Eleições na Guiné-Bissau

PorEurídice Monteiro,8 mar 2019 15:08

​A vizinha república da Guiné-Bissau vai a votos no próximo dia 10 de Março, depois de vários constragimentos que ditaram os sucessivos adiamentos destas eleições legislativas que deveriam acontecer em Abril do ano passado. Desta vez, uma vez mais, a comunidade internacional está de olhos postos na GuinéBissau.

As escolas estão de portas fechadas, por causa da greve dos professores. O país encontra-se em pleno período de campanha eleitoral. Uma campanha em tempo de carnaval. O carnaval multiétnico guineense tem merecido destaque positivo junto da opinião pública nacional e international. Ao passo que a política, desde a independência (1973/1974) e mesmo após à abertura política (com as eleições multipartidárias em 1994), tem colocado o país numa situação bastante negativa aos olhos do mundo. Isto devido aos problemas não resolvidos da guerra de libertação, ao regime de partido único instalado com a independência e ao subsequente regime militar instaurado pouco depois (1980), aos recorrentes golpes de Estado, à guerra civil e à permanência da instabilidade política num contexto de democracia liberal (nenhum presidente eleito nem governo conseguiu completar com sucesso um mandato, sendo que apenas a actual legislatura chegou ao fim).

Tudo parece estar em aberto. Dos vinte e um partidos políticos em disputa nestas eleições, três têm vindo a intensificar as suas acções de campanha pelo país, num renhido braço de ferro, cujo resultado é ainda imprevísivel: o Partido Africano para a Independência da Guiné e Cabo Verde (PAIGC), o Partido da Renovação Social (PRS) e o Movimento para a Alternância Democrática da Guiné-Bissau (Madem-G15), este último composto por dissidentes do primeiro. Os 46 anos de independência, a crise política em que o país se mergulhou, a transição democrática incompleta e as novas promessas de desenvolvimento são debatidos com fervor ou cepticismo.

Entre Senegal (Norte), Guiné-Conacri (Sul e Leste) e o Atlântico (Oeste), a actual GuinéBissau é um dos Estados da costa da África Ocidental com a mais longa e controversa relação histórica com o arquipélago de Cabo Verde. Recorda-se que, ambos subordinados ao domínio colonial português, Cabo Verde e Guiné-Bissau (que chegou a ser designada por «Guiné de Cabo Verde» e, mais tarde, por «Guiné Portuguesa») tiveram uma administração comum entre 1550 e 1879, altura em que houve a desanexação do distrito da Guiné da província de Cabo Verde, tendo então aquele território sido dotado de um governo-geral independente deste arquipélago.

É de realçar que, no decurso dessa história colonial, muitos cabo-verdianos foram usados pela antiga potência imperial (Portugal) na administração colonial da Guiné-Bissau, o que engendrou um mal-estar que persiste no tempo. A divergência entre esses dois territórios, na época colonial, prendia-se com esse facto de muitos funcionários coloniais, desde Honório Pereira Barreto (que exerceu os mais altos cargos da sua época) a vários chefes de posto ilustres e anónimos, na GuinéBissau, terem sido naturais das ilhas ou guineenses de ascendência caboverdiana.

Uma vez que, no arquipélago de Cabo Verde, a instrução escolar de base eclesiástica, privada e pública foi relativamente mais desenvolvida, havia a consciência de que existiam maiores possibilidades para os cabo-verdianos conseguirem emprego do que para os filhos da GuinéBissau. Ao pé da letra, isto podia significar que, tendo sido um pouco mais privilegiados pelo sistema colonial, os cabo-verdianos retiravam as oportunidades aos guineenses. Isto era tão óbvio que nem o movimento libertador conseguiu superar esta divergência de base, a tal ponto de, como tudo indica, Amílcar Cabral (líder da luta de libertação da Guiné e Cabo Verde, filho de pai e mãe cabo-verdianos) ter pago com a própria vida o preço de uma unidade politicamente semiforçada e Luís Cabral (primeiro Presidente da República da Guiné-Bissau), outro guineense filho de pai cabo-verdiano (e mãe portuguesa), ter sido deposto por um golpe militar do Movimento Reajustador de Nino Vieira, que ditou o fim da unidade política Guiné e Cabo Verde.

O carnaval multiétnico guineense tem merecido destaque positivo junto da opinião pública nacional e international. Ao passo que a política, desde a independência (1973/1974) e mesmo após à abertura política (com as eleições multipartidárias em 1994), tem colocado o país numa situação bastante negativa aos olhos do mundo.

Não obstante, havia a percepção que a divergência entre Guiné-Bissau e Cabo Verde era menor do que aquelas que existiam internamente em cada um desses territórios, isto porque, a divergência entre esses dois países limitava-se à designada «pequena burguesia autóctone», circunscrevendo-se a uma estratégia de busca de emprego, de bons lugares nos interstícios da administração colonial e, mais tarde, nas estruturas do partido-Estado.

Este facto histórico tem sido utilizado de várias maneiras, com base numa mesma lógica de dividir para reinar: na época colonial, era utilizado pelos agentes do colonialismo português para opor os guineenses em relação aos cabo-verdianos, desviando as atenções do facto colonial e das estratégias de implantação colonial para lá das zonas costeiras e de efectivação da colonização do interior; nos dias de hoje, depois das independências, tem sido frequentemente utilizado para enaltecer apenas o contributo da Guiné-Bissau para a independência de Cabo Verde, fazendo entender que este arquipélago teria aproveitado de uma circunstância histórica e da força militar daquele território, com o único propósito de garantir a sua própria independência, e que, após alcançar esse objectivo, teria resgatado os principais quadros para a sua reconstrução nacional e deixado aquele país numa situação desfavorecida. Esse é um tipo de raciocínio que tem um fim prático e é sobejamente conhecido, pelo que não encontra acolhimento junto de pessoas comprometidas com a estabilidade, o desenvolvimento e a modernização do continente africano.


Texto originalmente publicado na edição impressa doexpresso das ilhasnº 901 de 05 de Março de 2019.

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Autoria:Eurídice Monteiro,8 mar 2019 15:08

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  9 mar 2019 9:29

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