As causas seriam, entre outras, o aumento da desigualdade social, os efeitos da globalização do mercado de trabalho e a incapacidade das sociedades em propiciar vias para a satisfação de expectativas individuais criadas em paralelo com a conectividade crescente do mundo via redes sociais. Em consequência, para além das já habituais surpresas que a América de Donald Trump brinda o resto do mundo quase todos os dias, assistiu-se nos últimos dias em Espanha às peripécias da queda do governo e ao ballet dos partidos populistas de extremos opostos na formação do governo italiano. Em todos esses casos as instituições dão sinais de querer soçobrar sob o impacto da corrupção, a polarização do discurso político abre caminho para o tribalismo político, e a tentação autoritária da democracia, tal qual um tsunami, vai-se propagando sem se deixar notar até que se torne inevitável e tudo varre numa onda populista.
Cabo Verde vive também estes tempos e isso foi notório nos últimos dois anos nas múltiplas manifestações e passeatas realizadas nas diferentes ilhas, nas frustrações ventiladas nas redes sociais, em sondagens e em estudos de opinião e nas críticas dirigidas à classe política acompanhadas de especial sensibilidade em relação a qualquer sinal de abuso, apropriação ou má utilização de bens e recursos públicos. Há quem veja nessa nova disponibilidade das pessoas em dar a conhecer a sua posição face aos problemas do país a prova que está-se agora mais livre para opinar, participar e contestar posições do governo. A realidade, porém, é que, de facto, em termos de sentimento e emoções em relação aos políticos, aos partidos e a indícios de corrupção, muito mudou. Anos seguidos de ilusionismo político deixaram as pessoas frustradas e deram lugar a acelerado cepticismo e descrença por não cumprimento em tempo quase imediato das promessas feitas. Isso não chega para explicar a deterioração rápida da confiança das pessoas no próprio sistema eleitoral e nas instituições democráticas. Deve haver algo mais a trabalhar e que encontra correspondência em outras democracias. Os fenómenos de descrença são similares assim como também o são a tendência para ceder a propostas populistas e a um mal escondido fascínio por políticos com tiques autocráticos, mesmo para aqueles que não se apresentam como “animais ferozes”.
O colunista e autor David Brooks do jornal New York Times aponta entre as razões para a estranha situação de descrença do homem e cidadão moderno o facto da sociedade ter resvalado para um ponto em que se deixou de avaliar as pessoas pelo seu carácter e passou-se a concentrar no sucesso conseguido independentemente da forma e meios utilizados. Com isso, na sua opinião, a sociedade desmoralizou-se deixando de haver sistemas morais que restabeleçam a harmonia entre as pessoas, as instituições passaram a ser simplesmente um meio para se conseguir certos fins e manifestações de narcisismo tornaram-se cada vez mais frequentes alimentadas em particular pelas redes sociais, o culto de celebridades e a exploração sem pudor de emoções e sentimentos das pessoas para ganho pessoal. Nessas condições, a luta pela afirmação pessoal, que naturalmente contraria o tipo de cooperação entre as pessoas, a começar pelo dever cívico de participação na comunidade que o desenvolvimento do mundo de hoje exige, também mina as instituições existentes que são essenciais para se garantir a democracia e não permite que se crie convergência política suficiente para, na diversidade e pluralismo, se realizar o interesse público.
Em Cabo Verde, o multiplicar de intervenções públicas de personalidades políticas em quase todas actividades que se fazem no país não consegue mudar a percepção pública da fragilidade das instituições. No Afrobarómetro os cidadãos queixam-se da falta de diálogo ou da falta de acesso a políticos não obstante as visitas, as mesas redondas, os workshops, fóruns, socializações etc., que acontecem por todo o país. E certamente que não se vai corrigir a falha e melhorar a situação pela via de aumento desses eventos. O que deixa as pessoas na mesma desemparadas, sem a satisfação de sentirem que foram ouvidas e as suas preocupações devidamente consideradas, vem em boa medida da tendência crescente dos governantes e políticos em geral em realizar a sua agenda própria em detrimento da função institucional. Os perigos dessa forma de fazer política é que quase sempre tende a resvalar para o populismo e a demagogia e, não poucas vezes, tem que recorrer à corrupção para manter os fiéis à sua volta e prontos para serem lançados em combates políticos futuros.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 862 de 06 de Junho de 2018.
Humberto Cardoso