As principais conclusões sobre os indicadores do mercado de trabalho de 2018 são estas: «(i) em 2018, 3 em cada 10 jovens 15-34 anos não tinha trabalho e nem estavam a frequentar um estabelecimento de ensino ou formação; (ii) A população empregada foi estimada em 195.000 pessoas, tendo diminuído de 8.775 pessoas face ao ano anterior, pese embora tenha registado um aumento da população de 15 anos ou mais [a população ativa]; (iii) a taxa de emprego/ocupação situou-se em 48,8%, 3,1 p.p. a menos que a taxa registada em 2017 (51,9%); (iv) a população desempregada em 2018 foi estimada em 27.028 pessoas, tendo diminuído 1.396 pessoas em relação ao ano 2017; (v) Os resultados estimam um aumento da população inativa em 17.403 pessoas, passando de 160.157 pessoas em 2017 para 177.560 pessoas em 2018 e, consequentemente da taxa de inatividade que passa de 40,8% em 2017 para 44,4% em 2018; (v) A taxa de desemprego de 2018 situou-se em 12,2%, valor igual ao registado no ano anterior (12,2% em 2017). A taxa de desemprego é maior entre os jovens 15-24 anos, 27,8%, pese embora tenha-se registado uma diminuição de 4.6 p.p. face ao ano 2017 (32,4%) nesta faixa etária». Essas são as conclusões indicadas pelo próprio INE, sobre uma leitura fiel dos dados apresentados.
Essas conclusões são um quanto contraditório com a realidade do crescimento económico do país. Desde o pico máximo da taxa de desemprego em 2012, a partir de 2013 começou-se a registar uma diminuição, que se estabilizou em 12,2% nos últimos dois anos. Uma análise dos dados mostra que a tendência de mercado de trabalho põe à prova a lei de OKUN, que diz que é preciso um montante mínimo de crescimento económico para se poder observar uma redução de um ponto percentual na taxa de desemprego.
Ora, de 2012 a 2015 houve uma redução na taxa de desemprego de 16,8% para 12,4%. Por seu turno, nesse período observou-se a pior performance de crescimento económico desde o registo da democracia em Cabo Verde, com o PIB a crescer abaixo de 1%. Com menos crescimento, havia redução na taxa de desemprego, o que não se tem observado, na mesma proporção, nos últimos três anos, de 2016 a 2018, em que o PIB tem crescido acima dos 4%, mas não tem repercutido no aumento de emprego.
Feito um breve panorama sobre o mercado de trabalho, vamos focar nos resultados atuais. Como será possível o país observar um crescimento económico relativamente considerável e ao mesmo tempo, o mercado de trabalho responder de forma adversa. Pela lei de OKUN existem duas possibilidades. Ou a taxa de crescimento económico de 4% a 5% é insuficiente para reduzir a taxa de desemprego, ou o crescimento económico observado não tem traduzido no aumento do emprego o que mostra a concentração do rendimento da economia, fomentando a desigualdade. Através de uma análise macro, pode-se considerar que a primeira opção pode ser verdade, dado que o nível de crescimento em Cabo Verde é muito sensível a pequenas variações em capitais e meios de produção, o que requer um nível de crescimento mais robusto para se poder traduzir em mais emprego e a consequente redução da taxa de desemprego. Mas também a segunda opção não deixa de ser verdade uma vez que a taxa de crescimento pode estar correlacionada com o aumento da produtividade dos fatores, e consequentemente maior produção com os mesmos fatores, quer em termos de capitais, como da força de trabalho. Se for este o caso, teremos um aumento da produção, sem se repercutir, nos momentos iniciais, em aumento de emprego.
Se estivéssemos em Citeris Paribus podemos deixar a análise por estas duas vias e tentar descortinar o que realmente se passou, com alguma inclinação para segunda, dada a realidade cabo-verdiana, o que se conclui que o aumento da produtividade será indutor de mais empregos nos próximos anos, com as respostas da dinâmica dos investimentos.
Entretanto, nos últimos dois anos a evidência do mau ano agrícola não pode ser deixada de lado, em qualquer análise setorial na economia cabo-verdiana. O país viveu dois anos de profunda seca, mas ao mesmo tempo a economia vem resistindo, com a própria taxa de inflação (inclusive de produtos do setor primário) a permanecer em valores estáveis, dentro da meta de controlo do Banco de Cabo Verde.
Antes de continuarmos a leitura do mercado de trabalho, vamos fazer uma pequena retrospetiva do crescimento em termos setoriais, nos últimos três anos.
Para começar nota-se que nos últimos três anos o PIB tem crescido de forma robusta sustentado sobretudo no crescimento do investimento e das exportações, com alguma importância, também, do consumo privado em 2017. A Tabela 1 mostra esses dados, onde pode-se observar que depois de uma queda substancial em 2015, o investimento aumentou para mais de 27,9%, que teve um certo efeito base, para depois aumentar pouco mais de 9% tanto em 2017 como em 2018. Por seu turno, as exportações que tinham aumentado 15,1% em 2015, abrandou relativamente em 2016, para depois retomar o crescimento em 2017 e fechar o ano de 2018 com uma variação positiva de 12,9%. A despesa de consumo, com a exceção de 2017, vem mantendo um crescimento relativamente tímido, sempre abaixo do crescimento do PIB.
Tabela 1: Crescimento do PIB e das suas Componentes
Fonte: INE
Esses dados são de extrema importância para se perceber de que tipo de crescimento se está a falar. O facto de o crescimento estar ancorado essencialmente nas exportações e no investimento, sobretudo privado, quer dizer que o crescimento está sob uma base sólida e indutor de mais crescimento futuro e promotor de mais emprego na economia. Entretanto, novamente vem ao baile a questão do seu efeito na criação de emprego. Porque então a acumulação desses crescimentos não tem traduzido em mais emprego?
Antes de continuarmos com a resposta, vamos retomar com a análise do crescimento a nível setorial. Em termos da dinâmica da economia, vê-se claramente que são os privados os promotores de crescimento, com forte foco para investimento e exportação. Analisando a nível setorial, constante na Figura 1, pode-se ver que todos os setores têm crescido nos últimos anos, com a exceção da Agricultura, Transportes, Telecomunicações e Correios e Serviços às Empresas.
Figura 1: Taxa de crescimento do PIB na ótica da oferta
Fonte: INE
Esses dados mostram que há uma clara transformação estrutural da economia em termos de crescimento, com foco nos setores que criam empregos mais sustentáveis e melhor remunerado. Com maior performance destacam-se as indústrias transformadoras, eletricidade e água, comércio, serviços financeiros, administração pública e alojamento e restauração. Esses setores são setores capazes de criar emprego digno e de qualidade.
Com esta leitura de crescimento económico, mostrando claramente que o crescimento tem sido ancorado na dinâmica dos privados e em setores chave da atividade económica, dificilmente a lei de OKUN pode ser posta em causa. Pela análise económica, observa-se que há algum efeito externo à lei de OKUN que impede a ligação entre o crescimento da economia com a criação de emprego e redução do desemprego.
Antes de terminar com esta ligação, vamos analisar a criação líquida de emprego nos últimos três anos. As divulgações das estatísticas do mercado de trabalho dos dois últimos anos mostram que a nível geral tem-se observado uma clara destruição do emprego na economia. Vendo pelos números agregados, esses dados põem a nu toda a lógica da lei de OKUN. Mas ao entrar em pormenor, em termos de criação líquida de emprego nos últimos anos, por cada setor de atividade, podemos ver a justificação do não acompanhamento do crescimento económico com o aumento do emprego. Pela Figura 2, pode-se ver que em termos líquidos em todo o território nacional foram criados pouco mais de 500 empregos nos últimos três anos. Mas quando desagregamos por setor de atividade, podemos ver que praticamente todos os setores apresentaram um crescimento líquido positivo, nos últimos anos. Entretanto, dos quatro setores que apresentaram uma ligeira queda no emprego, adiciona-se a perda brutal no setor primário.
Figura 2: Criação líquida de emprego entre 2016 e 2018
Fonte: INE
Pela análise dos dados, pode-se ver que o crescimento económico nos outros setores foi acompanhado claramente de um aumento de emprego líquido nos últimos três anos. Já, por sua vez, a redução da atividade do setor primário, vem contribuindo para a perda de emprego neste setor, que consumiu todos os empregos líquidos criados noutros setores.
Esta análise, não se baseia apenas no somatório dos resultados líquidos de cada setor, mas também na leitura do peso de cada setor na criação de emprego. Assim sendo, por último, pode-se ver que do total de empregos criados em 2016, 41.253 foram alocados ao setor primário, que teve uma redução drástica para 27.809 em 2017 e novamente com uma redução para 23.011 empregos em 2018. Estas reduções tiveram um impacto significativo na criação de emprego nos últimos anos.
O impacto negativo do setor primário na criação do emprego advém da sua importância como fonte de procura de trabalho em Cabo Verde. De um peso de 19,7% em 2016, a destruição de emprego neste setor devotou a sua importância para 13,6% e 11,8%, respetivamente em 2017 e 2018. Um dos outros setores que mais contribuem para a criação de emprego em Cabo Verde é o setor de Comércio, Reparação de Automóveis e Motociclos, com cerca de 16% do total, a par de Construção, Indústria Transformadora, Alojamento e Restauração e Administração Pública e Defesa Segurança Social. De referir que todos estes últimos estão aquém do setor primário na criação de emprego, em Cabo Verde, mostrando a nossa dependência e vulnerabilidade perante este setor em matéria de emprego.
Os efeitos do mau ano agrícola contribuíram para a eliminação da performance em matéria de criação de emprego na economia cabo-verdiana. Com isto restam duas conclusões: (i) esperemos que nos próximos anos venhamos a ter um excelente ano agrícola, para que o setor primário possa acompanhar a dinâmica dos outros setores em matéria da criação do emprego; e (ii) está mais do que evidente de que o país tem de apresentar medidas estruturais para transformar todo o setor primário e limitar o seu peso na criação de emprego, em favor dos outros setores mais dinâmicos da economia. Isto deve-se ao facto de neste momento ser o setor privado a dinamizar a economia, e os setores que mais têm contribuído para o crescimento ainda são relativamente frágeis no meio rural.
Quanto à outra conclusão do INE sobre «A principal razão para a não procura de trabalho que segundo esta mesma instituição, depende da idade, sendo a frequência escolar a principal razão entre os jovens 15-24 anos (64,5%)», será o mote para um outro texto.
Tabela 2
Fonte: INE
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 909 de 01 de Maio de 2019.