Para uma boa leitura de um romance ou de um poema

PorFrutuoso Carvalho,3 out 2022 7:42

Faz, esta semana, um mês que publiquei o meu primeiro livro, intitulado: Mãe, sua benção!», cuja apresentação esteve ao cargo dos escritores António Ludgero Correia, na Praia, concretamente na Livraria Pedro Cardoso, na Fazenda, e Hermínia Ferreira Curado, em Pedra Badejo, mais concretamente no restaurante «Falucho, Paradise».

Pelas reacções recebidas, através de conversas e comentários, uns elogiosos e outros não tanto, aproveito o ensejo para dialogar com os leitores alguns aspectos sobre a leitura de um romance ou de uma poesia.

Tanto o romance como a poesia fazem parte do género literário em que a língua perde o seu valor utilitário, pragmático – linguagem denotativa - para assumir o domínio da linguagem conotativa. Como é sabido, mas é bom repeti-lo aqui e agora, a linguagem conotativa não comunica, mas sim sugere ideias, temas imagens etc., de modo que ler um romance ou um poema não é a mesma coisa que ler um jornal ou um artigo científico das diferentes áreas do saber, quer sejam antropologia, sociologia, medicina, história, etnografia, entre outras.

A literatura é o domínio privilegiado onde a linguagem se constrói, se transforma, se modifica e se torna numa linguagem abstracta e flutuante. A literatura provoca o sentido das coisas que o leitor pode ou não ter capacidade para decifrar. Portanto, ler, interpretar um poema ou um romance não é tarefa fácil, pois trata-se de obras de arte.

Tomemos, como exemplo a leitura de um romance. A primeira advertência é, sobretudo para aqueles que não dominam a literalidade dos dois circuitos de comunicação que um romance encerra: um exterior (fora) da obra e outro interior (dentro) da obra.

Analogamente à comunicação linguística, a comunicação literária tem os seus intervenientes na comunicação.

Na comunicação exterior à obra, destacam-se: Autor – Obra – Leitor. São três elementos físicos. A obra é a mensagem que circula entre os dois interlocutores humanos, de carne e osso.

Na comunicação interior da obra intervêm: Narrador – Estória – Narratário. São três elementos fictícios, apenas seres de papel, criados pela imaginação daquele que assume a condição de feitor da obra; é, portanto, um criador; e é este criador que chamamos de autor.

Se é verdade que o autor é responsável por tudo, uma vez que tudo criou, não é menos verdade que no interior da obra a responsabilidade é do narrador. É este que conta, narra a estória. É a ele que se deve exigir toda a explicação do que se passa no interior da obra.

Na obra literária tudo tem um significado oculto e cabe ao leitor descobri -lo não com a leitura de um turista apressado, mas com a leitura de quem quer descobrir para além da linguagem denotativa. Ou seja: deve ler com olhos de literatura e não com olhos de ciência.

Falando do narrador, vem-me à mente o brilhante professor de Literatura, Doutor Alberto Carvalho, com quem aprendi que «quem escreve uma obra, não é quem fala nela e quem fala nela, não é o que é». Pensem, por exemplo, no romance Chiquinho de Baltasar Lopes. Chiquinho é o narrador da obra, Baltasar Lopes é o autor. Chiquinho, numa técnica narrativa analéptica começou a obra em idade adulta «Como quem ouve uma melodia muito triste, recordo a casinha em que nasci, no Caleijão.», mas o discurso narrativo também é assumido por Chiquinho, enquanto criança e adolescente, consoante a fase da vida que atravessou.

Da poesia, lembro-me de um poema do Valentinous Velhinho, inserto na obra: «Tenho o infinito trancado em casa»:

«O Mar

A bordo da casa

Onde nasci.»

Numa página inteira, apenas estes três versos, simbolicamente colocados na parte inferior esquerda. A disposição dos versos e o branco da página não produzem sentido? É preciso que o leitor o descubra. Até uma linha em branco é possuidor de sentido. A linguagem escrita também tem o seu significado. Não há erro na linguagem do narrador e nem na das personagens. O leitor é que deve ter a perspicácia suficiente para mergulhar fundo e emergir com o encanto e a beleza da linguagem, da mensagem.

Não se esqueça, caro leitor, de ler em torno de cinco categorias fundamentais, a saber: o narrador, a acção (estória), as personagens, o tempo e o espaço. Talvez o ajude a perceber melhor!

Finalmente, o título: «Mãe, a sua benção!» Esta última palavra tem duas grafias: uma popular e outra clássica. A forma preferencial de sua escrita é bênção, com acento circunflexo no «e». Mas a palavra benção, sem acento circunflexo no «e», está dicionarizada e reconhecida na língua portuguesa. O plural de bênção é bênçãos, mas o plural de benção é benções. É sem acento circunflexo que condiz com o narrador/personagem! Confere um regionalismo, com uma carga psicológica muito forte. Sabe porquê, caro leitor? É aqui que entra o seu raciocínio, a sua especulação. Ponto Final.

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Tópicos

Literatura

Autoria:Frutuoso Carvalho,3 out 2022 7:42

Editado porAndre Amaral  em  3 out 2022 9:51

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