No meio a um panorama conturbado para o contexto lectivo, Cabo Verde cumpriu com a Educação

PorEneida Morais,7 jul 2021 10:00

Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano
Mestre em Psicologia da Educação e do Desenvolvimento Humano

No passado sábado, 26 de junho, assinalou-se mais um final de um ano letivo. Cumpriu-se com um calendário movido pelas imposições da pandemia mundial, provocada pelo coronavírus, Sars Cov-2.

O coronavírus, imponentemente e de forma perversa, alterou o funcionamento dos diferentes sectores, asfixiou e até colapsou os mais robustos sistemas de saúde, exigindo respostas céleres, restringiu viagens, travou a dinâmica económica, e desafiou a nossa própria Constituição, ao limitar-nos a livre circulação, ou seja, a obrigação de se confinar, levando à suspensão de atividades escolares, comerciais, religiosas, entre outras; embora todas essenciais para o travamento da propagação da doença, mas com consequências imediatas e de longo prazo.

Atravessou, sem dúvida, as paredes das nossas escolas e obrigou aos atores responsáveis pela área, a reorganizarem o currículo, e a adaptarem os horários e o ambiente escolar ao contexto sanitário.

Tudo foi alterado!

A frequência às aulas foi reduzida a metade, o rácio aluno/turma reduzido a meio, os alunos a assistirem as aulas em dias alternados, e consequentemente, conteúdos transmitidos e assimilados a metade. A relação professor/ aluno, foi beliscada e marcada por um distanciamento, onde os estados de ânimo, e as emoções, como um sorriso, um desejo, uma tristeza, um silêncio de grito, formas de expressão complexas e essencialmente humanas que constituem fatores indispensáveis no processo ensino/aprendizagem ficaram, escondidos por debaixo das máscaras. Como escreveu Wallon, “a emoção é o primeiro e mais forte vínculo entre os indivíduos. É fundamental observar o olhar e a expressão facial, pois são constitutivos da atividade emocional. No contexto educativo, não se pode negar a grandeza da importância das emoções, que funcionam como amálgama entre a formação emocional, psicológica e cognitiva dos educandos. Infelizmente, durante o ano letivo, ora findo, tal poderá ter passado despercebido, ou não teve a atenção merecida, pois esta foi direcionada mais, para com a preocupação do uso correto das máscaras, do que para o rosto de quem as usava. Falha humanamente aceite, pois garantir a saúde física do aluno e evitar, a todo o custo, a rede de contágios, ganhou peso, frente à saúde emocional do mesmo, esta, de consequências proteladas no tempo.

A relação escola/família, um fator, igualmente, importante, para o sucesso dos educandos e normalmente apontada como deficitária, dada a fraca participação dos cuidadores neste processo, com a chegada da pandemia, ficou, ainda mais débil, marcada pela inassiduidade dos pais/encarregados de educação nas escolas e consequentemente na vida escolar dos educandos. A situação sanitária restringiu, naturalmente, o envolvimento e o acesso das famílias à escola, limitando o espaço de interação entre tais, quando este é fundamental, já que não se pode separar a aprendizagem da criança/filho, da aprendizagem da criança/aluno, pois o seu desenvolvimento não acontece de maneira isolada nos dissemelhantes espaços onde convive.

Tal-qual, não se pode negar que o estado psicocognitivo da nossa geração de estudantes também não terá ficado comprometido. Até onde, as pesquisas futuras hão de responder. Se, por um lado, não se pode afirmar, sem estudos, com clarividência e precisão, tal comprometimento, por outro, não se pode deixar de aceitar que, estudar num clima de medo, de fragilidades, de ansiedade, de incertezas, onde tudo era novo, e os professores que normalmente são âncoras dos alunos, pouco poderiam confortá-los, (pois, também foram afetados, pela dupla tarefa de ensinar, no meio a tal situação e por se esforçarem a manter uma forte postura de encorajamento aos educandos) terá influenciado o processo de aquisição e de assimilação de conhecimentos, e comportamental dos alunos. É sabido que a forma como cada um encara e trata os sentimentos, como o medo e a ansiedade, refletirá, posteriormente, em aspetos idiossincráticos da pessoa. E no contexto educativo não é diferente, pois, por mais que se esforçasse a fazer bem, todos estávamos despreparados. Não havia situações similares nas nossas memórias que nos permitissem agir em conformidade. E mesmo quando a pandemia tiver passado, pois, um dia passará, quando não houver mais perigo, haverá sempre marcas, e no centro das nossas memórias haverá sempre links negativos dessa cena.

Os responsáveis pelo desenho curricular, pelo planeamento pedagógico, bem como, os professores, deverão estar atentos, no próximo ano letivo, que já está desenhado para decorrer num contexto normal, ao estado psicocognitivo dos alunos, principalmente os dos anos escolares a nível mais baixo, por estarem carregando um legado pesado, negativo, de um trauma que repercutirá, por vários anos. É importante, e de forma geral, cabe a todos nós, procurar proporcionar aos alunos/educandos um ambiente escolar e educativo salutar onde poderão desenvolver o processo de aprendizagem, vencendo as memorias negativas da pandemia.

Na peculiaridade dos tempos em que vivemos, na esteira da pandemia, a avaliação, um outro fator presente no processo ensino/aprendizagem, também terá sido um grande desafio e posto à prova, exigindo, práticas e técnicas diferentes. Era preciso lidar com bastante cuidado com essa questão, pois avaliar aos alunos,no meio a um cenário alterado pelas agressões da pandemia, exigia avaliar muito mais para além dos conteúdos. Terá sido isto acautelado? O estado emocional dos educandos foi tido em conta aquando da avaliação? Traduzirão os resultados da pauta, realmente, a aquisição do conhecimento neste ano atípico? São essas e outras situações que nos levam a afirmar que o ano letivo, ora findo, foi conturbado para todos e que com certeza, darão azos, num futuro bem próximo, a objetos de investigação, no campo sociopedagógico.

No centro desta arena, marcada pelaconscientização das fraquezas e das capacidades do homem, perante as potências da natureza e o coronavírus como vilão, surgem verdadeiros protagonistas. É inegável o protagonismo alcançado pelo Ministério da Educação. E quando falamos do Ministério da Educação, falamos de todo o sistema e de todos os seus atores, tais sejam, os dirigentes, os professores e os alunos, até os nossos atores-mirim do pré-escolar!

Os alunos, esses, tiveram que rapidamente se adaptar, ao distanciamento físico obrigatório para com os companheiros e professores, e de aceitarem que a melhor forma de querer bem aos colegas e a si próprios era não partilhar objetos de sala de aula, como borrachas lápis, livros, que até então, era visto como um ato nobre. Tiveram, também, de aprender a respirar por debaixo das máscaras, junto aos desafios, impostos pelo próprio percurso do processo ensino/aprendizagem.

Os professores, indiscutivelmente, tiveram a árdua tarefa de aprender, de adaptar e de ensinar aos alunos a se adaptarem ao contexto brutal a que todos fomos expostos.

Não se pode deixar, também, de prestar um justo reconhecimento ao Governo, através da estrutura central do Ministério de Educação, pela rápida capacidade de adaptar as escolas do país, ao exigido mundialmente, em matéria de espaço, materiais e instalação de equipamentos. Mas também, pelas reformas que não pararam, pelos investimentos em reabilitações e construção de escolas e jardins, iniciadas em 2016 no âmbito do Plano de Ampliação e Requalificação e levadas a cabo, também em 2020/21, período em que a economia ficou marcada negativamente, pela perda de receita, resultante da pandemia, como também, fazer menção à regularização de atribuição dos subsídios, progressões e promoções dos professores efetivadas igualmente, em 2020/21.

Em jeito de conclusão, diríamos que, no meio de um cenário conturbado para o contexto educativo, Cabo Verde cumpriu com a educação, com a colaboração de todos os atores envolventes. Nem tudo foi bom, nem tudo foi como deveria ser, mas esta é a grande questão, como saber qual seria o melhor caminho, se o desafio era, e ainda é vencido cotidianamente.

Votos de que para ano será melhor! Para tal, o papel dos pais/encarregados de educação, durante o período de interrupção das aulas, será de extrema importância. Saber que as férias serão atípicas, se quisermos um próximo ano letivo dentro da normalidade de um novo normal. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1022 de 30 de Junho de 2021.

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Autoria:Eneida Morais,7 jul 2021 10:00

Editado porAndre Amaral  em  7 jul 2021 10:00

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