Março Solidário

PorDina Salústio,29 mar 2021 7:19

Em celebração de março e a convite do projeto Semana da Mulher, promovida pelos Leitorados Brasileiros na Universidade de Cabo Verde (UNICV), na Universidade do Cabo (UCT) e na Universidade de São Tomé e Príncipe (USTP), em parceria com o Grupo de Pesquisa Escritas do Corpo Feminino UFRJ, Universidade Federal do Rio de Janeiro, abraço o tema: “Homenagem a uma mulher que tenha feito a diferença em suas vidas, dando um testemunho sobre ela”.

Hoje, em vésperas do nosso vinte e sete de março, partilho a minha declaração de homenagem à qual chamei:

Março Solidário

Tantas mulheres que cruzaram a minha vida! Umas de forma suave como uma aguarela em tons fugazes de ouro pálido, outras esculpidas a bronze riscando-me a alma, umas passageiras em trânsito, outras de âncoras fundeadas, umas em páginas de livro, outras de enxadas no destino. Todas elas em algum momento me aprisionando, todas sequestrando a minha paixão.

Poderia falar da minha mãe ou da minha avó, das tias, das minhas amigas de infância e das outras que, profundas, vão chegando. Poderia falar de insurretas e inquebráveis companheiras, de uma professora, das minhas irmãs – o meu corpo de todos os dias – e não teria minutos apenas por as nomear, mas hoje vou lembrar uma classe de mulheres que me capturaram e me marcaram pela fragilidade que as rodeia e pela força que conseguem.

Falo das meninas, das irmãs mais velhas. Lembro as estatísticas, sempre inacabadas, que dão conta de famílias marcadas por uma chefia feminina, normalmente débil, cuja funcionalidade só é possível com o contributo enorme, muitas vezes cruel, dessas meninas, à pressa, mulheres. Lembro essas meninas tantas vezes esquecidas por nós, tal a naturalidade com que aceitamos o seu viver e o seu estar marcado.

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Lembro dramas, histórias desumanas com naturalidade multiplicando-se, com naturalidade eternizando-se. Vejo essas meninas impedidas de estudar, em tempo certo, ocupadas em criar os irmãos enquanto olham as mães saindo para lhes buscar o sustento, deixando-as entregues, elas também crianças, a perigos e ameaças que muitas vezes, demasiadas vezes, se cumpriam. E se cumprem.

A minha homenagem é para essas crianças de corpos magoados e de almas inquietas que com o seu esforço contribuem para que a vida nas ilhas funcione, obrigadas a esquecer seus direitos e sua infância, desistindo de lutar pela sua história a favor das crianças mais jovens. Essas meninas, também elas, por acumulação, chefes de família que, sem tempo, contam os dias e reproduzem gestos e modelos.

A minha homenagem é para essas meninas, imensas irmãs mais velhas. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1008 de 24 de Março de 2021. 

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Autoria:Dina Salústio,29 mar 2021 7:19

Editado porAndre Amaral  em  29 mar 2021 7:19

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