140 anos da cidade que canta, dança, cria, inova e exporta (II)

PorJosé Almada Dias,15 mai 2019 17:05

Multiplicam-se os anúncios de novos hotéis na cidade do Mindelo e na ilha de São Vicente. À semelhança dos anos 2007-2008, parece haver um renovado interesse pela ilha que muitos (como eu) consideram uma ilha turística por excelência.

De facto, já na década de 80 do século passado, um grupo de especialistas de turismo cubanos visitou o arquipélago e concluiu que o melhor produto turístico de Cabo Verde era o eixo São Vicente-Santo Antão, num estudo entregue, na época, às autoridades competentes. Subsequentemente, com o boom de investidores que invadiram o país entre 2005 e 2008, tal constatação foi repetida por vários grupos dos melhores consultores de turismo do planeta, que acompanhavam as sucessivas vagas de investidores, quando estes contornavam as indicações dadas pelas autoridades da altura de que as ilhas turísticas eram Sal, Boa Vista, Maio e Santiago. Fala a voz de quem contribuiu pessoalmente para contornar essas indicações e acompanhou vários desses grupos de investidores nas visitas às ilhas de Santo Antão, São Vicente e São Nicolau.

Quem não se lembra do Cesária Resort, o maior projecto turístico alguma vez concebido para estas ilhas e que tinha a dimensão do Vilamoura Resort, o maior resort de Portugal?

A crise financeira internacional de 2008 e a falta de capacidade (ou terá sido de vontade?) das autoridades nacionais ditaram a frustração que se apoderou dessas 3 ilhas desde então, com S. Antão e S. Nicolau a perderem população todos os anos e S. Vicente sem saber para onde se virar.

Contudo, as coisas estão a mudar. Há, de facto, um renovado interesse dos investidores pela região, mas, acima de tudo, convém realçar que, mais uma vez, os empresários nacionais estão a chegar-se à frente, investindo eles próprios.

Fruto dessa assinalável atitude de alguns empresários cabo-verdianos, 4 hotéis, com, respectivamente, 32, 46, 65 e 106 quartos estão em construção na zona marginal da cidade do Mindelo, e para a praia da Lajinha está previsto mais um hotel de iniciativa nacional, com 237 quartos. Para completar o quadro, na praia de Salamansa, um hotel ainda maior, com 350 quartos. Todos de iniciativa berdiana, todos previstos para um turismo de alto standing (leia-se de alto valor acrescentado).

Nada disso aconteceu no Sal nem na Boa Vista. E é de assinalar que o turismo na ilha de São Vicente esteja a ser promovido por iniciativa endógena, um bom exemplo para o resto do país. É verdade que todas as ilhas de Cabo Verde são potencialmente turísticas, mas não podemos ficar à espera do investimento externo para avançar.

Para completar este conjunto de boas novas para o Mindelo, a cereja em cima do bolo: já se encontra em consulta pública um hotel que será gerido pela Four Points by Sheraton, marca pertencente à maior cadeia de hotéis do mundo, a americana Marriott, que se fundiu há alguns anos com a Starwood, originando o maior grupo hoteleiro do planeta.

Numerosas vezes aqui neste espaço afirmámos que o turismo de alto standing só pode ser construído com a atracção das grandes marcas mundiais. Caso se concretizem estes empreendimentos, a praia da Lajinha vai ter um hotel gerido por uma marca da Marriott, que ficará ao lado de outro gerido pela marca Golden Tulip, do Grupo Louvre, ambas do top 10 das marcas mundiais, ao que se juntará um hotel gerido pelo Grupo Meliá, em Salamansa, o maior grupo de Espanha e um dos maiores da Europa, o que colocará, definitivamente, a ilha de Cesária Évora na rota do turismo mundial de alta qualidade.

A marca Four Points by Sheraton é especialista em hotéis urbanos, denominados Business & Leisure Travel Hotels, com foco em dois segmentos importantes: negócios e lazer. A componente dos negócios, tecnicamente designada por MICE (Meetings, Incentives, Conferences & Exhibitions), é dos segmentos turísticos mais rentáveis.

O Mindelo é uma cidade talhada para eventos, algo que as suas gentes adoram, sejam estes de carácter cultural, desportivo ou de negócios. Os promotores desse hotel na Lajinha, que são estrangeiros, fizeram uma leitura correcta da cidade e da sua vocação.

A ilha do Monte Cara tem razões para encarar o futuro com confiança, pois, a juntar a estes investimentos, está em fase de arranque o Terminal de Cruzeiros do Mindelo, que irá fazer aumentar e qualificar o turismo de cruzeiros, designadamente através da criação de oportunidades comerciais nas lojas tax free para aí previstas, uma versão moderna do comércio portuário que existiu na ilha e que será enquadrada no Centro Internacional de Negócios de Cabo Verde, o qual finalmente saiu do papel, após ter sido criado em 2011.

A asfaltagem da estrada Mindelo/Baía das Gatas e o projecto de requalificação da própria Baía das Gatas irão certamente criar as condições para o arranque dos projectos turísticos para aí previstos. Trata-se da estância turística que possui uma laguna natural que é a praia mais segura do país, onde se pode desenvolver um turismo de altíssima qualidade, ligado à saúde e ao turismo residencial. Tudo isso foi devidamente estudado pelos consultores internacionais atrás mencionados.

Na crónica “O Fado do Porto Grande versus o Glamour Crioulo” de 2015, escrevi o seguinte: “a vocação da ilha não é receber barcos, mas sim receber pessoas, venham elas por via marítima ou via aérea!”. Esta é a mudança de mentalidade de que os mindelenses precisam.

Há uma certa intelectualidade do Mindelo que persiste em olhar para o turismo e para os grandes eventos culturais da ilha com alguma sobranceria. Fazem mal, esses intelectuais. O Mindelo desenvolveu-se como uma cidade pujante graças ao comércio internacional e ao movimento de gente na Baía do Porto Grande. Foi essa economia vigorosa que “financiou” a evolução cultural e intelectual da cidade. E foi a queda dessas actividades comerciais que fez a ilha mergulhar no relativo atraso em relação ao Sal e à Boa Vista, ilhas com um desenvolvimento recente conseguido via turismo, e também em relação à cidade da Praia, com uma economia movida pela presença de um Estado centralista. Hoje, os jovens mindelenses são obrigados a emigrar para esses 3 pólos económicos, apesar de a sua cidade possuir a maior concentração de universidades do país (talvez mesmo do mundo...).

O Mindelo dos nossos dias conhece 3 picos de alguma actividade comercial que anima a ilha, e todos estão ligados a eventos culturais que se transformaram em quadras festivas, que atraem emigrantes e turistas internos e estrangeiros: Natal/Passagem de Ano, Carnaval e Festivais de Verão. No entanto, não faltam comentários sobranceiros de gente que diz que estes eventos são “festanças” que alienam a juventude, entre outras observações despropositadas e pouco reflectidas.

A ilha da Madeira conseguiu passar de uma ilha pobre de emigrantes para uma região com um PIB per capita acima da média da União Europeia.

Como conseguiu esse milagre? Criando um conjunto de “festanças” (eventos) ao longo do ano na cidade do Funchal, que permitem que uma ilha sem praias tenha turismo de Janeiro a Dezembro. Os que apoucam a aposta da Câmara Municipal de São Vicente na transformação do Mindelo numa cidade de eventos e olham com desdém “intelectualóide” para os milhares de jovens que desfilam atrás dos Mandingas deveriam rever as imagens de Alberto João Jardim a desfilar de tambor na mão no Carnaval do Funchal, dando o exemplo aos seus conterrâneos. Ou deveriam estudar o exemplo das Canárias, que desde os anos 60 designaram o carnaval como “fiesta de interés nacional”.

Tirando esses 3 picos anuais de actividade comercial, o Mindelo é uma cidade tão tranquila que os habitantes da Praia ou de Santa Maria que a visitam se queixam dos restaurantes vazios, da falta de gente na night, das lojas vazias, etc. Quem diria?!

Ou seja, parece que a “paródia” se mudou para outras paragens, seguindo novas dinâmicas de desenvolvimento. Os que há 2-3 décadas diziam que no Mindelo só se festejava, hoje queixam-se de que não há festa suficiente na cidade.

O turismo não é nem será a panaceia para todos os males de que padece a ilha de São Vicente, que continua todos os dias a receber desempregados das ilhas vizinhas. Mas sem dúvida terá um papel decisivo no desenvolvimento da ilha, como teve nos desenvolvidos arquipélagos das Maurícias, Seychelles, das Caraíbas e de todos os pequenos países insulares que se desenvolveram.

São Vicente continua a ser a ilha que mais exporta em Cabo Verde, segundo as estatísticas do INE. Mas por falta de oportunidades de emprego, é obrigada também a exportar talento jovem todos os dias. Basta andar pelos corredores dos ministérios e das grandes empresas na capital e também nas ilhas do Sal e da Boa Vista para ver onde estão os jovens mindelenses mais brilhantes. Idem aspas para os restaurantes da capital e das cidades com turismo, onde jovens músicos mindelenses dão cartas.

Enquanto isso, na ilha discute-se o sexo dos anjos, reclama-se e ataca-se tudo o que se tenta fazer.

Entretanto, todos os cantos do país querem ter fogo de artifício e “bailes” de rua na Passagem do Ano, querem ter Carnaval, festivais de música e de gastronomia, seguindo o exemplo das “festanças” mindelenses.

Num país que se moderniza rapidamente, as jovens que nascem no mundo rural almejam hoje seguir o exemplo de Cesária Évora na música ou de Isaura Gomes na política. O Mindelo inova e as ilhas seguem o exemplo. Sempre foi assim.

Mas é preciso inovar mais e a outro nível. É esse o debate que as elites mindelenses precisam de fazer, despidas de preconceitos, de sobrancerias e, sobretudo, despidas de saudosismos do tipo “no meu tempo é que era bom”.

Por estes dias nas redes sociais vê-se gente a discutir se há mais barcos de cabotagem a sair do Porto Grande ou do Porto da Praia, ou se a empresa concessionária dos transportes marítimos deve ter a sua sede no Mindelo ou na Praia. Haja paciência!

O desenvolvimento do Mindelo e de São Vicente é feito olhando para as oportunidades que há no mundo, não para as lides domésticas... a História ensinou-nos isso!

Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 910 de 08 de Maio de 2019.  

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Autoria:José Almada Dias,15 mai 2019 17:05

Editado porAndre Amaral  em  15 mai 2019 17:05

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