Lentidão é Beleza

PorDina Salústio,4 mai 2020 15:03

Nesta crónica, o que eu pretendo mesmo é mandar um carinho especial às mulheres e homens que se encontram na nossa terra, em ocupações e missões as mais diversas, longe dos países, dos lares e das famílias.

Auguste Rodin, autor de “O Pensador”, escreveu que “Lentidão é Beleza”, e a verdade é que quando se contempla essa poderosa obra é como se assistíssemos o escultor a criá-la ao som de uma morna com o Vasco Martins ao piano, segurando vagarosamente a alma em ebulição.

Como estão as ilhas, Vasco? De algumas chegam-nos notícias de dor o que nos indica que basta um descuido para que a nossa fragilidade venha à tona. De facto, nada está garantido como, aliás, para Cabo Verde, nunca nada esteve garantido. Nós é que, por um acidente psíquico qualquer que não se conhece, de vez em quando – felizmente – esquecemos as nossas limitações e entramos em registo de festa. Havemos de ter festa.

Penso que não seria grave se, em determinados momentos, equacionássemos os nossos direitos e liberdades. Sobretudo, em momentos indecisos ou ameaçadoramente incertos. Mas, seremos tão “distraídos” que ainda não percebemos que a nossa liberdade está atualmente limitada? O que é que indivíduos algures no nosso país pensam do “Estado de emergência”? O que pensam de “Saúde pública ameaçada”? Ou não sabem mesmo? Saberão realmente esses indivíduos o que é liberdade e o seu preço? O que é a vida? O que é a Covid-19?

Quem, com a consciência toda não sabe que não nos cabe a liberdade de dizer: ”Faço o teste à Covid-19 se eu quiser”, “Fico em casa se me apetecer”, “A morte é certa e por isso não me preocupo”, ou “Quando a minha hora chegar, chegou”?

São frases ocas e falsas de indivíduos cheios de “garganta”, mas que se molham todos a caminho do hospital, com a simples ideia de uma constipação. Covardes e ridículos, quando se mostram de uma liberdade absoluta quando dizem essas baboseiras depois de, claro, terem rapidinho corrido às lojas e açambarcado tudo o que puderam, sem mesmo lembrar que há quem precise de trabalhar cada dia para cada dia poder ir à loja comprar um quilo de arroz…

Por isso eu defendo que quem de direito deve informar até mais não poder que não estamos em pleno gozo da nossa liberdade. Precisamos de autoridade, porque precisamos de confiar e precisamos saber que o pior ainda não chegou. Vamos falar mal das decisões, vamos criticar até à exaustão, vamos pôr em bicos de pés para alcançarmos uma janela – microfone de fala – mas no fundo, acredito, com muito medo. Um medo tão grande como o que eu tenho (cá entre nós, sempre fui uma quase cobarde. Já quando, em miúda, não queria que me fizessem as tranças, a minha mana mais velha que me apertava o cabelo até mais não, gritava-me: tu és cobarde). Assumo.

Mas sabes, Vasco Martins, eu quero notícias que me encham a alma de alegria. Uma hora de alegria. Só uma hora. Vinte minutos. Dez. Depois ficarei atenta a todos os noticiários e às chamadas que os familiares e amigos fazem, algumas a altas horas da noite. Profundamente obrigada. Na verdade o que eu quero dizer é que neste período em que as notícias nos atropelam e, diga-se a verdade, nós igualmente as atropelamos, querendo a cada instante e vertiginosamente, umas vezes de modo saudável, outras apanhados pelas circunstâncias que despertam a nossa insegurança, conduzidos pela angústia do desconhecido – saber do nosso bairro e da cidade onde moramos, da nossa ilha e das nossas ilhas e o que se passa com as nossas famílias e os amigos pelo mundo fora. Tão nossas essas terras! Tão perto o mundo! Tão longe…!

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Mas, hoje, nesta crónica, o que eu pretendo mesmo é mandar um carinho especial às mulheres e homens que se encontram na nossa terra, em ocupações e missões as mais diversas, longe dos países, dos lares e das famílias. Eu percebo a melancolia e a insegurança que vos assolam quando querem mais do que uma foto ou uma imagem ou voz. Eu percebo quando o sopro da fala faz uma falta imensa e não temos como mitigá-la. Eu percebo quando os olhos ficam molhados e não os queremos secos. Gostaria que se sentissem na vossa terra, pelo menos quase na vossa terra, e acreditassem, como nós, que vamos ficar bem.

Rodin, o escultor francês, escreveu “Lentidão é Beleza”. Não sei por que ele escreveu isto, mas quero crer que ele pretendeu dizer para respirarmos entre dois pensamentos, duas frases, entre duas ações, entre dois olhares, entre dua preces, entre dois momentos de vida. Se calhar, assim fazendo, somos capazes de ver mais coisas, coisas mais belas e coisas diferentes que se anulam ou se completam. Quem sabe mais gentes? Bom, mas o que eu queria lembrar, neste tempo de quarentena é: Cuide-se, pela sua saúde. Vamos ficar bem. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 961 de 29 de Abril de 2020.

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Autoria:Dina Salústio,4 mai 2020 15:03

Editado porSara Almeida  em  4 mai 2020 15:03

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