Ano Novo, Povo novo.

PorANTÓNIA MÔSSO,3 dez 2019 11:15

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Há quem diga que este povo não presta. Que por ter um medo colossal de tudo e de todos não se assume, em nada se inscreve e se apaga quando se devia rebelar.

Há quem diga que merecemos as instituições e serviços que nos são disponibilizados. E que existe explicação para perdermos uma manhã inteira no banco na tentativa de fazermos um simples depósito; para a contragosto recorrermos aos hospitais mesmo desconfiados com os diagnósticos e os supostos “tratamentos”; para o funcionamento negligente e repleto de vícios da função pública cujo atendimento é vexatório e o nível de satisfação dependerá de se ter ou não uma boa cunha.

Há quem acredita que devemos nos conformar com o que temos e com o que provavelmente nunca teremos. Que é normal as leis de nada valerem; a autoridade não ser reconhecida e nem ser credível; e que coisas banais como a cortesia, o respeito pelo próximo, cidades bem estimadas e esteticamente bem concebidas, e a protecção dos direitos laborais, sociais e ambientais dos que nelas vivem não serem coisas para nós. Como se um povo de segunda ou terceira se tratasse.

Há quem diga que os abusos, as explorações, a falta de imparcialidade, a indignidade humana, a miséria, a mentira, as injustiças fazem parte e confundem-se com as entranhas desta terra; que o melhor a fazer é cada um levar a sua vidinha sem levantar ondas e sem dar muito nas vistas para não criar inimigos.

Há quem diga que não estamos fadados para a pontualidade, para a disciplina e nem para a organização. Que vamos improvisando aqui e ali e que, no final, o resultado - que não percebo o porquê mas é sempre avaliado só pelos organizadores, é positivo.

Há quem defenda e ensine que o medo (principalmente dos ligados ao poder) é bom e importa ser cultivado. Que quem o traz como estandarte estará sempre protegido; que terá uma vida mais confortável e com maior possibilidade de empregabilidade, de sucesso e de popularidade. Pois afinal, para que serve ser-se corajoso? Armar-se em “carapau de corrida” exigindo mudanças no que está, à vista de todos, errado?

Há quem diga que a nossa passividade e omissão é cultural. Que temos uma cultura pouco democrática e por isso calam-se as vozes que são discordantes; que quem não está comigo está contra mim, por isso, não se assume publicamente uma opinião, uma posição, e, por exigir uma taxa de esforço maior, uma atitude. Docilmente “amochámos” a tudo o que nos apresentam e ao que virá, e acolhemos com incomensurável fraternidade a mediocridade e o absurdo por nos ser corriqueiro e ter um rosto familiar.

É familiar a impunidade e a desresponsabilização. É familiar a miséria. É familiar ter políticos moralmente impreparados e inaptos. É familiar o abuso de poder. É familiar a lei não ser cumprida. É familiar a farsa e a encenação. É familiar o não prestar contas. É familiar a repressão, a chantagem e o medo. Mas estaríamos dispostos a trocar o estável e conhecido, por uma nova proposta?

Há quem diga que este povo não presta. Que o cabo-verdiano é isso, que o cabo-verdiano é aquilo, e por isso este país está como está.

Mas suponhamos que isso tudo seja mesmo verdade. O que se faz a um povo que não presta? Encosta-se a um canto? Descarta-se? Joga-se no lixo?

A minha única certeza é que temos à nossa frente um país para endireitar. Vícios impregnados que precisam ser expurgados e uma mudança transversal de tudo e em todos precisa ser urgentemente efetivada. E que este país precisa tanto de nós (povo) como nós dele.

O povo (eu, tu, nós) temos um país que, fazendo uso da expressão de Agostinho da Silva, está à nossa espera para se cumprir. A coragem, o exemplo, a disciplina, a participação e atitudes de qualidade contribuem para o alinhamento da sua coluna vertebral e consequentemente para a sua verticalidade. Que ninguém espere pelo outro para fazer o que deve ser feito, dizer o que precisa ser dito. Que trabalhemos individualmente e coletivamente para a mudança e que a introspeção individual e a reflexão paulatinamente se expanda a toda a sociedade. Cabo Verde merece um povo de valor e com valores, e o povo merece um Cabo Verde liberto de imperfeições. Vamos ao menos tentar?

*a autora escreve de acordo com as regras do AO90 

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Autoria:ANTÓNIA MÔSSO,3 dez 2019 11:15

Editado porSara Almeida  em  4 dez 2019 2:54

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