Já na fase de vida adulta, concluído o então 7º ano liceal, em 1953, na sua ilha natal, Pedro Gregório optara, primeiro, pela Escultura, devido à ligação ao barro, mas, depois, “sem qualquer imposição”, por sugestão de um amigo do pai, muda de opção e abraça, finalmente, a Arquitetura, no Porto, que viria a terminar, num primeiro momento, seis anos após o seu ingresso na Escola Superior de Belas Artes. Definitivamente catapultado para o mundo da Arquitectura, a partir de 1962, altura em que defende a sua monografia e regressa, de vez, a Cabo Verde, dando largas aos seus dotes artísticos, participa, em 1991, num concurso público destinado à feitura da nova bandeira nacional, e sagra-se vencedor, entre outros candidatos concorrentes. Na sequência do veredicto final recaído sobre a “melhor proposta” anunciado pelo júri, Pedro Gregório é, então, acusado pela crítica nacional de um “certo anti-africanismo”, ao ter, alegadamente, retirado as cores típicas das bandeiras africanas e “aproximar-se bastante à bandeira da União Europeia”, em termos meramente visuais.
Virado para o interior de si próprio e sem ter ouvido opiniões de quem quer que fosse, “apenas falei comigo mesmo”, pois, “se quer ser o mais autêntico naquilo que faz, converse consigo mesmo, oiça, mas sem perguntar a opinião das outras pessoas”. Dito de outro modo, defende o também decano dos arquitectos cabo-verdianos, que, de resto, rejeita liminarmente qualquer protagonismo na criação de um dos maiores símbolos nacionais adoptado a 13 de Janeiro de 1992, na sequência da revisão constitucional que instituiu o sistema multipartidário em Cabo Verde, “ausculte mas, no fundo, tome as decisões dentro, a decisão é sua e de mais ninguém”. Baseada essencialmente no desenho e noutras expressões artísticas, a Arquitectura liga-se, igualmente, ainda que de forma indirecta, à música considerada a mais fantástica de todas as artes. Com efeito, há um encontro forte e uma relação empática e discreta entre a música e a arquitetura, expressa através, por exemplo, da analogia meramente formal entre a obra arquitéctonica e a pauta musical, porquanto, segundo Pedro Gregório, “não há nada separado, o ritmo, a solidez e o equilíbrio encontram-se tanto na Arquitectura como na música”. Na sua actividade criativa e sublime inspirada “numa ideia que se apresenta como uma nebulosa e se vai clarificando, até à sua concretização nesta ou naquela forma”, o arquitecto tem que ter o sentido do ritmo e da melodia, ou melhor, “o sentido do balanço (…)”, a simetria e o equilíbrio presentes na música.. Se, por exemplo, “olhar para um edifício, acaba por encontrar uma repetição de um padrão qualquer, de pilares, fundamentalmente, de linhas verticais, ou horizontais e isso é exactamente o ritmo”, alternado ou não, que“traz o compasso e o sentido da métrica ” e se transpõe para a música, de forma própria.
Se bem que não tenha encontrado a música em casa, Pedro Gregório Lopes, ainda assim, adquire o gosto pela arte musical e, aos oito anos de idade, já arranha no violino, o seu instrumento musical predilecto. Aliás, o seu primeiro violino foi construído por ele próprio, ainda criança, na Fajã, e tinha apenas três (3) cordas, em vez das habituais 4 (quatro) friccionadas, pois, “ao esculpir o braço do violino não ficou espaço para meter a quarta corda, calculei mal a distância”. Na verdade, era a primeira vez que construía um instrumento musical do género, mas já o vira, “tinha mexido nele, tentei construir o braço do violino com um pedaço de pau de goiabeira, consegui mudar a coisa, afinava Mi, Lá, Ré e só faltava o Sol”. Apesar do ouvido para a música, reconhece, no entanto, ter “cometido um erro muito grande: a primeira dificuldade, quando não conseguia a nota que eu queria, de imediato, punha o violino de lado, desistia, não pedia ajuda a ninguém, em vez de continuar a treinar e a persistir”, que, aliás,condiciona a sua aprendizagem musical. Todavia, Pedro Lopes viria pôr término à prática do violino, em virtude de ter tido um acidente quando estudava em S. Vicente, teria ele 18 (dezoito) anos, numa sessão de ginástica no pátio central do então Liceu Gil Eanes, executou mal um salto de elevação de plinto e, “em vez de cair no colchão, escorreguei-me de lado, caí sobre o cimento e bati a coluna”. A aparatosa queda do atleta teria provocado, sem o saber, na ocasião, “a fracturação da coluna vertebral, a progressiva deformação do corpo, a atrofia dos músculos do lado esquerdo, o desnível dos ombros e, ainda, o encurtamento da altura”, acabando, também, por travar, de uma vez por todas, a actividade física e musical do bom ginasta, mas sem que, todavia,daí adviessem quaisquer traumas ou transtornos de natureza psicológica.
Além do violino de que mais gosta e lhe faz lembrar a voz humana, Pedro Gregório adora os instrumentos musicais de corda da família do violino, os chamados cordofones, e, em particular, a viola de arco ou violeta (de arco e quatro cordas), o violoncelo e a harpa. A despeito da apetência musical pelos cordofones friccionados e dedilhado, Pedro Gregório, diga-se em abono da verdade, não executa nenhum desses instrumentos, enquanto dois dos filhos - o Calú d’Arquitecto e o Pedro -, abraçariam o piano (cordofone de teclado), instigados pela mãe Maria Alzira que, no passado, o praticara em casa. Seja como for, independentemente do nível de aprofundamento da prática musical de Pedro Gregório, afigura-se evidente a analogia entre as duas expressões artísticas, através da presença permanente de certos elementos comuns, nomeadamente, o ritmo (repetição), a melodia e a harmonia, que reforçam e fortalecem o sentido e a noção da música enquanto “Arquitectura petrificada” (Goethe e Schopenhauer).
Última parte
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 892 de 2 de Janeiro de 2019.