Conheci os dois pela música e pelos discos sempre especiais que iam lançando. Em comum, acho que foram fazendo caminhos que de certa forma poderão ser algo semelhantes: o Rap e progressivas fusões com outros ritmos brasileiros, mas sobretudo com o Samba – paixão e ritmo musical onde cada dia mergulham mais…
Celebrando um momento em que se firmavam como grandes nomes da nova geração do Rap Brasileiro, Criolo e Emicida juntam-se para uma série de shows que resultou em CD e DVD ao vivo, com sucessos das trajectórias de ambos. Realce ainda para a participações de Mano Brown do grupo “Racionais MC” – clássico do Rap brasileiro.
Três temas abrem o disco, incendiando o público que saúda o palco com o habitual punho esquerdo fechado, letras que cantam realidades duras, críticas sociais acentuadas, para no quarto tema o palco receber então Criolo. Com ele, logo uma marcada presença do naipe de sopros a indiciar ambientes musicais que já escapavam um pouquinho para o Samba-Soul e referências a letras de figuras da MPB como Chico Buarque.
A meio do disco, o suporte do tema já é claramente o esqueleto de um Samba-Soul, que segura o “repar” de Emicida e Criolo.
A oitava música Criolo toca num dos temas mais poderosos dos últimos anos, – “Não existe Amor em SP”, e aproveito para propor a divina interpretação deste tema numa versão de Criolo, mas com Milton Nascimento e Amaro Freitas. Porém, no vídeo desta versão é impressionante a entrega e a brava mistura com a música que Criolo de forma natural obtém é absolutamente emocionante… arrepiante.
No tema seguinte, Criolo já se apoia no cavaco e no pandeiro para estar numa magnífica “Linha da Frente”.
o disco continua no discurso absolutamente do Rap de Emicida, que até toca num dos temas do seu primeiro Mix-tape e um Criolo que se funde com frequência, sentando-se sempre nos tronos do Samba/Samba-Soul, mas com o Rap sempre presente, e terminando em grande com o tema “Bogotá” – com os dois em palco e um arranjo musical completamente actual, em ritmos descontrolados pelo energético poder musical.
Imperdível, os vídeos dos temas “Não existem amor em SP” e “Bogotá”. Intensos.
O disco foi gravado em 2012. Entretanto, na sua caminhada afirmou-se definitivamente no Samba, com fusões sim, mas um pouco mais longe do Rap. O engraçado é que o duro Rap de Emicida, também foi-se tornando cada vez mais aberto, principalmente ao Samba.
Daí, imaginar sempre algo difícil, ver de novo, mas nos dias de hoje, Criolo e Emicida em palco. Agora, após estrada, aprendizagens e traços musicais que foram adoptando e que lhes deu as suas marcas.
São claramente dois líderes de palco, sabem como fazê-lo e fazem-no. O público entrega-se a este Live. Fica a minha curiosidade envolvida numa enorme vontade de ter a hipótese, de ver os dois: Emicida e Criolo “de hoje”, juntos no mesmo palco…
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 986 de 21 de Outubro de 2020.