Antónia Pusich – uma mulher invulgar

PorMário Silva,30 jan 2023 8:02

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​A primeira vez que vi a imagem de Antónia Pusich foi na Biblioteca Municipal da Ribeira Brava, ao lado de fotos de grandes nomes culturais da Ilha de São Nicolau. Muito pouco se escreveu sobre esta mulher e a curiosidade em conhecê-la acompanhou-me ao longo destes anos.

Foi, pois, com satisfação e curiosidade, que tomei conhecimento da publicação do livro de Maria de Lurdes Caldas, Antónia Pusich – Uma Mulher Invulgar. Coloquei de lado outras leituras e afazeres, e comecei a ler o livro, em jeito de empreitada. Não obstante possuir pouco mais de quatrocentas páginas, lê-se bem, como um romance que nos prende pela noite dentro e assume-se como mais forte do que o sono. E o resultado não podia ser mais gratificante!

Maria de Lurdes Caldas, com esta obra, dá-nos a conhecer Antónia Pusich, filha de António Pusich, croata de nascença, que a 1 de Fevereiro de 1791, foi nomeado segundo-tenente da Armada Portuguesa e naturalizou-se português, tendo sido promovido a capitão-de-fragata graduado e nomeado intendente-geral da Marinha de Cabo Verde, a 18 de Março de 1801.

Foi residir em São Nicolau, pelas razões explicadas no livro, e na Ribeira Brava, nasceu Antónia, no dia 1 de Outubro de 1805, segundo uns, mas que a autora põe em dúvida, com os argumentos que apresenta, situando-o, entre 1804 e 1805. Ainda segundo a mesma, para assinalar o nascimento da filha, António Pusich lançou a primeira pedra de uma capela com a invocação a Santo António dos Navegantes, no porto de São Jorge (ou da Preguiça).

Antónia tinha 5 ou 6 anos quando deixou as Ilhas, com o cessar de funções de António Pusich, mas regressou depois, quando o Pai foi nomeado Governador de Cabo Verde, a 6 de Fevereiro de 1818, e viajou para Santiago para tomar posse, como era habitual, tendo permanecido no cargo pouco mais de dois anos.

A revolução de 1820 e os problemas políticos daí decorrentes, levaram o Governador a prestar juramento das Bases da Constituição, no dia 1 de Maio de 1821, na Câmara Municipal da Praia, a contragosto, mas de pouco lhe serviu, pois, a Câmara da Capital comunicou-lhe que já não era Governador e tinha sido eleita uma junta que passaria a assegurar as suas funções.

Antónia Pusich, que contava então 16 ou 17 anos, seguiu de perto os problemas políticos ocorridos na Praia, e não só, até porque secretariava o Pai. Acompanhou toda a saga familiar ocorrida no regresso a Lisboa, passando pelo Rio de Janeiro, onde era suposto encontrar o Rei D. João VI.

Segundo a autora, os dados disponíveis permitem «situar temporal e geograficamente o início da produção poética de Antónia: contava entre 17 a 19 anos, já era casada e foi na Praia, em Cabo Verde, que debutou» e, enquanto teve saúde e forças, não parou, tendo publicado os seus poemas nos periódicos da época, encontrando-se na imprensa, a partir de 1841, vários textos seus.

Escreve Maria de Lurdes Caldas, que «o ano de 1849 foi fundamental – para Antónia Gertrudes e para o jornalismo em Portugal. Antónia fundou a sua primeira folha, e a imprensa periódica portuguesa registou o primeiro título fundado, possuído, dirigido e redigido por uma mulher», A Assembléa Litteraria, jornal d’instrução, precisando que não foi a primeira jornalista, mas sim, a primeira mulher a fundar, dirigir e escrever um periódico, assumindo-se desde o princípio como sua proprietária, directora e redactora.

Para além de uma actividade literária intensa, temas como a protecção das crianças, o aleitamento materno, a instrução das raparigas, a religião, o lugar da mulher na sociedade, designadamente a sua independência económica, ocuparam a sua mente e batia-se nas páginas dos seus jornais por estas causas, partindo da ideia de a escrita ser serviço público de primeira necessidade e que a literatura era das «maiores glorias nacionais», sendo que «em meados dos anos quarenta, Antónia Gertrudes era uma mulher com poder e que sabia que o detinha».

A sua vida pessoal e familiar não foi fácil, pois, a família estava do lado perdedor da guerra civil portuguesa e sofreu na pele as suas consequências negativas; três casamentos na sua vida, ficou viúva pela primeira vez muito cedo, mas as dificuldades não a deixaram depor as armas. Sentia-se cabo-verdiana e orgulhosa da sua naturalidade, tendo criticado o abandono a que o Reino votava as ilhas de Cabo Verde. Faleceu no dia 5 de Outubro de 1883, com 78 ou 79 anos, e não faltaram penetrantes elogios fúnebres.

Em jeito de conclusão, Maria de Lurdes Caldas remata as suas considerações, com esta prosa: «Antónia sofreu a erosão dos anos, dos embaraços financeiros, das batalhas burocráticas, de algumas derrotas políticas, da perda de muitos familiares próximos, da doença e da cegueira, que, já muito próximo do final, a constrangeu a pousar a pena. Se a vida não lhe foi fácil, confortava-a a confiança na almejada consagração na eternidade, ciente que estava de que, um grande génio cahido na adversidade, é semelhante ao sol que declina: esconde-se no presente e brilha no porvir».

Esta obra é extensa, profunda e, às vezes, minuciosa. O seu prefaciador, Nikita Talan, conhecedor da matéria, escreveu que estamos perante uma biografia romanceada, uma monografia monumental.

A leitura deste livro deixa claro que Antónia Pusich foi uma mulher invulgar; também não restam dúvidas de que Maria de Lurdes Caldas tem tido uma produção científica notável, estimulante e iluminante para a história luso-cabo-verdiana. Se em 2019, publicou Os Medina e Vasconcelos – História de uma Família, em três volumes; se em Novembro de 2022, brindou-nos com Antónia Pusich – Uma Mulher Invulgar, em Dezembro do mesmo ano, publicou uma outra notável obra, A Implantação da República em Cabo Verde – Um Abalo de Grande Magnitude, com a chancela da Livraria Pedro Cardoso, cuja venda na Praia está prevista para a segunda quinzena de Fevereiro de 2023.

Se continuar com este ritmo de produção, só possível aos que investigam muito, com paixão e madura reflexão, Maria de Lurdes Caldas, numa perspectiva luso-cabo-verdiana, abre alas para ser considerada uma historiadora invulgar. A autora está de parabéns. Não é todos os dias que se escreve uma obra com esta profundidade, enquadrando a biografada na sua época, do ponto de vista político, social e cultural.

Agora que ficamos a conhecer a vida de Antónia Pusich, o passo natural é estudarmos a sua obra e, a este propósito, a autora coloca à nossa disposição um manancial muito grande de informações, que facilita o trabalho investigativo dos que querem trilhar este caminho. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1104 de 25 de Janeiro de 2023.

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Autoria:Mário Silva,30 jan 2023 8:02

Editado porAndre Amaral  em  2 fev 2023 21:21

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