Para além de inúmeros trabalhos na área da medicina tropical e nutricionismo e de vários artigos de índole literária dispersos por revistas e jornais, Teixeira de Sousa é autor de um livro de contos, Contra Mar e Vento (1972), e sete romances, Ilhéu de Contenda (primeiro da trilogia sobre a sociedade da ilha do Fogo, 1978), Capitão de Mar e Terra (1984), Xaguate (segundo da trilogia, 1987), Djunga (1990), Na Ribeira de Deus (terceiro da trilogia, 1992), Entre duas Bandeiras (1994) e Oh Mar das Túrbidas Vagas (2005).
Obra Romanesca
A obra romanesca de Teixeira de Sousa é constituída por seis romances de análise sociológica, em que se ocupa essencialmente de problemas e questões sociais, concentrando-se mais em factores culturais e ambientais do que nas características psicológicas dos indivíduos, e um romance psicológico, centrada na vida emotiva das personagens que explora os diversos níveis da sua actividade mental, concentrando-se menos em aquilo que acontece do que nos porquês e para quês da acção salientando a caracterização “interior” das figuras e suas motivações, de que a acção “externa” é apenas um resultado.
Na categoria de romances de análise sociológica estão Ilhéu de Contenda, Xaguate e Na Ribeira de Deus (a trilogia do sobrado, loja e funco) e Capitão de Mar e Terra, Entre duas Bandeiras e Oh Mar das Túrbidas Vagas;e de romance psicológico, Djunga, em que procura fazer a interpretação da vida interior ou invisível desse protagonista.
Djunga
Pode-se considerar o romance Djunga como um marco na viragem da literatura cabo-verdiana, com mais psicologia e menos sociologia, onde Teixeira de Sousa se dispõe “a sepultar as receitas estafadas, destruindo o pudor ou preconceito de abordar as personagens no seu intimismo” (pág. 39).
Nesse romance, toda a narrativa gira à volta de Djunga, organizando-se em função de duas traves-mestras: O projecto do escritor-escrivão Hélder Rocha em querer “dar uma grande cambalhota nas letras”, escrevendo uma obra de ficção de fôlego e a sua angústia na busca do tema; e o romancear da vida do filósofo e filantropo Djunga, ou de como o “Amargo virou Doce”, numa obra literária que pretendia ser de viragem na literatura cabo-verdiana.
As mulheres, cujas perdas mudaram radicalmente o rumo da vida de Djunga – a mãe, a irmã Gracinda, a prima Aurora (estas por morte), e a namorada Zaida (que o trocou por um inglês) – vão “fazer” dele uma figura típica mindelense com uma personalidade rara. João Silvestre recorre-se permanentemente da sátira e da ironia como uma máscara para esconder a amargura que lhe vai na alma. Enfim, “é a tremenda onfandade da personagem, não apenas a inicial, mas também a orfandade da vida inteira, que ele soube minorar com a descoberta do Real Caminho da Santa Cruz, com o seu senso de humor e com o consolo de ser útil ao semelhante” (pág. 62).
Algumas das personagens secundárias do Djunga são também personagens do Capitão de Mar e Terra. É prática em Teixeira de Sousa transferir ou referir algumas personagens na obra seguinte. A título de exemplo, Dr. Herberto Ramos, Tói Delgado e Bínia Bendavid vêm de trás e passam para Entre duas Bandeiras onde, aliás, Djunga é também personagem. Situados os acontecimentos dos romances em épocas diferentes (entre os anos 30, 40 e 80), essas personagens “envelhecem” com a passagem do tempo. A mesma prática é seguida na trilogia do sobrado, loja e funcho.
Facto curioso e, por isso, gratificante, é que um leitor conhecedor do meio social e intelectual mindelense dos últimos trinta anos do período antes da independência consegue identificar a maior parte das personagens e os seus “afazeres”, apesar dos disfarces do autor.
Em Djunga são tratados outros temas periféricos que merecem destaque: a presença dos ingleses em São Vicente, a chegada dos militares expedicionários portugueses, algumas reflexões filosóficas, críticas à ordem vigente e a solidariedade humana, que serão objecto de um próximo Porto Memória.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 921 de 24 de Julho de 2019.