Apreensão de veículos particulares em circulação na via pública em estado de emergência/sua legalidade

PorAmarílio Rocha,16 abr 2020 9:02

O Estado tem como principal missão, manter a paz e a ordem pública, possibilitando desse modo, o pleno gozo de direitos por parte de seus cidadãos.

Dada a situação da pandemia do novo Coronavírus/SARS – Cov. 2, causador da doença COVID 19, que afeta o mundo todo, sem exceção de Cabo Verde, a normalidade institucional está em causa, por este momento de perturbação em que vivemos, de maneira que, se não remediadas a tempo, podem comprometer acima de tudo, a integridade de todos os cidadãos.

Face à gravidade desta situação, a legalidade ordinária (estabelecida para épocas de paz e tranquilidade), cedeu espaço a uma legalidade especial (estado de emergência – aparelho de defesa constitucional), que de forma transitória, procura pôr termo a esta situação de calamidade com a saúde pública.

Ora, este espaço compreendido pela nova ordem jurídica com o estado de emergência, está devidamente estabelecido e regulado no n.º 4 do art. 17.° conjugado com o art. 27.°; 271.° e 272.°, todos da Constituição da República de Cabo Verde.

A nossa Constituição da República, prevê um estado de emergência rígido (n.º 1 do art. 272° da C.R.C.V.), onde as medidas necessárias ao combate à esta calamidade com a saúde pública, não podem exceder àquelas expressamente elencadas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 3.° do Decreto Presidencial registado sob o n.º 06/2020, de 28 de março; “ex vi” do n.º 1 do art. 4.° do supra referenciado Decreto Presidencial.

E na execução desse instrumento constitucional de crise, devem ser observados os princípios da necessidade (“ex vi” da “in fine” do n.º 5 do art. 17.° da Constituição da República de Cabo Verde), da proporcionalidade, da adequação e da temporariedade (“ex vi” da “in fine” do n.º 1 do art. 272.° da Constituição da República de Cabo Verde).

Para tanto, o Governo para fazer frente a esta situação de calamidade com a saúde pública, viu-se obrigado a usar nomeadamente, o poder policial para fazer com que as restrições ao exercício das liberdades individuais incompatíveis com o momento de exceção em que vivemos, possam ser cumprida, tendo em conta que, as restrições dos direitos, liberdades e garantias previstos nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 3.° do Decreto Presidencial registado sob o n.º 06/2020, de 28 de março, são obrigatória à todos os cidadãos, por força do princípio da obrigatoriedade previsto na primeira parte do n.º 5 do art. 17.° da Constituição da República de Cabo Verde.

Por conseguinte, o Governo está legitimado a sancionar todos àqueles que não respeitarem as medidas tomadas ao abrigo do disposto no n.º 1 do art. 3.° do supra referenciado Decreto Presidencial, (“ex vi” do n.º 2 do supra preceito), por incorrerem em crime de desobediência, nos termos previsto e punido do art. 356.° da lei substantiva penal.

Verificamos que a apreensão de alguns veículos particulares a circularem na via pública pela polícia de ordem pública, gerou no meio social alguma suspeição da sua legalidade.

Ora, diante ao caso, significa dizer que, enquanto vigorar o estado de emergência, o direito de circulação na via pública com veículos particulares, só são permitidos para a realização das seguintes atividades: Aquisição de bens e serviços; deslocação para efeitos de desempenho de atividades profissionais ou equiparadas, quando devidamente autorizadas ou expressamente excecionadas no âmbito do Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março; deslocação por motivos de saúde, tanto do possuidor do veículo, como dos seus parentes, ou de terceiros que careçam de cuidados médicos; deslocação para prestação de auxílio e assistência a pessoas vulneráveis, e as demais previstas nas diversas alíneas do n.º 1 do art. 8.° do Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março, ou para reabastecimento em postos de combustível, “ex vi” do n.º 2 do supra preceito.

A nosso ver, e segundo as boas regras de interpretação, todas as circulações dos veículos particulares nas vias públicas que não se enquadram nos n.ºs 1 e 2 do supra referenciado preceito, pode constituir, por si só, facto ilícito, nestes casos, a apreensão do veículo justifica-se, e o seu infrator incorrerá em um crime de desobediência, nos termos previsto e punido do art. 356.° da lei substantiva penal.

Ora, a apreensão dos veículos particulares é uma medida privativa do direito de propriedade, encarando este em uma aceção genérica. O ato de apreensão priva o proprietário, possuidor ou detentor dos direitos inerentes a coisa, designadamente, o uso e fruição. E, sendo o direito de propriedade um direito fundamental, reconhecido pela Constituição da República de Cabo Verde (art. 69.°), a sua limitação tem que se confinar escrupulosamente às condições previstas no Decreto Presidencial registado sob o n.º 06/2020, de 28 de março; regulamentado pelo Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março. Ou seja, a limitação do direito de propriedade deve circunscrever-se ao estritamente necessário para assegurar as finalidades previstas no supra Decreto Presidencial.

As apreensões dos veículos particulares, por parte da polícia de ordem pública que não se enquadra em violação dos previstos nas diversas alíneas do n.º 1 e da “in fine” do n.º 2 do art. 8.° do Decreto-lei registado sob o n.º 36/2020, de 28 de março, não só prejudica desnecessariamente o direito de propriedade, como viola o elementar princípio da legalidade, que é indispensável em um Estado de Direito Democrático, pelo que, é suscetível de fazer incorrer o Estado em responsabilidade civil pelos danos causados ou que vier a causar aos particulares.

Cidade do Mindelo, aos 15 dias do mês de abril do ano de 2020

Amarílio Rocha/Jurista e Professor Universitário.

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Autoria:Amarílio Rocha,16 abr 2020 9:02

Editado porSara Almeida  em  16 abr 2020 9:02

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