Sobre o Estado da Nação

PorMaurino Delgado,24 out 2018 6:30

​No início do novo ano político, o Movimento para o Desenvolvimento de São Vicente aproveita para deixar as suas preocupações aos Órgãos de Soberania, aos Deputados, aos Eleitos Municipais e à Sociedade Civil quanto ao estado da nação que considera preocupante em muitos aspetos e uma das razões prende-se com o funcionamento deficiente das instituições, quer a nível do Poder político quer a nível do poder Governamental. Vamo-nos referir ao Gabinete do Primeiro Ministro, ao do Ministro das Infraestruturas e do Ordenamento do território, à Assembleia Nacional, ao Ministério Público, aos Deputados e ao Poder Local em S. Vicente.

As mensagens que queremos passar: o País não se desenvolve sem um povo trabalhador, sem bons políticos e bons dirigentes. É fundamental despartidarizar a Administração Pública porque não se pode governar com qualidade e sentido de responsabilidade sem uma boa organização e sem bons quadros o que não se consegue com a partidarização da A.P.

As políticas eleitoralistas comprometem o desenvolvimento do país.

Em São Vicente, o Poder Local foi um atraso para a Ilha, visto que o poder foi capturado por interesses eleitoralistas e por interesses especulativos à volta dos terrenos urbanos, dois cancros terríveis ao desenvolvimento.

O Poder Local nunca teve problemas em violar direitos fundamentais dos munícipes e da Cidade para proteger determinados interesses, com a cumplicidade dos governos.

Antes de entrar no desenvolvimento das questões, as primeiras palavras são de homenagem às vítimas mortais na extração da areia em Lazareto. Sem esses homens que no dia-a-dia perigosamente arriscam a vida nessa faina, a construção civil ficaria comprometida. Honremos a sua memória. O último desastre deu-se no passado mês de Julho.

E, o Governo, a Câmara Municipal de São Vicente e os Deputados, ao menos deviam ter pedido desculpas à Nação porque estes homens foram vítimas da negligência institucional. Falhou o Ministério do Ambiente, falhou a Proteção Civil que está sob a responsabilidade da Câmara Municipal, falharam os Deputados. Se os Deputados tivessem denunciado a situação e pressionado as instituições competentes, o desastre teria sido evitado ou minimizado. A questão do Lazareto é uma questão antiga com um historial de vários acidentes mortais, mais de seis acidentes em poucos anos, com uma perda de dezasseis vidas o que demonstra que o país não vem sendo gerido com empenho e sentido de responsabilidade.

O desastre do Lazareto reflete o estado da nação, uma nação em as pessoas estão sujeitas a riscos de acidentes graves por negligência das instituições.

Prestemos atenção às circunstâncias em que acontece o desastre de Lazareto. O desastre de Lazareto é uma consequência indireta da partidarização da administração pública. O MPD tinha deixado entender durante a campanha eleitoral que faria as mudanças na administração pública com sentido de estado. Ganha as eleições, esquece o compromisso e com uma velocidade relâmpago resolve mudar todos os dirigentes dos serviços. Por exemplo, no Ministério do Ambiente essas mudanças interrompem o processo da normalização da extração da areia no Lazareto que estava em curso. O Governo do PAICV já tinha despertado para a gravidade da situação, soluções estavam a ser implementadas, o concurso para uma empresa com equipamentos adequados para explorar a areia já tinha sido feito. A mudança do poder interrompe o processo. O Ministério passa a ter um ministro novo que ainda não teve tempo de conhecer os dossiers, apressadamente substitui os directores, substitui os delegados, põe gente nova que não conhece os dossiers, o processo de Lazareto é esquecido ou não é devidamente avaliado pela nova equipa. As pessoas continuam a apanhar areia correndo todos os riscos, levando a mais um desastre.

O país continua a ser gerido numa base eleitoralista. Por exemplo: tem-se a impressão de que o Primeiro-Ministro não para de fazer campanha. Fez campanha para as legislativas e ganhou. Continuou sempre em campanha, autárquicas e presidenciais e agora regionalização e já está a fazer campanha, para as próximas eleições: para o cidadão comum atento as viagens e visitas do P. M. parece que não tem tempo de governar o país, de debruçar sobre os dossiers, de ouvir as pessoas, de acompanhar os ministros.

Queremos um Primeiro- Ministro que se ocupe em primeiro lugar da governação do País, que não esteja refém de promessas de campanha, de estratégias eleitoralistas; queremos um Primeiro- Ministro com autoridade, um Primeiro- Ministro com elevado sentido de estado, um Primeiro- Ministro que se esforce para ouvir o cidadão, um PM que não tenha medo de perder as eleições para poder governar o país, um Primeiro-ministro com forte credibilidade. Por exemplo: prometeu preservar o Centro Histórico do Mindelo; não obstante já foram destruídos o Ex-Consulado Inglês e a Praça da Drª Maria Francisca. Onde fica a credibilidade do Primeiro- Ministro? Muito recentemente, assistimos o triste espetáculo protagonizado pelo MNE e o Presidente da República. Como é que fica a autoridade do Primeiro-Ministro?

A nação, também, não está bem porque os resultados dos quinze anos da governação do PAICV não foram bons com uma elevada dívida pública e alta taxa de desemprego uma pesada herança negativa, e muito dessa dívida serviu apenas para encher os bolsos de uma meia dúzia através de maus investimentos públicos. Perante essas situações, temos que estar atentos para que o MPD não nos leve no mesmo caminho pressionado pelas promessas de campanha, por interesses eleitoralistas, disputas de protagonismo e pelos lóbis interessados em determinados projetos .

Mas há uma questão que é determinante para darmos o salto para o desenvolvimento do país: os homens e as mulheres que colocamos no poder, estão à altura desse desafio?

Vejamos: há uma dificuldade grande em falar com os membros do Governo. Não são acessíveis a audiências. O contacto não nos é facilitado. Privilegiam mais as visitas protocolares e partidárias que dão visibilidade eleitoral do que ouvir e falar com o cidadão. Essa atitude não facilita a solução dos problemas e o muito da burocracia de que padece a Administração Pública é por causa do défice de contato dos Políticos e Dirigentes com as pessoas. Quem não tem ou não procura informação não governa bem, não resolve os conflitos. Exemplos:

Passemos ao caso particular de São Vicente, comecemos pelos nossos deputados à Nação.

Mal conhecemos os deputados porque não interagem com o eleitor no dia-a-dia. Ninguém sabe onde nem como falar com um deputado. Sede dos partidos não é escritório de deputado. Não se lhes ouve discernir sobre assuntos importantes da Cidade. Por exemplo, a problemática do património histórico, a poluição sonora ou sobre a gestão municipal na sua relação com os emigrantes, a importância e a oportunidade da estrada Cidade/ Baía das Gatas, que melhor estrada precisamos, ou a bondade das obras no Centro Nacional de Artesanato; não seria melhor em termos económicos, da preservação do património, em termos urbanísticos, em termos do desenvolvimento da Cidade, construir um Centro de raiz? A bondade das torres de habitação que vão nascer com o terminal de cruzeiros na zona portuária, zona que pela sua especificidade deve ser reservada para infraestruturas portuárias, que não obstante estão a ser ocupadas por prédios de habitação. Não se compreende, torres que podem ser construídas num outro sítio, o que vamos ganhar com essas torres?

Falando ainda dos nossos deputados: quando poucas vezes ouvimos os nossos deputados intervir, como é no caso das construções autorizadas pela Câmara Municipal no canal de águas pluviais de Chã de Alecrim, mandado construir para proteger as populações e as instalações da Electra na Matiota, os deputados tiveram uma má prestação, demonstrando falta de maturidade e zelo no desempenho das suas funções, dizemos isso com o devido respeitos.

No mínimo, como representantes das populações deviam levar as preocupações ao Governo que tomaria as medidas necessárias para resolver o problema. Infelizmente, os deputados da oposição também não tiveram melhor desempenho, muito pouco disseram sobre esse erro grave de gestão municipal que põe em risco a vida das pessoas e os interesses da Cidade. Estamos mal servidos de deputados.

Quanto a Assembleia Municipal de São Vicente:

Não se esforça para resolver os problemas. Um exemplo, de entre tantos: sobre as construções de moradias no canal das águas pluviais de Chã de Alecrim, um grupo de moradores dessa localidade deu entrada de um requerimento na AM a pedir que o assunto fosse discutido na reunião do dia 15 do passado mês de Maio.

Ainda nessa mesma reunião da Assembleia Municipal, no período antes da ordem do dia, em nome de um grupo de engenheiros e arquitectos, falou o arquitecto Evandro Matos que expos as preocupações do grupo relativamente a essas construções e que o mesmo grupo se disponibilizava para ajudar a Câmara a encontrar as melhores soluções para esse tipo de construções. O Presidente da Câmara, para desvalorizar a intervenção, entre outras banalidades, disse que o interveniente era do PAICV. A Assembleia Municipal nada fez de concreto. Esse órgão, funcionando desta forma, deixa de ter interesse prático para o desenvolvimento de São Vicente, perfeitamente pode ser dispensado.

Continuando, perante as dificuldades desse problema ser resolvido localmente foi pedido à Comissão dos Assuntos Constitucionais, Direitos Humanos, Segurança e Reforma do Estado, da Assembleia Nacional, que esteve de visita a S.Vicente que levasse a questão ao Governo, pedido feito por um grupo de moradores da Cidade e de Chã de Alecrim, recebido em audiência pela Comissão. Nessa audiência perante a gravidade dos factos relatados, a Presidente da Comissão até estranhou a passividade do Ministério Público na defesa dos direitos à vida das populações, dessa localidade e o direito ao ambiente sadio.

Do lado da sociedade civil fez-se tudo para parar essas obras, não foi possível, o que é preocupante, sobretudo porque ninguém de direito tomou uma posição firme sobre o assunto. Nem a Assembleia Municipal, nem o Governo, nem o Ministério Público e nem os Deputados. O sistema não dá confiança, não responde às necessidades de desenvolvimento do país. Onde está a complementaridade e hierarquia de responsabilidades no sistema? Por que razão ninguém se responsabiliza?

Ministério Público

O Movimento Sokols 2017 interpôs uma providência cautelar junto do Ministério Público a pedir o embargo das obras, nada aconteceu. Da mesma forma aquando das obras autorizadas pela Câmara Municipal que comprometem a Rua Pedonal que liga a Praça Nova à Avenida Marginal, obras autorizadas sem respeitar a lei e os interesses dos munícipes, ou quando lhe foi pedido que verificasse a normalidade do contrato de concessão do edifício do Ex-Consulado Inglês entre a Câmara Municipal e a empresa concecionária. Temos um Ministério Público inoperante face aos pedidos que lhe são feitos.

Passando para o Poder Local: Presidente, Câmara Municipal e Assembleia Municipal.

Se analisarmos o desempenho do Poder Local depois da mudança de regime do partido único para o pluralismo chegamos à triste constatação de que o Poder Local falhou, está cheio de graves defeitos que estão a prejudicar o desenvolvimento de São Vicente. Mindelo que era a única Cidade do país digna desse nome, era uma exemplo de boas práticas urbanísticas, vem sendo escangalhada. Património histórico destruído, planos urbanísticos violados e ignorados na sua virtualidade na construção de Cidades Sustentáveis, Seguras e Saudáveis; os terrenos urbanos capturados pela especulação, incluindo os destinados a espaços verdes, praças públicas, estacionamentos de viaturas, reservas administrativas, todos esses espaços já comidos , a culminar com o impensável: autorizar a construir casas num canal de recolha de águas pluviais, como é o caso de Chã de Alecrim onde, por razões de segurança, não se deve construir. Isso é grave e mais grave ainda é a passividade dos poderes públicos, isso é irresponsabilidade, desgoverno.

O Poder Local perante certos interesses não respeita os interesses dos munícipes. Como consequência, muitos emigrantes regressados, definitivamente, voltam de novo ao país de emigração, o que é preocupante. Sobre isso que diga o senhor Gregório Fernandes emigrante na Holanda que queria viver a sua reforma em São Vicente, mas perante os descasos do Poder Local disse: vou regressar para a Holanda onde cada vírgula está no seu lugar. A situação não favorece o ambiente de negócios, prejudica os investimentos externos, atrasa o processo de desenvolvimento e por maior que seja a boa vontade do Governo, não há desenvolvimento do país sem um Poder Local competente. Que fazer?

Por todas essas razões, consideramos que a situação do país é preocupante, fazemos votos para que esses constrangimentos sejam ultrapassados, sendo certo que as coisas nunca vão mudar sem uma Sociedade Civil que se organize, que discuta, participe na solução dos problemas, pressione e exija responsabilidades dos Poderes Públicos.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 881 de 17 de Outubro de 2018.

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Autoria:Maurino Delgado,24 out 2018 6:30

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  29 out 2018 16:22

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