Fotógrafo de profissão, inicialmente, o pai Luciano Gomes de Barros, também ele natural daquela urbe, “tinha o único ‘atelier’ aqui da cidade, desde a minha infância, até à década de 40 (…), ainda eu era garoto”. Posteriormente, o pai é chamado para o ministério pastoral, “prepara-se para isso”e é colocado, sucessivamente, em várias ilhas do território nacional. Aposentado em Lisboa, viria a falecer em 2008, antes de completar 90 anos. Órfão, aos quatro anos de idade, Jorge de Barros não se lembra da sua progenitora, D. Maria Augusta Silva de Barros, pois “a minha mãe faleceu três dias após ter dado à luz o meu irmão Mário”. Mais tarde, na ausência da mãe biológica e com três crianças sob os seus cuidados e a proteção da avó paterna, viria o seu pai a casar, em segundas núpcias, com D. Ricardina Brazão de Barros, “verdadeira mãe para mim”.
A sua infância, considerada absolutamente normal, decorre na Praia e, em idade escolar, frequenta a chamada Escola Grande, que se situa ao pé da Biblioteca Municipal e nas imediações da então Central Elétrica, hoje a Reitoria da Universidade de Cabo Verde (UniCV). Entretanto, o pai Luciano é transferido, primeiro, para a ilha Brava e, depois, para o Fogo, tendo permanecido nessa última, durante seis anos. Por sinal, a doutrina evangélica chegara à Brava a 1 de Fevereiro de 1901, pelas mãos do bravense João José Dias (23 de Maio de 1873-24 de Novembro de 1964), que emigrara com o pai para os Estados Unidos da América (New Bedford, Massachusetts) aos 16 anos, e tem o mérito de, em 1915, “construir com as suas próprias mãos a Capela da Ponta Achada, na Vila de Nova Sintra”, que, no entanto, viria a ser apedrejada. Todavia, a despeito da perseguição que lhe foi movida e dos sucessivos apedrejamentos, o primeiro missionário da obra evangélica nas ilhas, Reverendo João Dias, “conseguiu dezenas, depois centenas de adeptos”, até ao estabelecimento e à consolidação dessa instituição cristã, no plano nacional, por via da difusão do Evangelho.
Sempre ligado à Igreja do Nazareno já definitivamente estabelecida no arquipélago, Jorge de Barros, frequenta, desde tenra idade, o ensino primário nas ilhas onde o pai exerce a atividade profissional, mas “ficaram mais na minha mente os professores que eu tive na Igreja, porque, nessa altura, havia uma perseguição velada aos protestantes, eles sofriam muito, nós sofríamos discriminação, por vezes maus tratos, principalmente da outra Igreja, que mandava em tudo e em todos”. Marca-o, de forma particular, ainda em plena infância, uma cena de violência que ocorreu na escola primária, na ilha Brava, para onde o pai acabara de ser transferido: “Mal entro na classe, no primeiro dia de aulas, era segunda-feira, pergunta um professor português, de nome Mourão, quem esteve na missa ontem e, claro, levantei a mão, eu era evangélico, eu ia à minha Igreja, e ele pediu-me que eu fosse lá para a frente e aplicou-me, com violência, seis palmatoadas, em cada mão, por não ter ido à missa. E uma dessas palmatoadas bateu-me no joelho, inchou imediatamente, eu mal podia andar”. Perante a violência física e a discriminação que diz ter sido alvo o filho na sala de aulas, o pai tira-o da escola e confia-o aos bons serviços de um explicador de nome Nhô Djack, na 2ª e 3ª classes de instrução primária.
Respondendo à política de mobilidade física da Igreja do Nazareno dos pastores evangélicos, o pai é transferido da Brava para a ilha vizinha do Fogo e, logo, faz-se acompanhar do filho Jorge, que reentra no sistema escolar vigente com o vento a soprar de feição: “Eu tinha um professor chamado Ubaldo Santos, bom homem, tratou-me bem e ali na cidade de S. Filipe fiz a 4ª classe”. Concluído o ensino primário, frequenta um curso de explicações, no Fogo, ministrado por D. Irene Barbosa que, mais tarde, viria a ser professora no Liceu da Praia, prossegue os estudos na ilha e, depois, no 4º ano liceal, muda para São Vicente, nos anos 60, até terminar o antigo 7º ano, no Liceu Gil Eanes. Na ilha do Porto Grande, Jorge de Barros fica hospedado na antiga Pensão Roseirinha, mesmo perto do Palácio do Povo e a uma distância extremamente curta daquele estabelecimento de ensino secundário, “onde, também, andava Pedro Gregório Lopes, ele à frente de mim, um ou dois anos”.
Seguindo a vocação religiosa que abraçou em casa, desde tenra idade e concluído o antigo 7º ano, Jorge de Barros frequenta o curso pastoral durante quatro anos, no Seminário da Igreja do Nazareno, também em São Vicente, findo o qual passa a ser assistente de pastor nessa mesma instituição religiosa e, mais tarde, transferido para a cidade da Praia, já pastor titular, onde “pastoreei, durante cinco anos, e levei a Igreja da Praia ao autossustento, quer dizer, que já não recebia fundo de qualquer parte, não recebe nada de ninguém, pelo contrário, mandava agora não só para as ilhas, mas, também, para o Fundo do Evangelismo Mundial”. Iniciada a atividade pastoral que haveria de durar 16 anos, até Janeiro de 1973, data da sua partida para os Estados Unidos da América onde ainda reside, e conseguido o autossustento da Igreja da Praia, o pastor Jorge de Barros é colocado em São Vicente como professor do Seminário Nazareno por onde passara como estudante e, simultaneamente, pastor da Igreja.
Nos Estados Unidos, onde desempenhou o cargo de Coordenador Internacional de Publicações em português e editor, durante 28 anos, faz o mestrado e doutoramento em Teologia na Nazerene Theological Seminery, entre 1970 e 1980, no Estado de Missouri e, nessa mesma década, no Rio de Janeiro, os Estudos Graduados em Sociologia e Moderna Novelística Brasileira, “um curso de cunho não religioso, virado, pela sua natureza, para a área de conhecimento da cultura e da literatura brasileira”. Na linha da formação académica, Jorge de Barros, casado e pai de dois filhos, frequenta um curso de capelania hospitalar, nos Estados Unidos, nos anos 90, continua a desempenhar, igualmente, já na sua condição de semi-aposentado, o cargo de conferencista internacional, com viagens a 47 países e, ainda, promove o ensino a pastores e líderes, em três línguas, que, de resto, fala fluentemente. Orador empolgante, o Reverendo Jorge de Barros tem-no conseguido com devoção, engenho e arte, no “respeito estrito pelo pluralismo religioso”, a favor da liberdade de culto e de fé, “contra a perseguição e a discriminação de grupos, seitas ou confissões” e em nome de uma Igreja de vocação marcadamente cristã, que, conforme apregoa a própria instituição, defende o bem-estar, promove a fraternidade e a dignidade humana e, ainda, valoriza a música, em especial, enquanto suporte da expressão espiritual religiosa.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 861 de 30 de Maio de 2018.