Ensino Remoto de Emergência (ERE) pode ser um agente de contaminação em contexto de pandemia (II)

PorMaria Luísa Inocêncio,8 jan 2021 16:37

Doutora em Ciências da Educação
Doutora em Ciências da Educação

Retomando as definições de Formação a Distância e de Educação a Distância introduzidas na Parte I, importa agora analisar, ainda que resumidamente, os elementos chave que estes conceitos encerram, enquanto fatores basilares do EaD.

Neste contexto, onde tudo é especificamente estruturado e minuciosamente planeado, tais ingredientes não podem faltar, sob pena de uma aplicação inadequada desses mesmos termos.

Ensino a Distância: elementos distintivos

A primeira noção que o conceito de Formação a Distância encerra prende-se com a ideia de que deve haver materiais didáticos adequados às aprendizagens que se pretendem promover e à avaliação que se tenciona fazer do progresso dos estudantes. Prevendo-se uma reduzida dimensão da componente presencial, os múltiplos formatos (áudio, vídeo, informático, multimédia), que veiculam os conteúdos, devem poder “substituir” o professor, garantindo que os alunos aprendam, efetivamente. A segunda ideia relaciona-se com a necessidade de tutoria, isto é, do constante acompanhamento pelo professor da trajetória cognitiva e emocional dos educandos, garantindo que o processo de aprendizagem não decorra integralmente a distância. Com efeito, importa esclarecer que, dependendo da natureza do evento formativo, do perfil dos formandos e das condições tecnológicas existentes, os encontros presenciais poderão não ser necessários desde que se garanta a qualidade do processo.

A segunda definição, desta feita associada à Educação a Distância no contexto do ensino superior, remete-nos para a ideia de que o EaD ocorre mediante a separação física dos envolvidos no processo e uma aprendizagem tecnologicamente mediada. Apesar de a obrigatoriedade de haver tecnologia que propicie esta mediação, ela (a tecnologia) não vigora por si, sendo certo que não funciona de forma plena sem que se lhe associe a dimensão humana (equipas em linha que garantam tanto o suporte tecnológico como pedagógico). Outro elemento que consta desta definição é o desenho curricular/plano de formação. Ensinar a distância exige que a forma como se organiza o currículo (isto é, como se determina a sequência dos conteúdos e se aloca tempo e espaço para que esses conteúdos aconteçam) seja específica de ambientes virtuais. Por último, o modelo pedagógico, que é o quadro geral de referência de práticas educativas e um instrumento organizador das práticas de ensino e de aprendizagem vigentes na instituição, deve ser adequadamente concebido para funcionar nesse tipo de contexto. Pelas razões expostas, não restam dúvidas de que o EaD possui peculiaridades que não se confundem com o modelo de ensino presencial.

Posto isto, convém assinalar que o ensino a distância, atualmente designado por EaD, em linha (suportada pela Internet), nada tem que ver com o EaD de há duas ou três décadas atrás. A sua evolução tem vindo a acompanhar as grandes transformações que foram ocorrendo nos domínios científico, tecnológico, social e cultural, incorporando novas valências, num contexto contínuo de reestruturações das aprendizagens. Está-se a falar do e-learning (versão moderna do EaD), comummente utilizado no ensino superior.

Com a emergência da pandemia, intensificou-se a tendência, sobretudo nas universidades, para o recurso aos dispositivos de comunicação síncrona da Web 2.0, de que são exemplos as videoconferências, o Zoom Meetings, o Blackboard Collaborate, Flipgrid, o Big Blue Button, só para citar alguns. Embora representem uma evolução inovadora de interação ao vivo e uma mais-valia para o EaD, estas ferramentas tendem a reproduzir, em ambiente virtual, uma sala de aula tradicional, utilizando metodologias ativas. Portanto, não podem ser confundidas com o EaD que, como é ponto assente, não se resume ao mero uso de tecnologia de ponta.

Perspetivas e desafios

É chegada a hora de se repensar a educação para se perspetivar o futuro, tendo a plena consciência dos grandes investimentos que serão necessários num cenário onde ganham protagonismo os modelos de aprendizagem virtual, seja na sua vertente de ensino híbrido (combinação do presencial e a distância), seja totalmente a distância em formato de e-learning.

Assim, urge proceder a uma análise retrospetiva e crítica da situação da educação vivida nos últimos 9-10 meses no país para se extraírem pontos de aprendizagem que potenciem maior qualidade às aprendizagens realizadas em ambientes tecnologicamente mediados. Numa altura em que é preciso incentivar o debate sobre as novas formas de ensinar e aprender em regime não presencial, parece fazer sentido abordar temas fraturantes, a saber:

assumir que o Ensino Remoto de Emergência (ERE) não passou de uma solução improvisada, pensada numa perspetiva de sobrevivência, pelo que não pode ser confundido com o EaD. Parece desaconselhável a replicação de experiências de ensino não presencial baseadas na mera comunicação síncrona (limita o acesso ao estudante à desejada interação com o professor e com os seus colegas), numa altura em que o país se prepara para disponibilizar televisores aos alunos desprovidos deste tipo de recursos. A manter-se esta perspetiva, corre-se o risco do alastramento de práticas de má qualidade enquanto agentes de contaminação;

ter a noção de que o e-learning, internacionalmente valorizado na comunidade escolar e académica e que está a revolucionar o EaD, pode ser, nos ensinos secundário e superior, uma aposta viável. É suportado por plataformas digitais de gestão de aprendizagens, de que é exemplo a Moodle, um dispositivo capaz de responder a várias exigências de um ensino de qualidade. Porém, o surgimento de novos recursos tecnológicos não significa, necessariamente, a total exclusão das tecnologias de gerações anteriores, podendo haver coexistência pacífica entre elas (Gomes, 2003). O importante é que sejam modelos fiáveis, seguros, robustos, devidamente testados e alicerçados em princípios pedagógicos, acessíveis a todos;

investir fortemente na capacitação de recursos humanos. Se, para o exercício profissional no ensino presencial, os intervenientes diretos são capacitados, por que é que, em relação aos contextos virtuais, estas competências parecem ser dispensáveis?

ter a consciência dos desafios que os ambientes de aprendizagem a distância impõem aos docentes bem assim a sobrecarga de trabalho que acarretam. Por essa razão, impõe-se perceber o quão importante é criar as condições de ensino aprendizagem adequadas aos novos contextos e desfazer a ideia de que a tecnologia diminui a carga de trabalho (menos esforço intelectual, menos carga procedimental…) e torna mais ágeis muitos dos processos (Pedro, 2020);

repensar práticas institucionais obsoletas, adaptando-as e ajustando-as ao contexto do EaD. Não faz sentido introduzir mudanças no processo de ensino aprendizagem, mantendo as antigas práticas administrativas;

criar parâmetros de qualidade, através da regulação do EaD, para garantir o reconhecimento dos graus e qualificações obtidos em regime não presencial. As parcerias com instituições dotadas de know how acumulado, anos de experiência e práticas bem-sucedidas em desenvolvimento do ensino não presencial e em educação on-line, surgem como absolutamente relevantes.

No processo de retorno à nova normalidade, é fundamental que o EaD seja encarado como alternativa incontornável ao ensino presencial. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 997 de 6 de Janeiro de 2021. 

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Autoria:Maria Luísa Inocêncio,8 jan 2021 16:37

Editado porAndre Amaral  em  8 jan 2021 16:37

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