Muitas foram as “revoluções” que depois aconteceram e marcaram a música brasileira. De uma diversidade impressionante. Sem ir mais atrás, nos anos 50 a beleza da Bossa que mais tarde terá vindo a ser “destronada” pelo então excentrismo do Tropicalismo. Entretanto, e convivendo com parte dos dois movimentos, não podemos esquecer o Samba-soul. Para além disso, a diversidade de ritmos locais, de Norte a Sul do Brasil inteiro, é notável. Nesta enorme disposição de informação, aparece nos inícios os anos 90 - Chico Science, e o seu enorme Manguebeat.
Ponto de paragem – Estado de Pernambuco, Recife e Olinda – regiões brasileiras de enorme riqueza folclórica, de onde o ritmo do Maracatu, é oriundo. As alfaias (tambores que definem o forte ritmo do Maracatu) são de uma cadência marcante.
O termo “Manguebeat”, junta a ideia de “mangue”, que designa um ecossistema típico do Nordeste brasileiro e da Cidade de Recife, com a palavra beat – batida musical.
Manguebeat foi provavelmente dos primeiros, senão o primeiro, movimento que atingiu proporções nacionais, com origem em ritmos específicos de regiões mais profundas do país.
Mais… foi uma “cena cultural” também baseada na música. Não só a música fazia parte do que foi um movimento cultural.
Voltando à música. Misturava elementos da cultura regional de Pernambuco, como o Maracatu rural, com a cultura mais pop, sobretudo o rock’n roll e o hip-hop, numa efervescência única. Aos tambores, Chico Science teve a mestria de fazer a fusão dos ritmos pop-electrónicos, provocando um balanço muito avultado e absolutamente marcante.
Nasce assim um nome que viria a fazer parte da música brasileira – Chico Science & Nação Zumbi.
Seria injusto não nomear aqui os parceiros de eleição de Science: Fred 04 e Otto, influentes em todo este processo.
Em meados dos anos noventa, após digressões no Brasil e em palcos estrangeiros, gravam os dois primeiros discos: “Da lama ao caos” e “Afrociberdélia”. Era o “Maracatu (quase que) Atómico”: as portas do mundo estavam abertas. Sempre atentos, os mídea e revistas conceituadas colocam os dois discos, nas 100 indispensáveis audições do mundo musical.
Infelizmente, Chico Science desaparece num desastre de automóvel, logo depois. Muito jovem, deixando tudo o que iniciou por completar. Dou comigo por vezes pensando que maravilhosos e surpreendentes caminhos teriam seguido as ideias deste quase génio. O que teria criado…onde estaria a magia do “Maracatu Atómico”?
Felizmente ficamos com dois enormes álbuns. Apesar da dificuldade da escolha, deixo aqui como proposta o segundo álbum: “Afrociberdélia”.
Mais electrónico que o anterior, contudo a batida criada que funde a electrónica e os tambores – base do Manguebeat – é mais acentuada e afirmada. Ficou marcado pela enorme versão do tema “Maracatu Atómico”, mas ainda temas como “Macô” nos fazem ver a mestria de Science e de todo o movimento que ele embandeirava.
Termino perguntando de novo: onde estaria este pedaço da música brasileira, se não tivesse perdido o enorme e inovador (mesmo que por pouco tempo…) Chico Science – certamente uma das maiores figuras da historia da musica brasileira.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 950 de 12 de Fevereiro de 2020.