Djunga (1990) é um marco na novelística de Teixeira de Sousa ocupando um lugar à parte. Para além de ser um romance essencialmente psicológico, baseado numa figura pública mindelense, tem o mérito de ser um romance social e histórico que reconstrói figuras e acontecimentos da ilha de São Vicente.
O Tempo e o Espaço no Djunga
O tempo da acção prolonga-se desde os inícios da segunda Guerra Mundial até depois da independência de Cabo Verde, num período de mais de quarenta anos.
O tempo da narrativa situa-se num tempo presente (finais dos anos 80, provavelmente), com muita dessincronia, ou seja, com inserção de factos e acontecimentos históricos que teriam tido lugar nos anos 60, como se do tempo presente se tratasse. O recuo ao passado de Djunga é feito numa longa anacronia temporal. Primeiro, através das memórias do escrivão-escritor pelo convívio de mais de 40 anos com Djunga. Depois, pelas memórias gravadas pelo próprio Djunga. Tudo isso alternando-se com os acontecimentos narrados na linearidade cronológica.
O espaço físico da narrativa situa-se essencialmente na ilha de São Vicente, com uma incursão à ilha de São Nicolau, e em Lisboa, a velha Metrópole, aonde Djunga foi para receber preparação como ourives e relojoeiro.
O espaço social é o cubículo de Djunga (“Tebaida”), o lugar de encontros e de jogos de cartas. Foi nesse escritório que se arquitectou o projecto de construção social e de melhoria do bairro de Fernando Pau, que viria a ser inaugurado como Bloco Solidariedade.
O espaço psicológico, vincado ao logo de todo o romance, é a orfandade de Djunga.
Temas periféricos do Djunga
Neste romance são tratados outros temas, diríamos, periféricos, como a presença dos ingleses na ilha, a chegada dos militares expedicionários portugueses, reflexões filológicas, críticas à ordem vigente e solidariedade humana.
A presença dos ingleses na ilha e a imitação dos seus comportamentos pelos mindelense, sobretudo pelos empregados da Western Telegraph Company, que copiavam os hábitos sociais, as práticas culturais e desportivas e o código linguístico incorporando expressões e termos no crioulo corrente, é um tema que vem de trás, do Capitão de Mar e Terra (1984), e que no Djunga é reforçado.
A chegada dos Militares Expedicionários Portugueses, em quarenta e dois, “com ar de donos e senhores”, que desataram a requisitar tudo quanto eram edifícios públicos para neles se instalarem, praticando muitos abusos e atrevimentos, que eram abafados, é outro tema.
As reflexões filológicas são expressas através da personagem Dr. Herberto Ramos e que podem ser sintectizadas na expressão: “Deixem-me com o meu português que o Diabo nos deu e com o meu crioulo que Deus nos proporcionou”. Essas reflexões são sobre teorias literárias e sobre o crioulo, suas características, a problemática da sua grafia e sua capacidade de ser língua literária.
As críticas à ordem vigente são feitas sob o modelo das críticas de Nhô Djunga (pessoa), feitas num humor sarcástico sob o título genérico “Cartas de Nhá Bibi para o camarada delegado do Governo”.
A solidariedade humana surge na filantropia de João Silvestre e António da Luz, os promotores de um projecto de implantação de novas habitações com garantia de apoio técnico por parte do poder local. Escolheram o bairro de Fernando de Pau para ser transformado numa aldeia modelo onde os moradores se sentissem mais gente e menos porcos em pocilgas.
Sob a influência do neo-realismo português – uma corrente literária correspondente ao 3° tempo modernista, nascida no período entre guerras logo após o “crash” da bolsa de valores norte americana em 1929, entre o Salazarismo e o Nazismo – Teixeira de Sousa produz uma vasta obra, sete romances e um livro de contos, que procura analisar a sociedade em que vivem as personagens, o efeito que ela lhes produz e as forças sociais que dominam a acção.
Texto originalmente publicado na edição impressa do expresso das ilhas nº 924 de 14 de Agosto de 2019.