90 anos do Diário de António Pedro

PorManuel Brito-Semedo,16 abr 2019 6:39

​Assinala-se este ano os 90 anos da publicação do Diário (Praia, Imprensa Nacional, 1929), livro de poesia de António Pedro [Costa] (Praia, 09.Dez.1909 – Moledo, 17.Agosto.1966), artista plástico surrealista, homem de teatro, escritor,poeta e jornalista.

Diário

O Diário, pelo modernismo e pela forma de abordagem dos temas, não agradou a muita gente. “A tal ponto que [segundo Félix Monteiro] um exemplar do livrinho foi rasgado, simbolicamente em auto-de-fé, por um grupo […] do Liceu de São Vicente, o qual, para o cúmulo, deliberou levar mais longe o seu protesto, remetendo ao Autor, pelo correio, os despojos, da sua intolerância”.

Na verdade, os valores culturais como o batuque e a morna não terão sido compreendidos por António Pedro, o próprio ambiente é visto com olhos de quem chega, por alguém que se sente agredido geográfica e culturalmente, os aspectos sociais e étnicos chamam a sua atenção por serem originais e ao fixar um instantâneo do quotidiano da venda da papaia, o poeta preocupa-se em reproduzir o realismo no próprio discurso, adequando-o ao nível cultural do emissor.

Jorge Barbosa, numa carta dirigida a Manuel Lopes, datada de 21 de Outubro de 1933, reporta-se positivamente ao Diário, a propósito do livro que tinha em preparação: “Tem o livro [Ambiente] uma intenção que suponho avizinhar-se de António Pedro quando publicou o Diário”.

Manuel Ferreira, por seu lado, é de opinião que Pedro Corsino de Azevedo (1905 – 1942) ter-se-ia inspirado estilisticamente em António Pedro quando escreveu o poema “Galinha Branca”.

O desenho da capa, uma crioula gravada a ouro expressivamente corporizada numa cor esverdeada, é arte de Jaime de Figueiredo (Praia, 1905 – 1974) e o editor do livro é João Lopes (São Nicolau, 1894 – 1979).

António Pedro
António Pedro

António Pedro

Com 4 anos, António Pedro vai viver para Portugal mas volta a visitar a sua terra-natal por três vezes. Realiza a primeira visita em 1929, com dezanove anos, quando publica, na cidade da Praia, o seu livro de poesia Diário. A segunda, dez anos mais tarde, como elemento da comitiva do Presidente da República Portuguesa, Marechal Carmona, às colónias, na qualidade de jornalista. Volta a Cabo Verde uma terceira vez, em 1966, por um período de um mês, quando da doença e morte do pai. Nessa ocasião falou em voltar a visitar Cabo Verde mas chega a Portugal e, em Agosto do mesmo ano, morre de um súbito e drástico ataque cardíaco.

O facto de António Pedro, em 1929, ser portador da novidade estética europeia, revelada nessa sua publicação, e de Jaime de Figueiredo corresponder-se já com João Gaspar Simões (1903 – 1987), modernista e fundador da revista Presença, poderá ter contribuído para estreitar a ligação entre os dois e beneficiado a ambos. É ainda bem provável que o diferendo havido entre Jaime de Figueiredo e os restantes fundadores da revista Claridade tenha a ver com isso.

Baltasar Lopes preocupava-se em se distanciar da influência da revista Presença, do modernismo português, por razões de ordem política – conforme afirmou na entrevista dada ao jornal Tribuna (1986):“[…] Não éramos presencistas. A nossa atitude era, de certo modo, anti-presencista. Nós éramos politicamente militantes, o que Presença não é”.

Jaime de Figueiredo teria então teimado na sua posição. O trabalho que era destinado ao primeiro número da revista Claridade, um ensaio sobre a poesia de Adolfo Casais Monteiro (1908 – 1972), director da revista Presença, acaba por ser retirado pelo próprio autor.

Celebra-se em Dezembro de 2019 o 110º aniversário de António Pedro [Costa]. Fica o desafio de assinalar a data, na terra que o viu nascer, com a reedição do seu Diário.

Capa, trabalho de recuperação de Heder Soares
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Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 906 de 10 de Abril de 2019.

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Autoria:Manuel Brito-Semedo,16 abr 2019 6:39

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  16 abr 2019 6:39

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