Durante estes dois mandatos, assumi o papel de Primeira Dama da República de Cabo Verde, dando o melhor de mim para usar esta visibilidade e condição de mulher do PR para ajudar as associações da sociedade civil a prosseguirem os seus objetivos. Colaborei, na medida das minhas possibilidades, com todas as que solicitaram a minha intervenção. Tendo sido designada madrinha de Honra das Aldeias SOS de Cabo Verde, tive uma relação muito mais estreita com esta organização. Vivi as alegrias e desafios das Aldeias SOS e tentei sempre estar presente e, também, levar os objetivos desta para todo o lado onde fui. Um trabalho que agora continuarei de uma outra forma, mas com o mesmo empenho. Igualmente no que respeita à Colmeia (Associação de pais e amigos de crianças com necessidades especiais) e as outras todas associações. Estarei sempre disponível para continuar a minha colaboração ativa.
Ao longo destes 10 anos também fiz ouvir a minha voz em causas que me são muito caras e não quis calar quando o meu coração de mãe e mulher se inquietou com certas situações ou omissões. Ter uma voz, saber que ela tem força para obrigar a agir ou, pelo menos, a forçar a reflexão sobre o que se passa, obriga-nos a falar. É um ativo demasiado precioso para não ser usado com inteligência e no momento certo.
Com muita satisfação pessoal, tenho recebido inúmeras manifestações de agradecimento pela minha postura e atuação. Ainda há dias, recebi uma homenagem tão bonita, sincera e que reuniu tantas organizações da sociedade civil e pessoas individuais que quiseram prestigiar o evento com a sua presença, que me deixou realmente muito feliz.
Mas há uma pessoa que, não obstante ter sido sempre muito acarinhada e protegida por tantas pessoas (família, amigos e gente anónima) merece, o maior agradecimento.
Uma pessoa que tinha apenas 8 anos acabadinhos de fazer quando o primeiro mandato começou e que durante dez anos partilhou o tempo que era dela com outras crianças, com o país. Sim, falo da minha filha, hoje uma jovem adulta de 18 anos.
Ela, como muitas crianças filhas de políticos, vêem-se, de um momento para o outro no meio da ribalta, na sequência do que acontece aos seus pais.
A minha filha desde que nasceu que me acompanha na minha vida profissional. Com ela eu soube, efetivamente, o que era ser uma profissional com uma carreira muito ativa a viver a maternidade. Não querer falhar com os meus deveres com uma bebé ainda em fase de aleitamento materno e ter de viajar para a ilha Brava para um julgamento, sem saber quando conseguiria voltar, era um problema. Felizmente, ao contrário da maioria das mulheres, o meu trabalho como profissional liberal e com um bom nível de rendimentos permitia-me levá-la para todo o lado, sempre acompanhada também da sua babá.
Muitas lutas pelos direitos das mulheres ganharam maior compreensão para mim, quando tive de enfrentar o desafio de ser mãe e profissional liberal. Numa altura em que nós advogados ainda não tínhamos acesso à segurança social e, portanto, sem licença de maternidade. A luta para que a todas as mulheres trabalhadoras seja garantida a licença de maternidade ganhou mais força e mantêm-se até hoje quando oiço as histórias de tantas mulheres no trabalho informal. É preciso que todo o trabalho dê acesso ao regime da segurança social com direito a todos os benefícios.
Mas, também, com a minha filha, percebi a necessidade de organizar o tempo de intervenção profissional, social e cultural. Passar horas e horas no escritório não pode ser quando se tem uma criança em casa. É preciso reservar um tempo para estar com os filhos, acompanhar as suas brincadeiras, o seu dia a dia, as atividades escolares, participar nelas. Ter um momento que é só da criança e da mãe, é muito importante. Por isso, o horário de trabalho e a sua distribuição tem de ser regulamentado de forma a que os progenitores possam ter tempo para estar com os filhos.
Mas se a nível laboral muitas questões se levantam e exigem medidas de compatibilização entre o trabalho e a maternidade, também a outros níveis sociais a mulher mãe tem mais desafios. A participação política das mulheres que têm filhos pequenos é sempre mais complicada. Ou têm família que apoia e cuida dos filhos, ou têm rendimentos que permitem ter babás por mais horas, ou então quase sempre desistem. Mas não pode nem deve ser assim. É possível encontrar soluções que permitam à mulher participar ativamente na sociedade sem descurar os cuidados com os filhos. Isso passa, naturalmente, por uma parentalidade responsável, mas também por existência de equipamentos sociais, como creches, espaços onde as crianças possam ficar quando saem da escola, etc. Mas exige também uma nova organização das estruturas políticas, onde as reuniões deixem de ser marcadas para altas horas da noite e passem a ter lugar em horários e lugares que permitam às mulheres estarem presentes. A perceção deste fator também o tive por experiência própria e por conversas com outras mulheres que sentem dificuldade em participar em reuniões marcadas para horas em que têm de assegurar a refeição dos filhos e que os mesmos se deitem a tempo de terem um saudável descanso.
As minhas intervenções a nível das questões educativas foram quase sempre resultado da vivência da minha filha numa escola pública. De igual forma, no que se refere ao programa de vacinação. Tudo o que eu ia vendo que faltava, que estava mal, eu sabia que não bastava resolver para a minha filha. Era a chamada de atenção para que os poderes públicos resolvessem para todas as crianças.
E ao longo destes 10 anos, sempre que eu saí de casa para estar com outras crianças, jovens, adultos, idosos, sempre que viajei pelo país para que as oportunidades oferecidas pela presidência da república não ficassem só na Praia, sempre que aceitei participar num evento num fim de semana, sempre que tive de estar em atos oficiais, muitas vezes implicando viagens por vários dias, a minha filha ficou sem a sua mãe.
Num tempo em que as redes sociais estão ao alcance de todos, para o bem e para o mal, muitas vezes tive de explicar à minha filha que não podia ficar aborrecida quando falavam isto ou aquilo do pai ou da mãe, que ela se concentrasse nas milhares de coisas boas que ouvia sobre os pais e esquecesse as maldades de certas pessoas. E isto não é fácil para uma criança que está em fase de formação.
Felizmente, a bondade que rodeou o crescimento da minha filha foi infinita e ela também beneficiou de muito carinho, proteção e orações de pessoas que nem conhecemos, mas que nos amam. Por isso, cresceu bem e é uma jovem adulta que me orgulha, com todos as questões normais da idade dela.
Mas, não posso, nem quero deixar de fazer este reconhecimento público por tudo o que ela me ensinou e alertou em benefício de todas outras crianças; por todo o tempo que a mãe devia ter reservado exclusivamente para ela e partilhou com outras crianças e com o país; por todas as vezes que por causa das minhas intervenções públicas ele teve de ouvir e ler coisas que ninguém gosta que se diga sobre a sua mãe.
Digo, pois, obrigada, filha, por teres dado uma parte de ti ao teu país e teres ajudado a tua mãe a servir melhor Cabo Verde.
Praia, 8 de novembro de 2021