Ainda criança, a curiosidade musical do pequenino Gil já era notada quando começa a correr atrás das bandas locais. Em casa, muitos eram os serões que Gil passava com o que se ia tornando cada vez mais um dos seus “brinquedos” – a rádio.
De entre as memórias das vozes da rádio e das bandas, o menino começa a aprender a tocar acordeão. Começava aqui a ser formatado toda a sonoridade que viria a ser a do músico.
Depois dos primeiros contactos e aproximação a esta forma de arte, o mergulho nos movimentos musicais/artísticos: primeiro a Bossa Nova – mais concretamente (o também baiano) João Gilberto – a quem Gil confessa dever a sua paixão pelo violão. De seguida, depois de ter conhecido Caetano Veloso, Maria Bethania, Gal Costa, Tom Zé e todo o pessoal do grupo-movimento “Os Mutantes” o Tropicalismo – movimento que Gil, a par de um grupo que viria a marcar a história da música brasileira, entre os quais Caetano Veloso, foi um dos fundadores.
Tudo começa com o multiplicar das aparições de Gil em shows e concursos televisivos, onde começa a travar conhecimentos com artistas como Chico Buarque ou Elis Regina.
Num dos festivais Gil toca “Domingo no Parque” acompanhado pelos “Mutantes”, uma das músicas mais impactantes do festival, a par de “Alegria, Alegria” de Caetano Veloso. Pois desse impacto e pelos temas, estava então criado o embrião musical do movimento tropicalista.
Em 1968 Gil lança o seu segundo LP “Gilberto Gil”, marcando o início do Tropicalismo, apesar do movimento se ter concretizado com “Tropicália ou Panis et Circensis”, disco que contou além de Caetano e Gil, com “Os Mutantes”, Torquato Neto, Capinam, Gal Costa, Tom Zé, Nara Leão e arranjos do maestro Rogério Duprat.
Nascia o Tropicalismo - O movimento da Contracultura.
As letras de contestação brincavam com a ditadura, pedindo a (re)ação da juventude. A Contracultura era lei.
A introdução da guitarra eléctrica na música brasileira “não-rock” – uma das principais características instrumentais do tropicalismo – marcava toda uma desconstrução estética da sonoridade melódica então reinante, e que servia o regime – a Bossa Nova – (o tema “Procissão” é o exemplo mais claro). Acrescentamos a esse facto toda uma instrumentação psicadélica da altura, aqui por mérito dos “Mutantes” que acompanham Gil neste disco. Misturavam-se instrumentos de música de câmara, orquestrados com coros brincalhões e palmas que marcam o encanto de um ritmo que brinca-provocando, resultando tudo em cores musicais calmamente psicadélicas. Uma das influências de Gil, eram os “Beatles” – claramente presente neste disco, bem como o gingar nordestino do tal acordeão pelo qual se tinha apaixonado, anos atrás. Nascia o “substituto” da Bossa Nova.
Assim, a proposta de hoje recai sobre este disco – certamente um dos marcos de um dos mais interessantes movimentos artísticos do Brasil, cujo Gilberto Gil foi um dos criadores.
Saudemos o mestre, ouvindo-o.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 970 de 1 de Julho de 2020.