PÁRA MAR, PÁRA

PorDina Salústio,17 set 2019 10:20

1

“O MAR E A CIDADE” – O mote para a conversa com estudantes da UNILAB* – Brasil levou-me a esta crónica, PARA MAR, PARA, inspirada na cidade-mar que me viu nascer e em outras –todas as outras cidades que tenho necessidade de amar. Porque nelas me reequilibro, nelas encontro a paz depois do desassossego, a alegria depois do choro, o regresso depois da despedida. O amanhã.

PÁRA MAR, PÁRA 

Cidades floresta. Cidades rio. Cidades montanha. Cidades minas. Cidades lixeiras. Cidades riso. Cidades cintilantes, solidárias. Cidades cruéis, solitárias. Cidades abandonadas. Cidades mar. Cidades minhas. 

Cidades artísticas. Cidades abrigo, possessivas. Cidades fronteiras, cidades música, cidades amor. Cidades guetos, hostis. Cidades minhas. 

Para mar, Para – Grita a Cotovia do Raso*. 

Eu amo a cidade-mar que me viu nascer e se alonga no recuar da onda e ganha tamanho e fica um porto novo quando na praia olho o infinito de um longe que não acaba nunca e que em milhares de línguas conta mundos e gentes e desafios. E fala de fronteiras, de canhões e grades. E fala-me de gentes que me querem com elas e falam de corpos que se ausentam de mim. Falam de cartas. De saudades. De não saudades. De ti. 

Cidade porto. Cidade minha. 

Para mar, Para – Canta a Cotovia do Raso 

E fico olhando a onda e quando se desfaz a meus pés, tão pouca coisa somos que muitas vezes apenas as vogais nos contariam, me contariam. Em gritos ou em suspiros, apenas as vogais para nos dizer. Às vezes. 

A intranquilidade do mar no destino da cidade. Os espíritos interrogando o tempo, atrás da onda, procurando saber-lhe a rota… de onde chegou e o quê ou quem traz na crista, ou no seu ventre poderoso e fundo, ou nos seus sonhos…

Para mar. Para – Geme a Cotovia Raso* – protegendo-se no mistério. 

Para mar. Para. – Grita a cidade, olhando as gentes que chegam e partem e das outras que partem e às vezes voltam. E das notícias e das promessas. Que se cumprem e que se esquecem. Do céu que nos olha em lágrimas secas. 

O rumor das águas: Música? Ameaças? Quem sabe o destino do destino do nosso porto? 

Para mar. Para. - As rochas gemem e a cotovia repete.

O mar atento, profundamente dono da gente. Profundamente belo.

Para mar. Para – A onda soletra, extenuada na areia, entregue e nua. 

As árvores dormem, o vento foge, a floresta repousa. As borboletas param. O sol põe-se e o dia descansa. O mar, esse, sempre lá, sempre olhando. Sempre indo e voltando. Perturbador. Sempre, sempre nosso. 

Para mar. Para – Murmura a Cotovia Raso – sem outro jeito de espantar o medo. 

Para onde vais onda? Que destino te deram as águas? Que outras ondas um dia, num momento qualquer, numa noite qualquer, virão juntar-se em abraço ao teu mar abraçando-nos a todos? Lavando e levando-nos a todos? 

O silêncio na voz dos pescadores. 

A Cotovia do Raso implora: Para mar. Para.

____________________________________

*UNILAB – Universidade da Integração Internacional da Lusofonia Afro-brasileira. *Cotovia Raso ou Cotovia do Raso – Pássaro endémico do Ilhéu Raso de Cabo Verde, em vias de extinção. Já habitou Santo Antão, São Vicente e Santa Luzia.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Dina Salústio,17 set 2019 10:20

Editado porNuno Andrade Ferreira  em  18 set 2019 15:35

1

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.