Construído entre 1163 e 1345, durante quase duas centenas de anos, é um dos expoentes máximos da Idade Média europeia. Os seus vitrais coloridos e reluzentes, as suas janelas altas, as portonas, a fachada principal e as laterais, as pinturas no seu interior e os 387 degraus de escadaria no acesso à torre remontam ao século XII, com as necessárias melhorias e modernizações que o tempo foi ditando aqui e ali.
Esta catedral já entrou nas nossas casas de várias maneiras, a começar pelo universo infantil de A Corcunda de Notre-Dame (animação infantil, baseada na obra de Victor Hugo) e pelos rituais religiosos e turísticos da cidade das luzes. A catedral de Notre-Dame é considerada uma das seis mais belas atracções desta cidade mais turística do mundo, como Paris é classificado. Desta maneira, a monumental catedral de Notre-Dame junta-se à larga avenida luxuriante de Champs-Elysées, ao renomado muséu de Louvre (onde se encontram as obras de arte mais aclamadas do mundo inteiro), ao consagrado Centre Pompidou, à conhecida Torre Eiffel e ao também aclamado Musée d’Orsay.
No universo da nossa diáspora cabo-verdiana, instalada em Paris desde os idos anos sessenta, a catedral de Notre-Dame representa um espaço de orações, missas, concertos e passeios turísticos com direito a fotografias para se enviar à Terra-Mãe. Evidentemente, que há muita diáspora que nunca lá foi por se acomodar na rotina do trabalho, das visitas a familiares, das compras em Saint-Denis e dos baptizados e casamentos crioulos.
Certo dia, alguém me dizia que a elevação cultural da nossa diáspora deveria ser uma das missões das embaixadas que temos em terra-longe. Ainda não é e isso custa mais a Cabo Verde do que se houvesse uma política nossa de investimento da diáspora. Haverá certamente alguém a indagar se então é também preciso investir na diáspora, considerando que esse nosso petit pays tem tantas outras preocupações internas mais urgentes para se ocupar. Se tivéssemos em conta as oportunidades que a terra-longe oferece e a forma como têm sido largamente desperdiçadas pela nossa vasta diáspora cabo-verdiana daríamos mais atenção a esta questão. A diáspora não pode servir ao país apenas de fonte de reserva financeira, pela via das remessas dos emigrantes. Precisamos de elevação cultural e a diáspora tem um papel importante a desempenhar neste jogo na arena global.
World Music
Cabo Verde está na boca do mundo, muito por causa da sua cultura, pela via da música. O mundo está de olho e tem acompanhado a par e passo as estrelas-guia do universo musical cabo-verdiano. Foi Cesária Évora quem colocou Cabo Verde no mapa-mundo e, hoje, cada vez mais, são as novas gerações que mais fazem deste país um caso especial e digno de ser visitado e aclamado.
Depois da consagração da Cesária Évora nos idos anos noventa do século que passou, assiste-se atualmente a um momento mágico e singular da musica crioula, com uma geração auspiciosa, bem-falante e de formação artística. Mayra Andrade é, sem sombra de dúvida alguma, umas das estrelas mais cintilantes desta nova vaga. Mayra é fruto desta época de trânsitos globais, inter-influências e intercâmbios culturais.
Mayra é um exemplo de que vale a pena investir na cultura, no estudo da música e que é preciso levar a sério o que se faz. Mayra sempre soube disso e, finalmente, agora, entregou-se à música de corpo e alma. Foi isso que ela veio mostrar na Praia. De entre tantas estrelas que desfilaram pela pracinha, Mayra não deixou os seus créditos em mãos alheias. Mostrou para o que veio. E a música cabo-verdiana brilhou mais. Brilhou mais, porque Mayra não é a única estrela no universo musical destas ilhas. Brilhou mais, porque Mayra não está sozinha em palco. Brilhou mais, porque Cabo Verde já não é um país desconhecido. É isso que interessa. Que venha mais vezes a Cabo Verde, que inspire novas gerações de meninas e rapazes e que seja ela mesma em qualquer lugar deste mundo!
Nesta última semana, assistiu-se na capital do país a dias intermináveis de música. Isto foi bom e mau. Bom, porque música combina com esta cidade brotada a beira-mar. Mau, porque assim não deu para acompanhar a tudo. Pois, não só de música vive o povo das ilhas.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 907 de 17 de Abril de 2019.