Ar Livre: Economia plural

PorEurídice Monteiro,18 abr 2018 6:45

​A dada altura, iniciei uma pesquisa, em parceria com um colega economista nórdico e um outro sul-africano, em torno das pequenas empresas africanas, abordando a competitividade, as redes de solidariedade e o pluralismo económico. Desejávamos realizar uma análise comparada entre as experiências das economias insulares e dos países emergentes em África.

Achávamos interessante equacionar os fundamentos sociais das pequenas empresas caboverdianas, à luz das experiências feitas em alguns países da África Ocidental (Senegal, Costa de Marfim, Burkina Faso). Com efeito, pretendíamos observar a organização, o funcionamento e os resultados das pequenas empresas em relação às ligações sociais desses empresários (papel das famílias, tipo de recrutamento, ajuda financeira, gestão), verificando também em que medida estas redes ajudam ou constituem dificuldades para as referidas empresas.

A visão modernista (ou economicista) da empresa representa esta entidade económica fora das ligações sociais, que são encaradas como um obstáculo ao desenvolvimento da empresa. Porém, as pesquisas que elementos do nosso grupo já tinham desenvolvido mostram que a situação é bem mais complexa e muitas vezes a família (alargada) é um suporte que pode ser eficaz no sucesso da empresa (ou de forma geral nas pequenas actividades económicas).

Na medida em que Cabo Verde é um país insular, víamos com elevado grau de interessante o estudo deste assunto, no que se refere às possíveis diferenças entre pequenos empresários de diferentes ilhas. De igual modo, queríamos averiguar as eventuais diferenças de comportamento do pequeno empresariado em função do género: as diferenças (ou não) entre negócios dos homens e das mulheres dentro dos mesmos sectores de actividade, atestando as actividades dos homens e das mulheres (existem na Africa continental especializações e, infelizmente, as que rendem menos são geralmente das mulheres). Isso também tem a ver com os dispositivos de apoio às pequenas empresas, pois muitas vezes estes sistemas de amparo desconhecem esta realidade social atrás das empresas (das famílias, dos amigos, das redes sociais, etc.). E esta dimensão de género deveria ser integrada nas políticas públicas para melhorar os dispositivos de apoio às pequenas empresas em cada contexto regional e social. Queríamos reunir dados estatísticos sobre o meio empresarial em Cabo Verde, sendo que o mesmo seria feito nos outros países escolhidos para o estudo. Chegámos a uma matriz em que estariam, nesta análise comparada sobre as experiências das pequenas economias insulares com o grande continente, as dinâmicas e diferenças entre ilhas/regiões, classes sociais e género.

As informações de que dispúnhamos ilustravam: o predomínio do sector informal na economia africana; o peso económico das mulheres no sector informal (auto-emprego); a maior facilidade dos homens no acesso a meios financeiros (daí a relevância de medidas de políticas de discriminação positiva para as mulheres quanto ao microcrédito); a preocupação com a forma como o sector informal cria distorções no preço do mercado (agro-negócio, por exemplo) mas revelando-se como elemento essencial no acesso dos produtos ao mercado (já que o pequeno agricultor não tem capacidade de produzir e de ser bom vendedor).

Em Cabo Verde, isto é uma realidade evidente, pois temos rabidantes no comércio informal, que compram não apenas no país, como em Senegal, Portugal, Brasil, Canárias ou Estados Unidos, e são factor de democratização do consumo. Os chineses estão um pouco a ofuscar essa vertente, mas o peso do «Yá» continua. Para além da concorrência desleal dos chineses, enfrentam também os imigrantes da costa ocidental africana, que são imbatíveis no comércio informal e na venda ambulante. O lado económico do sector informal tem sido importante a nível do sustento das famílias em Cabo Verde. Todos nós conhecemos rabidantes que são orgulhosas de ter o cartão de comerciante; pouco se importam com o olhar dos outros, desde que se desenrasquem ou ganhem razoavelmente bem a sua vida.

Fala-se hoje muito em empreendedorismo, no geral, e empreendedorismo feminino, em particular. A utilização do conceito empreendedorismo feminino remete para mulheres que tenham iniciado um negócio, que estão activamente envolvidas na sua gestão e que possuem uma participação maioritária na empresa. Quanto às mulheres empresárias, têm sido frequentemente classificadas em dois grandes grupos distintos: «tradicionais», aquelas desprovidas de instrução formal e formação que encontram no autoemprego uma possibilidade de mobilidade social, sendo que este auto-emprego é muitas vezes regulado pelo contexto de um indivíduo e as empresas apresentam normalmente baixos rendimentos e um crescimento lento; «modernas», aquelas com instrução e formação, e que, tendo uma história de trabalho bem-sucedido, usam as habilidades, as experiências e as redes adquiridas para desenvolverem o seu próprio negócio.

Esta distinção dicotómica entre formal e informal contribui para marcar uma imagem negativa do auto-emprego feminino nas classes sociais mais baixas. Vendo genericamente para o empreendedorismo, pode-se retomar aquela questão relativa às fontes adequadas e suficientes de financiamento para as empresas femininas na economia de mercado.

É verdade que a disponibilidade e o acesso ao financiamento apropriado constituem um eixo crítico para o início de uma actividade empreendedora, bem como para o desempenho de qualquer empresa. A maior limitação de recursos financeiros e os entraves no acesso a fontes formais e informais de financiamento das empresas, mas também a níveis adequados de financiamento, condicionam o empreendedorismo feminino, tendo um impacto sobre as empresas afectadas. A questão do financiamento é ainda mais problemático devido à dificuldade de o separar de um conjunto de variáveis estranhas que penetram o mercado, a gestão e o desempenho empresarial.

Entretanto, alguns estudos já mostram que não é uma diferença inerente à capacidade de fazer negócios que distinguem homens e mulheres no contexto empresarial, mas o resultado de um modelo normativo masculino de realização empresarial, que reforçam mitos associados em relação ao género e à capacidade de gerar negócios, agravando mais quando se fala em capital de risco. Deparase frequentemente com situações geradoras de estereótipos de género.

Entre os preconceitos que condicionam o acesso das mulheres a lugares cimeiros no contexto empresarial, podese apontar: o escasso apoio existente tanto em casa, como no trabalho; o difícil acesso à informação e às redes solidárias; os estilos de liderança. De acordo com estudos sobre o empreendedorismo, o capital humano e financeiro, as redes de relacionamentos, a cultura e o meio envolvente são cruciais quanto à actividade empreendedora. Nesta linha de raciocínio, também pode-se indagar sobre as disparidades salariais entre homens e mulheres que exercem funções de topo mas também de nível inferior nas empresas.


Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 854 de 11 de Abril de 2018.

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Autoria:Eurídice Monteiro,18 abr 2018 6:45

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  18 abr 2018 6:45

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