Em alguns a tendência é para o envelhecimento como é o caso da Europa. Noutros nota-se o rejuvenescimento e fala-se, por exemplo, da África como o continente mais jovem no ano 2050. As migrações dirigidas para várias partes do mundo, em particular para Europa, Estados Unidos da América, Canadá e Austrália têm na origem, entre outras razões, a tentativa de repor algum equilíbrio designadamente quanto à mão-de-obra, que é deficitária em alguns países e regiões e excedentária noutros.
Cabo Verde um arquipélago com uma população jovem e elevada taxa de desemprego de há muito que tem participado nesse movimento migratório global. Isso deve-se à sua condição de país prejudicado pelo afastamento, insularidade, pequena superfície, relevo e clima difíceis, e por uma economia muito pouco diversificada. As secas cíclicas agravam a situação e limitam a actividade económica a uma agricultura em grande parte de subsistência, à prestação de serviços e recentemente ao turismo. Incapacitado por isso de absorver a sua população jovem que ainda para mais tem-se massivamente escolarizado nas últimas décadas ao nível do básico e do secundário, o país só pode assistir à sua crescente emigração em direcção à Europa e à América. O resultado viu-se nos dados do censo geral da população organizados e divulgados pelo INE em 2012 que deram conta que a população tinha diminuído no arquipélago. Em vez dos cerca de 550 mil habitantes esperados, ficou-se pelos 483.628. Foi uma surpresa geral quando talvez não devia ter sido.
Se no passado a demografia era destino, agora que o país é senhor das suas políticas, devia ter os mecanismos para atingir um outro resultado que, mesmo que fosse a emigração, tivesse uma intencionalidade e uma qualificação que potenciasse todo o investimento feito nas pessoas. As Filipinas fazem isso com aposta em profissões nas áreas da saúde e marinha mercante e na Índia em áreas da ciência, matemática, engenharia e tecnologia de informação e comunicação. É verdade que o fluxo espontâneo para a emigração beneficia as pessoas, os familiares e o país pelo rendimento e as remessas que gera. Também investimentos futuros em negócios diversos e construção de casas trazem ganhos para a economia nacional. Potenciado, porém, com políticas públicas dirigidas para conseguir formação certificada por padrões aceites na União Europeia, a emigração teria um outro alcance.
Não o carácter aparentemente informal a que se vem assistindo nos últimos tempos de recrutamento de trabalhadores para Portugal com possíveis perdas para os próprios por falta de garantias suficientes e prejuízos para as empresas que de repente se veem sem trabalhadores e terão que formar outros para continuar a prestar serviço. Já há algum tempo que era previsível o aumento em Portugal da demanda de trabalhadores especializados em várias áreas. Eles próprios sofrem o efeito da emigração para outros países europeus. Não se conseguiu prever a situação ou não se agiu em tempo talvez porque muito do que diz respeito a emprego e desemprego em Cabo Verde não é vista de forma sistemática e compreensiva.
Por um lado, não se mostra consistência na forma como se aborda a questão do emprego designadamente quanto à ligação entre formação e mercado de trabalho e à necessidade de estruturação e formalização da economia. Também se age como se migrações internas não fossem inevitáveis face aos enormes investimentos feitos e ao número de postos de trabalho criados. Ainda hoje percebe-se que não se imprimiu a necessária urgência na criação de condições de trabalho nos locais e ilhas no que respeita à habitação bem como à saúde e educação. Paradoxalmente, o que mais se ouve são apelos para a criação de condições para as pessoas ficarem nas suas ilhas e nos seus municípios. Até se promete portos e universidades para as pessoas não deixarem as suas respectivas ilhas e também para não emigrarem. Queixa-se que as populações mais vulneráveis e pobres estão nas zonas rurais e no momento seguinte promete-se que tudo será feito para lá ficarem. Repete-se a falácia que é possível construir uma economia que as pode assegurar os rendimentos para as tirar da pobreza.
Fica-se com a impressão de que predomina no país uma visão estática e não dinâmica da movimentação de pessoas, de mão-de- obra, de cultura e do saber. Por isso que não se pôde prever as migrações internas e evitar os problemas graves que existiram e ainda existem por exemplo na ilha do Sal e da Boa Vista. Por essa mesma razão também não se considera qualificar para emigrar. Como que não entra na equação que Cabo Verde tem as características de afastamento, insularidade, pequena superficie, população diminuta, relevo e clima e falta de diversidade económica que a União Europeia qualifica as suas regiões ultraperiféricas como Açores, Madeira e Canárias e as subsidia largamente e em vários sectores designadamente dos transportes aéreos e marítimos. Cabo Verde é tudo isso e em algumas coisas multiplicado pelas nove ilhas.
Seria bom que os governantes e toda a classe política tivessem tudo isso em devida consideração quando procuram diminuir o desemprego, combater a pobreza particularmente nas zonas rurais, enfrentar o problema dos transportes e a necessidade de unificação do mercado nacional, garantir a segurança e capacidade de respostas emergenciais em qualquer ponto do território nacional. Podiam adoptar a mesma abordagem para conseguir o maior retorno do investimento que se faz na educação e qualificar profissionais tanto na perspectiva do mercado interno como do mercado externo. A formalização da economia e a estruturação do mercado de trabalho necessariamente exigirá o contributo de parceiros e entidades privadas que devem ser contemplados com pacotes de incentivos tanto para a formação de mão-de-obra como para a certificação dos produtos e serviços e também dos seus profissionais.
A superação dos constrangimentos próprios dos territórios insulares e ultraperiféricos deve ainda considerar a questão da população caboverdiana que é demasiado pequena para se conseguir economias de escala em qualquer sector. O aumento e a diversificação do fluxo turístico constituirão sempre um grande contributo para minimizar o défice populacional. Uma aposta mais permanente seria o turismo residencial e nessa perspectiva a exploração estratégica das necessidades de lazer, sossego e cuidados básicos da população europeia crescentemente envelhecida podia ser o ideal. Para isso, porém, é fundamental que se equacione os problemas do país e, em particular, a questão demográfica. Quando se preparam alterações à lei da nacionalidade e se facilita a imigração há que ponderar todos esses elementos. A demografia pode não ser destino, mas para isso é fundamental que se encontre políticas públicas certas para se ultrapassar os obstáculos que são muitos e complexos a fim de se conseguir produzir riqueza, diminuir o desemprego e combater a pobreza.
Texto originalmente publicado na Edição nº1088 de 05 de Outubro de 2022