Prosas Soletradas & Herdeiras da LU-A-SOL: A estupidez

PorJoão Cardoso,31 mai 2018 7:01

João Cardoso
João Cardoso

​Ó zarpar-me-ei sem arrepios. Sim. “Zarpar-me-ei sem arrepios”. Afanosamente, um franzino pássaro fez-me hoje, uma surpreendente visita. Logo, empoleirou-se num mapa globo detrás da minha janela entreaberta - à busca da luz e de uma finíssima aragem primaveril -; como a querer desafiar-me para uma longa viagem ao Mundo para juntos provarmo-nos que ele é redondo. Pareceu-me que o pássaro trazia, nas asas, um elegante smoking da alta-costura inglesa. Pronto! Apesar de Thomas L. Friendman, o Bestseller, do New York Times, ter percecionado através de uma longa viagem à Índia de que o Mundo é Plano. Retorqui (longe de se pensar que o franzino pássaro era desalmado; longe da vista; longe do coração e longe de uma solidão muito maior do que o Mundo!)

Aí, recordei-me da peça autobiográfica “Long Day’s Journey into Night” d’Eugene O’Neill, dramaturgo e anarquista, que todas as suas peças desenvolvem graus de tragédia pessoal e pessimismo. Nessa viagem ao Mundo não, não quero que ela seja monólogo para tão-somente pronunciar “Pimenta no cu dos outros é refresco”, ou mesmo, para incorrer-me na sublimar tentação de proferir o que prova a “Estupidez no es la nuestra” como disse Daniel Gascon ao citar David Trueba no quadro dos limites ideais da liberdade de expressão. Provavelmente, o que na internet se conhece hoje, com efeito Streisand (Streisand Effect) como a censura que outorga atenção. Mesmo ao saber que os caminhos das Tecnologias de Informação e Comunicação (TIC) e da energia são convergentes como dois grandes rios que alimentam o mesmo mar profundo da água demasiado azul que iluminará o Mundo. (Sem o azedume, sem a sombra do diabo ou do inferno que recebe a lição de abutres!)

Ó recusar-me-ei o convite do franzino pássaro sem deslumbramento quente ou frio ou sem o cinismo estapafúrdico para uma viagem até ao Sol para observarmos as estrelas e oferendar jasmins para o culto a Hélio. Pensei-me na estupidez, na inteligência humana e no universo. E logo, Albert segredou-me “Duas coisas são infinitas: o universo e a estupidez humana. Mas em relação ao universo, ainda não tenho a certeza absoluta”; para só depois dizer-me que é o Einstein. Eu acrescento o universo para além de ser infinito não tem rosto. A estupidez é monstro e excrescência que ficam diante do nosso rosto para sempre. Há hoje, estupidez honesta que é tolerante e a estupidez inteligente - errática, pretensiosa que é contra o pensamento crítico e é, sobretudo, da escravidão mental. Aí a estupidez inteligente ganha o epíteto de patife. É bom não esquecer que o intelecto representa para o espírito uma garantia do rigor que só poderá beneficiar a vida se esta não estiver reclusa a um dos domínios. (Diz-se que o cérebro humano é mais completo que a atmosfera, e ainda, nós não conseguimos prever o tempo por alguns segundos!)

Ó rezar-me-ei para que a estupidez humana nunca se encontre com a verdade nem tampouco para tornar-se erudito, que jamais consiga libertar a sua subjetividade para tornar-se escritor. Orai… orai (!) a Vinícios de Moraes e Tom Jobim por terem conseguidos o equilíbrio no cruzamento desses dois polos (erudito e escritor) pela poesia sofisticada e melodia delicada, cantada à mulher brasileira: libertando-a da escravidão mental e da estupidez humana com a Garota da Ipanema “olha que coisa mais linda\mais cheia de graça”. (Ah! Se as lágrimas da estupidez caíssem do céu. Não. As lágrimas da estupidez não caem do céu!) Amém, amém e amém.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 860de 23 de Maio de 2018.

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Autoria:João Cardoso,31 mai 2018 7:01

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  31 mai 2018 7:01

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