SOUSA LOBO
LUÍS DE SOUSA LOBO



Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 849 de 07 de Março de 2018.

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Autoria:César Monteiro,14 mar 2018 6:48

Editado porrendy santos  em  14 mar 2018 14:34

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