290 anos da Vila da Ribeira Brava: 30/08/1731 – 30/08/2021

PorLourenço gomes,6 set 2021 9:11

Docente/Investigador da Uni-CV
Docente/Investigador da Uni-CV

O antigo Município de São Nicolau e o seu povoado principal, a Ribeira Brava, mergulham as suas raízes históricas, na memória das administrações camarárias de Cabo Verde com caraterísticas semelhantes às de todas as ilhas atlânticas, colonizadas pelos portugueses, desde o século XV.

Ribeira Brava foi-lhe atribuído, com claros fundamentos, a categoria de vila, a 30 de Agosto de 1731 e aí foi, em consequência, instalada a respetiva Câmara, como era tradição na altura, dado que a existência de um poder municipal implicava este estatuto e vice-versa.

A par da tradição foram, efetivamente, bem argumentadas as propostas do Ouvidor-Geral, o juiz madeirense, José Costa Ribeiro, a dirigir a Ouvidoria-geral da colónia de Cabo Verde entre 1722 e 1740.

Os fundamentos da decisão vieram assim a enquadrar-se nas reformas ultramarinas, abrangendo particularmente o regulamento civil e militar de30 de Agosto de 1731 que originou a atribuição do estatuto de Vila ao povoado da Ribeira Brava. Assim, tal como se reporta nos anais da História de Cabo Verde e da ilha de S. Nicolau, em particular, salientando André Teixeira, em 1731 durante a visita do ouvidor referido, por ordem régia, deu-lhes o Regimento Civil e Militar que fora aprovado pelo Concelho Ultramarino em 30 de Agosto do mesmo ano, tendo-se, através do mesmo documento, creado a villa da Ribeira Brava em S. Nicolau, deu-lhe camara municipal, com dois juízes ordinário e officies competentes, segundo a ordem do reino (Senna Barcellos,1900: 27).

Desde então, a história a que ficou ligada à vila da Ribeira Brava conheceu uma grande evolução, mantendo nos tempos de hoje, no essencial, características que orgulham seus habitantes por conservar muitos valores entre os quais o da autenticidade, revelado na sua traça arquitetónica peculiar e significativa que levaram o governo de Cabo Verde, através da Resolução do Conselho de Ministros nº 54/2010, a lhe atribuir estatuto de património cultural nacional. A este valor acrescenta-se o da antiguidade, evidenciando a sua anterioridade em relação a muitas vilas de Cabo Verde e visível nas ruas estreitas, que é característico de espaços urbano muito antigos em Cabo Verde e em todos os territórios de influência portuguesa. É importante realçar ainda o valor estético, associado à Ribeira Brava que está presente nos monumentos do seu centro histórico que se distinguem pela arte e beleza que ostentam. Merecem, no entanto, menção especial: a antiga Sé Catedral, atual Igreja Matriz de Nossa Senhora do Rosário, o Seminário-Liceu que foi farol de cultura na ilha e em Cabo Verde, entre 1866 e finais da segunda década do século XX, as genuínas e vetustas casas assobradas da elite económica local, a antiga Escola Central, datada de 1947, a outrora Enfermaria Regional, construída na mesma época da Escola Central, que são edifícios de inegável beleza estética, representativa da Arquitetura Déco.

Analisando com maior precisão os procedimentos do governo colonial que originou a atribuição do estatuto de Vila ao povoado da Ribeira Brava, menciona-se o respetivo contexto – “Regimento nº 221” (civil e militar), emanado do Conselho Ultramarino a 30 de Agosto de 1731 e “carta do ouvidor geral dessas mesmas ilhas”, sobre o assunto, do “Dezembargador Joseph da Costa Ribeiro de Abril de 1731”.

O conteúdo da carta do ouvidor datada do mês de Abril, viria a ter cobertura legal no regimento referido situado, temporalmente, em Agosto do mesmo ano.

Determinava-se no documento que (…) “se ponha em pratica o que aponta no seo papel, o do Ouvidor, do qual com esta vos ordeno”: O conteúdo da fl 72v do mesmo documento, depois de outras menções, foi encerrado, citando a data de 30 de Agosto de 1731 e local - Lisboa Occidental, referindo que El Rey mandou passar duas vias do mesmo.

Mencionando São Nicolau, entre diversas referências de outras ilhas como Santo Antão, Ribeira Brava já era apontada como vila, na data da elaboração do Regimento que temos vindo a apresentar - 30 de Agosto de 1731, povoada por “260 vizinhos e mais oficiais da Camara e outros a ella concernentes”, fundamentando-se desta forma as condições de da “governança della”.

É neste contexto que se destaca, através deste texto, o momento histórico importante assinalado este ano, por corresponder, para a Ribeira Brava, a um ano redondo (290 anos).

Vejamos, no entanto, mais alguns dados históricos da Ribeira Brava e da Ilha, da qual foi sede administrativa até há pouco tempo. Os mesmos dados, acompanham o seu percurso, até o povoado atingir o estatuto de vila. Acresce-se mais umas poucas referências, depois dessa consagração.

image

O sítio da Ribeira Brava já era conhecido antes de 1696. Após a descoberta da ilha de S. Nicolau a 6 de Dezembro de 1462, muito tardiamente e de modo tímido, começou a ser povoada em 1510, embora sem assentamentos humanos assinaláveis. Entre 1498 e 1696 continuou, praticamente, abandonada e só no final deste período é que a ilha passou a ter assistência permanente de um pároco.Não se tinha criado quaisquer estruturas de poder. A única autoridade residente era um feitor. Teve, assim, esse destino que acompanhou as restantes ilhas de Cabo Verde, à exceção de Santiago e Fogo.

Nesta ilha de S. Nicolau, mais concretamente no seu interior, emergiu o aglomerado urbano da Ribeira Brava, mais ou menos no centro do vale do mesmo nome. A urbe que aí viria a desenvolver é rodeada de um conjunto de localidades, umas dela mais distantes do que outras, como é o caso do Porto da Lapa, situado na parte litoral sul do eixo central da ilha hoje desabitada. Curiosamente, Porto da Lapa foi o primitivo espaço que representou o início do povoamento da porção de terra rodeada de mar em apreço.

O núcleo humano da Ribeira Brava enquanto povoado, ainda sem grande expressão, sucedeu o de Porto da Lapa. Este, cedo se viu abandonado devido, provavelmente, a assédios de corsários e piratas, entre outras razões, o que determinou a mudança da população em direção ao interior, seguramente muito antes de 1696 para o vale da Ribeira Brava (Lopes Filho e Aparício, 1998: 35).

A imagem da povoação da Ribeira Brava, de inícios do Séc. XIX, quando já tinha no seu centro a monumental igreja de uma só torre, tem sido reconstituída, sendo a representação mais elucidativa da sua evolução, um desenho da vila, publicado por António Travassos Valdez em 1864. Como vimos acima, na altura da sua elevação ao estatuto de vila, em 1731, já tinha uma população de 260 moradores e o ouvidor geral José da Costa Ribeiro considerou essa realidade, suficiente para a criação de uma vila, com a respetiva Câmara (Teixeira, 2004: 34). Para esse oficial régio, de entre esses moradores, poderiam sair os funcionários locais que haviam de existir para possibilitar a afirmação de um poder municipal, ou seja, juízes ordinários, vereadores e mais officiaes da câmara e outros, a ela concernentes. Nessa evolução, era esperado, com a elevação do povoado a vila bem como o contributo dos juízes ordinários, vereadores e mais oficiais da câmara, ter-se criado as condições para o desenvolvimento urbano do burgo.

A expetativa de crescimento urbano veio a ser concretizada, a ponto de atrair a sede do bispado para a mesma, em 1786. A presença da sede da diocese estimulou, ainda mais, o desenvolvimento da urbe. Na época, revelava no seu aspeto geral, a fisionomia da urbe que havia de chegar aos nossos dias, com seus monumentos, sendo de se destacar a Igreja ao centro da Vila, rodeada de várias construções, principalmente habitacionais, das mais diversas tipologias.

Finaliza-se ressaltando que o percurso histórico relatado, produziu monumentos bem evidentes no centro histórico da Ribeira Brava que se distinguem não só pela sua arte e beleza, como também pela ordem funcional e simbolismos que os ligam a momentos históricos sempre lembrados, principalmente, nesta altura em que se comemoram os 290 anos da sua elevação a vila.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1031 de 1 de Setembro de 2021.

Concorda? Discorda? Dê-nos a sua opinião. Comente ou partilhe este artigo.

Autoria:Lourenço gomes,6 set 2021 9:11

Editado porAndre Amaral  em  1 out 2021 14:19

pub.

pub.

pub
pub.

Últimas no site

    Últimas na secção

      Populares na secção

        Populares no site

          pub.