As novas estradas das ilhas

PorJoão Chantre,7 fev 2019 6:57

​Saber o que é correcto e não o fazer é falta de coragem. – Confúcio

O início da nossa história

O percurso de Cabo Verde é secular. O que ficou registado na história é que em 1460 os portugueses chegaram às ilhas, em 1975 tornamo-nos independentes pela nossa vontade e em 1990 democratizamos as ilhas e resgatamos a liberdade que ainda está para ser definida. Ora, a cooperação horizontal esteve sempre na origem da formação das ilhas que hoje são consideradas uma das sociedades mais mestiças do planeta com as suas vantagens e desvantagens.

Os caminhos

As estradas da nova geração terão que ter bases sólidas e serem seguras. Não devia haver espaço para desperdiçar um Dólar do dinheiro público na nossa sociedade. Devia ser um bem constitucionalmente reconhecido. As ilhas sempre apostaram num sistema de educação muito sólido. Nem sempre foi possível o ideal, mas essa foi sempre a nossa grande prioridade – formar homens e mulheres com muita qualidade. Não vale a pena massificar o ensino só para massificar. As estatísticas são apenas uma ferramenta para ajudar os decisores na tomada de decisões importantes. E por isso um sistema estatístico bem montado, moderno e disponível determina o nível de desenvolvimento de um país. Nesse ecossistema, resgatar o papel do professor é fundamental. Numa sociedade que se preze e sobretudo numa pequena sociedade como a nossa, o professor deve ser o epicentro da sociedade juntamente com a família. Nunca é tarde inverter a marcha. Pior de tudo é não recomeçar por medo.

Educação, o passaporte do progresso

Pelas notícias que circulam, pela primeira vez depois da nossa independência estamos ainda timidamente a querer reconhecer que infelizmente algo não vai bem com o nosso sistema de Educação. Se isso for confirmado e não houver coragem de inverter essa tendência, perdemos o jogo. Obviamente que é sempre possível ganhar o próximo jogo, mas para quem pratica deporto sabe que ganhar um desafio significa trabalhar arduamente para que tal aconteça. Então mãos à obra, vamos inverter a marcha para não ser tarde demais. Perder o jogo da educação é hipotecar o futuro do país, é ficar atrás, e nenhum país quer ficar atrás na estrada do desenvolvimento.

De repente, decidimos criar universidades e formar contingentes de diplomados, presumivelmente sem um rigoroso planeamento das necessidades e tendências do futuro do país e por vezes despido de qualidade. E cá estamos, chegamos agora e deparamos com uma vaga de jovens formados mas sem qualificação e agora como colocá-los no mercado de trabalho! Fala-se em gente formada, mas estamos cada vez com menos professores, menos médicos e menos engenheiros. O país e a ilha de Santo Antão sempre produziu engenheiros. Não era possível atravessar as rochas sem engenharia, não era possível transformar pedras em propriedades agrícolas sem engenharia, não era possível atravessar o canal sem engenharia naval. Agora precisamos de engenheiros para transformar o sol, o vento e o lixo em energia e adocicar a água do mar.

A economia

Há uma tendência generalizada para se descuidar da ciência económica. Basta ver como temos lidado com a espinha dorsal da economia: de repente a dívida pública disparou a níveis insustentáveis, 126% do PIB, o défice orçamental apesar de ter sido estancado, não deixa de ser um indicador crítico, tudo isto à custa de um investimento público que não se traduziu em investimento produtivo e por isso neste momento o país encontra-se encurralado e enfrenta um problema sério de fazer descolar a economia. Por via do investimento privado nacional é muito difícil. O vento bate de frente, as famílias e as empresas estão endividadas sendo praticamente impossível descolar por esta via. O perdão da dívida, uma possibilidade remota; a priori as dívidas são para honrar, mas pode até acontecer. Via crescimento económico, os sinais e a progressão é muito positiva (3.5% em 2017, 4.5% em 2018, um 5% em 2019 e um possível 6.5%, em 2020, seria ouro sobre azul). Outros ventos favoráveis chegam via Investimento Direto Estrangeiro (IDE), sobretudo se for no setor transformador. Há sinais de forte probabilidades de descolagem nesta frente, mas ainda se sentem reflexos da herança de uma máquina burocrática pesada e ineficiente. Ou aproveitamos este slot, ou perdemos mais uma grande oportunidade de transformar o nosso país, com consequências incomensuráveis. Felizmente que a cooperação internacional tem sido extremamente generosa desde a proclamação do Estado independente e essa cooperação tem sido a base de desenvolvimento desses grãozinhos de terra espalhados no meio do Atlântico.

Por forma a colmatar essas desvantagens, o Marketing de Cabo Verde no mundo terá que ser mais dinâmico, mais activo e mais criativo. Hoje essa dinâmica e essa criatividade devem ser transferidas em parte pelas embaixadas. Resta saber se as mesmas estão preparadas para este novo mundo. Um mundo das novas tecnologias e da nova economia digital, a uma velocidade jamais vista. Ou mudamos o conceito e o perfil do embaixador ou perdemos mais essa etapa. A Cesária Évora já fez a sua parte, carregou as ilhas nas costas por longos anos e cantou e encantou o mundo por onde passou e Cabo Verde ganhou notoriedade. Neste momento a Caboeólica tenta colocar o país no mapa verde do mundo. Tem desempenhado um papel louvável. Cabo Verde esta cada vez mais verde, desta vez, não pela queda das chuvas mas pela abundância de sol e vento…

Estradas de nova Geração

A única estrada segura deste país passa pelo mar e pelo ar. A conectividade entre as ilhas e entre as ilhas e o mundo é fundamental para o seu desenvolvimento. E daí, serem sectores estratégicos que precisam de uma visão clara e de especialistas que possam garantir o planeamento, a engenharia, a gestão, e a sustentabilidade desses sectores. Infelizmente esses sectores têm sido atacados por vagas de pragas nocivas e tem sido difícil combater essas pragas, mesmo com overdoses de desinfestação. O melhor bem de um Gestor é a visão, o planeamento e a rectidão. Estamos com problema de miopia e cada vez menos sérios. Infelizmente banalizamos a função do Gestor e este activo deve ser repensado e resgatado.

O turismo, o mar e os transportes aéreos

Se quisermos unir essas ilhas que nasceram separadas umas das outras, devemos focalizarmo-nos nesses sectores estratégicos e apostar nas economias locais. Ei-los: o turismo bateu-nos à porta, o mar é a nossa fonte de inspiração e a riqueza clínica do país e o mar é também água. A agricultura bem ou mal sempre foi um dos motores do desenvolvimento das nossas economias locais e o pássaro gigante já não é novidade no céu azul das ilhas. Resta agora a resolução da equação que até não é tão complexa como imaginemos. No sector do turismo os líderes locais terão que conservar o melhor que cada ilha oferece. A sua paisagem natural, o urbanismo e a arquitectura colonial, que normalmente é ligada a nossa história. As cidades terão ainda que sofrer uma rotação de 180º e voltar a cara para o mar, e como somos poetas, com esse exercício encontraremos as soluções. Infelizmente isto não tem acontecido. Apenas a diáspora, a cooperação internacional e o turismo têm sabido desfrutar desse precioso bem que é o nosso mar. Por via do mar chega a riqueza da diáspora, a cooperação internacional e o nosso turismo. Se quisermos apostar no mar, basta deitar as cinzas da Cize no mar para que as ondas do mar levem a voz da Rainha da Morna aos povos do mundo e para que os povos do mundo possam visitar as nossas ilhas.

Hoje a indústria turística corresponde a 10,4% do PIB mundial segundo a OMT. Em 2017, a contribuição directa do turismo na economia mundial foi de 2,6 bilhões de USD e criou 110 milhões de postos de trabalho (1 em cada 9). Tratando-se de uma indústria planetária e muito competitiva, as nossas ilhas têm que ter uma voz activa nessa grande comunidade. Felizmente sem grandes esforços conseguimos descolar com o segmento sol e praia nas ilhas do Sal e da Boa Vista – o segmento do turismo mais vendido no mundo. Chegou, instalou e venceu, e por isso não estraguemos o que está bem. Não menosprezemos esse segmento do turismo que todos gostariam de ter, mas que poucos têm o privilégio de ter porque os requisitos são elevados, sol e praias. As nossas políticas para esse segmento do turismo é que precisam ser ajustadas e claras. Uma questão de decisão. Não é aconselhável uma sobrecarga do all inclusive mais de 30% da nossa capacidade de oferta. Mais coisa, menos coisa é a nossa opção. Um país é uma auto-estrada em construção permanente e não uma estrada nacional de 5 anos! Mas é preciso fazermos o nosso trabalho de casa, requalificar as nossas cidades e cuidar do meio ambiente. Erradicar as barracas, mudar a cor delas, do cinzento para o verde, no mais amplo sentido da palavra. O verde começa na mente, e sobretudo na mente dos líderes.

Em 2017, Cabo Verde recebeu cerca de 716.775 turistas. Será difícil levar o turismo as ilhas? Creio que não! Santo Antão coube-lhe uma fatia de cerca de 25.000 turistas (dados de 2017) e Santo Antão receberá o número de turistas que os santantonenses ou os investidores decidirem. O importante é o planeamento equilibrado da oferta turística. A Ilha das Montanhas sempre teve planos de desenvolvimento, financiados pela cooperação internacional. Na ilha já existem modelos de turismo sustentável de nível mundial, basta analisá-los e replicá-los. A Ilha das Montanhas possui rotchas e gente simpática e acolhedora. A ilha possui um dos percursos vicinais mais encantadoras do mundo. Percurso como Fontainhas/Cruzinhas existem poucos no mundo, apenas um espectáculo ao vivo. Criam-se star-ups constantemente na ilha. A frota de Hiaces brancos na ilha é exemplo a seguir, geridas por gente simpática, responsável, acolhedora, e que honra os compromissos bancários. A Quinta Coxete, o Pedra Cine, o Hotel Art Resort, a Aldeia Manga são obras de qualidade e referência em qualquer parte do mundo para acolher turismo de qualidade. A ilha de S. Nicolau está prestes a descolar, apenas precisa de conectividade. Alguém que passou por lá teve o bom senso de cuidar do urbanismo e por isso conservou-se a beleza arquitectónica e natural da ilha. A Ilha Brava ganhou até agora com o isolamento, preservou a sua paisagem natural e arquitectónica e fala-se da ilha como o jardim do arquipélago. A Ilha do Vulcão, o vulcão que tira riqueza e reponha riqueza. Afinal o que falta é conetividade e Marketing.

Em suma, o que faz a diferença é o bom senso e a nossa sensibilidade. Uma das certezas de trabalho de futuro é o Marketing e as vendas. Então o que esperamos para retomar o Marketing das ilhas no mundo e porque ter medo/vergonha de vender e servir. Bate-nos à porta a era digital e da robótica. Reforçar o nosso português, investir nas línguas, resgatar o valor da matemática deve ser a nossa aposta. Mas atenção, o tempo requerido são 10 anos, no mínimo! Por isso há espaço para todos, mas os líderes devem ser os mais responsáveis e os mais pragmáticos. It´s time…

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 896 de 30 de Janeiro de 2019.

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Autoria:João Chantre,7 fev 2019 6:57

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  7 fev 2019 6:57

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