Linha «Bu ka sta bô só!»

PorLígia Dias Fonseca,7 nov 2022 11:13

Para a maioria de nós é muito difícil perceber o que faz com que um homem se sinta tão desesperado a ponto de matar uma mulher com quem conviveu, amou, quiçá, teve filhos.

Nos últimos tempos temos sido confrontados com muitas notícias trágicas destas, de homens que matam mulheres com que tiveram um relacionamento e, por mais, que queiramos nos afastar deste horror, não é possível ignorá-lo, pensar que ele não se aproxima de nós. Na verdade, cada vez que uma tragédia destas envolve cabo-verdianos, ela passa a ser uma preocupação de todos nós, tenham os factos ocorrido no arquipélago ou numa das muitas outras partes do mundo por onde a nação cabo-verdiana se espalha.

As redes sociais mostram-nos os rostos das vítimas e dos agressores. Muitas vezes a notícia da morte é acompanhada com uma foto linda da vítima em todo o esplendor da sua vida. E paramos o olhar nessa foto e percebemos a fragilidade do ser humano. Num minuto, o sorriso se transforma em dor e o olhar se espanta perplexo com o inevitável. E o porquê? Vai-se replicando no pensamento de cada um que toma conhecimento da desgraça.

Perante um porquê agoniado de revolta segue-se a responsabilidade de ter de fazer algo que possa ajudar a que atos desta natureza não voltem a acontecer. Mas fazer o quê? Como?

Quem estuda estes fenómenos sociais, sabe que para acabar com a violência é necessário educar para a paz. Esta é uma tarefa que começa quando ainda temos a criança dentro de nós. Os estudos mostram que qualquer tipo de violência a que uma mulher grávida esteja sujeita se reflete na criança que dentro dela está a se formar. Por isso, é importante que todas as mulheres possam sair do círculo de violência em que estejam. Temos, nós mulheres, saber identificar os primeiros sinais de um relacionamento conflituoso. Identificar os sinais e não ignorá-los, não pensar que o tempo vai mudar esse comportamento agressivo e, principalmente, não aceitar que seja normal. Nada que nos cause desconforto físico ou psíquico é normal. Sair de um relacionamento que nos causa sofrimento ou que não nos dá alegria não significa necessariamente uma separação imediata, como muitos temem ter que aceitar.

O casamento, a convivência com um parceiro, a vida a dois é um constante aprendizado. Duas pessoas adultas (muito ou pouco) com as suas rotinas pessoais, com hábitos familiares diferentes, com feitios e humores distintos que decidem empreender uma vida em conjunto, devem começar por tentar se conhecer ao máximo antes de darem o passo decisivo de «juntar os trapos». Mas mesmo que façam esse namoro com tempo de se conhecerem, mesmo assim, quando começam a coabitar e a ter de partilhar teto, cama e mesa, muita coisa continua a ter de ser aprendida. Respeitar o espaço do outro, perceber as fragilidades de cada um, saber ficar em silêncio e ouvir, procurar a solução que deixe ambos felizes, é uma prática constantemente aperfeiçoada ao longo da vida, para que ao olhar o outro se encontre o rosto amigo, companheiro, amoroso e não o defeito, a ruga, a borbulha ou o olhar vazio, impaciente. Isto, para dizer que a decisão de viver com um companheiro deve ser uma decisão consciente e pela qual estejamos prontos a dar o nosso melhor para que essa relação perdure, frutifique e nos faça sentir os melhores do mundo, mesmo em tempos de dificuldades.

Porém, o «a dois» só vence quando cada um também se ama a si mesmo e tem consciência do seu grande valor. Sim, porque cada um de nós tem um valor intrínseco único e insubstituível. Se este amor-próprio, esta dignidade for atacada, desconsiderada, é, em primeiro lugar, necessário lutar contra isso. Se não se consegue fazer sozinho é importante saber que há muitas pessoas, grupos, organismos com competências para apoiar. O apoio aos casais, sejam eles unidos pelo matrimónio ou apenas de facto, é uma ferramenta que não devemos ignorar e a qual se deve recorrer sempre que se sente que o relacionamento conjugal não corresponde ao que se deseja. Esse apoio pode ser prestado por amigos mais íntimos, por grupos religiosos (conheço um que é maravilhoso: os Casais de Nossa Senhora - CNS), ou mesmo por profissionais: psicólogos, terapeutas, etc.

Procurar ajuda de outros, quando o casal já não sabe como se ajudar entre si, é a forma mais inteligente para preservar uma relação.

Muitas pessoas, principalmente os homens, têm dificuldade de dar este passo porque consideram que é uma fraqueza, porque não querem expor a sua situação. Mas é precisamente o contrário. Procurar ajuda de quem tem competência para isso é um ato de muita coragem. E quem dá esse passo tem de encontrar do outro lado gente com capacidade para ajudar. Não é por acaso que vemos em muitos países e também entre nós, a instalação de linhas telefónicas de apoio para diversas situações. Em tempos de facilidade nas comunicações, seria uma iniciativa muita boa, criar uma linha de apoio especialmente destinada aos homens para que pudessem expor os problemas dos seus relacionamentos amorosos. Quantas mortes não seriam evitadas se estes homens em desespero encontrassem um espaço onde fossem ouvidos sem pôr em causa a sua dita masculinidade!

Quanto às mulheres, é interessante perceber que mais facilmente desabafam e se predispõem a aceitar conselhos. Agora é preciso que aprendam a fazer isso nos espaços próprios, onde encontrem outras mulheres capazes de ajudar ou pelo menos de orientá-las na busca dessa ajuda. Com satisfação digo que, dentro de muito pouco tempo, a AMJ – Associação de Mulheres Juristas retomará em força as suas atividades, sendo mais um lugar para fomentar a Paz e aprender a importância de cuidarmos de nós próprias.

Não podemos ficar parados a assistir ao filme de terror dos homicídios de mulheres, seguidos ou não de suicídios do agressor e famílias marcadas pela dor para sempre. Todos nós podemos fazer alguma coisa para acabar com este horror.

Praia, 5 de novembro de 2022

Lígia Dias Fonseca

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,7 nov 2022 11:13

Editado porAndre Amaral  em  7 nov 2022 11:13

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