Pelas suas origens marcadamente rurais, Adriano de Oliveira Lima, de nome completo, enquadra-se, perfeitamente, no perfil de uma longa e rica trajetória de vida assente na persistência e na parcimónia e, igualmente, caraterizada, por processos de mobilidade social vertical ascendente. Oriundo de uma família de grandes proprietários de prédios rústicos, à escala da ilha, Adriano Lima nasce a 27 de julho de 1930, na Longueira, uma varzeazinha do Vale da Ribeira da Torre, Concelho da Ribeira Grande, cuja situação privilegiada lhe advém, do ponto de vista orográfico, da circunstância de se posicionar entre dois vales agrícolas e de regadio mais pluviosos de Santo Antão, isto é, entre Paúl e Ribeira Grande. Aliás, é no pitoresco mini planalto da Longueira, conhecido, antigamente, por Chã de Vieira (ou Tchã de Vieira), onde, também, viriam a nascer, em ordem cronológica, Jorge, António José, Adélia, Silvino, Maria Teresa e Miguel António.
Em 1929, Miguel António Lima (pai), descendente da terceira geração do tronco ancestral comum de Martinho de Lima e Melo e Aniceta Gomes da Fonseca (Silvino de Oliveira Lima, 2010), também nascido na Longueira, mas na “casa-mãe” da família dos seus progenitores, contrai casamento, em segundas núpcias, com D. Bárbara de Oliveira Gomes Lima (Nininha), nascida no Tarrafal da Povoação, na Rua principal, que dá acesso à estrada do Paúl. Dessa união, nascem todos os filhos, incluindo o primogénito Adriano, cuja infância e adolescência decorrem, igualmente, na Longueira. Já em idade escolar, faz os estudos primários na Escola Central, na Povoação, hoje cidade da Ribeira Grande, com o professor José Manuel Gomes, de nacionalidade portuguesa, casado com uma filha de Armando Rocheteau, e conclui a então 4ª classe, em 1941.
Terminada a escola primária, iniciou, em outubro desse mesmo ano, o 1º ano do liceu com o professor Guilherme Chantre, que tinha um curso de explicações na Povoação (Ladeira), e, por imposição do pai, interrompeu a atividade escolar entre 1943 e 1948, sem resultados concretos, passando a dedicar-se à agricultura, primeiro, e à topografia, depois. Na ausência de melhores perspetivas de vida, o pai cede ao filho pré-adolescente um naco de regadio para trabalhar e se “desenrascar” como lhe conviesse. Além da agricultura, Adriano, costumava ir à Ponta de Sol tratar de assuntos correntes na Repartição Concelhia de Finanças, montado num burrinho que lhe pertencia, a pedido do pai idoso. Em boa verdade, Adriano Lima, que, na altura, contava 14 anos de idade, não se sentia vocacionado para a atividade agrícola, não queria assumi-la como profissão e muito menos lhe interessava dedicar-se à prática do então famoso negócio de aguardente de “contrabando”, sem garantia de quaisquer proventos, diga-se de passagem. Sendo assim, fê-lo entender ao seu pai e, em julho de1948, resolveu pedir trabalho, como assistente de topógrafo, a um agente técnico da então Brigada Técnica de Estradas e Trabalhos de Hidráulica - BTETH, recém-instalada em Cabo Verde (Santo Antão), foi imediatamente aceite e ali trabalhou com Dantas Monteiro Pinto e César Morais (Moraisinho), até outubro desse mesmo ano, quando soube, entretanto, que Antero Brigham Gomes, natural da Ponta de Sol, acabara de abrir um curso de explicações na Povoação. Na altura, recorda Adriano, “eu ganhava 15$00 por dia, que não era nada mau, chegava a casa e entregava o valor total ao meu pai, que o punha no cofre”. Assim, já com 18 anos de idade, convenceu o progenitor da necessidade de prosseguir os estudos com o explicador Brigham Gomes, cujo curso funcionava numa casa ubicada no lado oposto à das três irmãs Sequeira, com o apoio inicial de 450$00, que conseguira amealhar no trabalho de topografia.
Em 1949, Adriano Lima conclui, em S. Vicente, o antigo 2º ano dos liceus e fica hospedado, até o 6º ano, em casa do Sr. João Miranda, com Pedro Gregório, José Leitão da Graça, Epifânio Ferreira (Ferreirinha) e Américo Rebelo, entre outros colegas, que partilham o espaço, na Rua de Côco. No Liceu Gil Eanes, um dos docentes que marcam Adriano Lima foi Guilherme Chantre, que lecionava Matemática e Geografia, de resto, “um professor brilhante, que expunha bem”. Na altura, a intenção do seu pai era que, entre todos os filhos, apenas o mais velho deveria estudar, na incerteza das condições mínimas que permitissem a todos os filhos fazê-lo em igualdade de circunstâncias. A situação complica-se com o falecimento do pai, em outubro de 1951, aos 83 anos, em Lugar de Guene, onde, também, tinha casa própria, ocorrido pouco tempo depois da trágica cheia de 1950, considerada “a maior e a mais marcante referência da minha vida” (Miguel Lima), que, de resto, se saldou na destruição, quase literal, das propriedades agrícolas da família Oliveira Lima, em particular, no fundo do Vale da Ribeira da Torre, num mero exercício de memorização, ou, se preferir, de fixação da memória coletiva. Perante tamanha dimensão da perda familiar e ciente das enormes dificuldades financeiras que pesavam sobre o agregado, o filho primogénito, sob estado de choque, numa atitude não egoísta, escreve à mãe manifestando-lhe a sua disponibilidade de regressar imediatamente a Santo Antão. Em resposta, a mãe pede-lhe que prossiga e se concentre nos seus estudos em S. Vicente. De facto, falecera a figura paterna, o “construtor de todo um domínio” (Miguel Lima), agora sob a pesada responsabilidade da mãe, então com 45 anos, a quem caberia, igualmente, a ingente missão de educar sete filhos, quase todos adolescentes, na dificílima condição de viúva e de “matriarca”, com um património fundiário disperso e parcialmente destruído.
A despeito das dificuldades que então enfrentava a família, Adriano Lima termina o antigo 7º ano dos liceus, em 1954, em S. Vicente, e, sem bolsa, vai estudar em Portugal, por conta própria. Com uma mesada de 1000$00 mensais atribuída pela mãe, Adriano licencia-se, seis anos depois, em Engenharia Civil, na Faculdade de Engenharia de Universidade do Porto, mas com uma curta estadia em Coimbra, em 1957, pelo meio, onde termina o 3º ano. Concluída a licenciatura em 1960, Adriano Lima vai do Porto para Lisboa “tratar de um emprego” e ali aguarda o resultado do requerimento, até abril de 1961, quando regressa definitivamente a Cabo Verde para, então, se inserir no mundo do trabalho. Instalado na cidade da Praia, casa, nesse mesmo ano, pela Igreja Católica, com D. Judith da Cunha Ferro Ribeiro, que já conhecia na cidade do Porto, quando ambos se licenciavam.
A primeira atividade profissional de Adriano Lima, como técnico recém-formado, foi precisamente na Ilha do Fogo, na então Brigada de Estudos e Construção de Obras Hidráulicas – BECOH, sucessora da BTETH, entre 1961 e 1962, que assinala, também, o início de 43 anos de experiência, na área da engenharia civil, ao serviço de Cabo Verde. Assim, no exercício de relevantes cargos exercidos no país, desde a época colonial até à aposentação, destacam-se, entre outros, os de Engenheiro Adjunto do Chefe dos Serviços Provinciais das Obras Públicas (1963/69), Engenheiro Chefe da Brigada de Estudos e Construção de Estradas – BECE (1969/74), Diretor Nacional das Obras Públicas e Diretor-Geral das Obras Públicas (1975/1981), Diretor-Geral dos Transportes Terrestres (1982/85) e Ministro das Obras Públicas (1985/1991). Com uma trajetória de vida notável, não obstante dificuldades de vária ordem que sempre ultrapassou, Adriano Lima, pai de três filhos, por sinal, todos eles engenheiros, é um homem profundamente ligado ao seu país e perfeitamente integrado na ilha que o acolheu, desde 1961, onde, aliás, tem fortes raízes familiares, mas mantendo, ao mesmo tempo, laços especiais com a sua amada Longueira da qual guarda vivas recordações.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 995 de 23 de Dezembro de 2020.