Louvor, Condecoração, Premiação e Culto de Personalidade

PorAntónio Ludgero Correia,6 fev 2023 8:20

“Não existe um homem totalmente inútil; em último caso, serve como mau exemplo.” Wilson Sanches

As sociedades, as organizações (militares, políticas e civis), e mesmo os indivíduos, sempre precisarão de uma bússola moral para se guiarem. Haverá sempre necessidade de distinguir os excelentes dos bons e estes dos medianos. E todos têm um momento e um protocolo especial para o efeito.

Me lembro do efeito que teve sobre a minha pessoa, na juventude, este enunciado (já não me lembro se de um almanaque, se de uma edição das Seleções Readers Digest):

“Quem não sabe e sabe que não sabe é um coitado - Ajude-o

Quem não sabe e não sabe que não sabe é tolo - Afasta-te dele

Quem sabe e não sabe que sabe é simples e humilde - Incentiva-o

Quem sabe e sabe que sabe é sábio - Junta-te a ele

Estoutra, um provérbio luso, também me marcou muito:

“Junta-te aos bons e serás um deles; junta-te aos maus e tornar-te-ás pior do que eles”

E quando, já adulto e tralhando com treinamento de Recursos Humanos, ficou bem vincada a necessidade de se trabalhar com “DISTINÇÕES”, “PREMIAÇÕES”, “RÓTULOS” e outros sistemas de catalogação.

É imprescindível que as organizações assinalem devidamente os seus heróis e vilões. Assim, no processo de integração dos novos elementos à cultura da organização, sabe-se quem apontar como exemplo a seguir e de quem se deve manter distância.

O nome do empregado do mês que se afixa no quadro de avisos da sede; o louvor do Diretor-Geral ou do Ministro concedido a um funcionário; o relógio de ouro que se entrega ao executivo que vai para a reforma; a placa que se entrega ao agente da ordem que passa à disponibilidade; as medalhas concedidas aos militares que se destacam em campanha; são alguns dos instrumentos a que as organizações recorrem para distinguir os elementos que se destacaram pela mais valia que representaram para a organização.

O Quadro de Honra onde são exibidos os nomes dos melhores alunos da escola é outro instrumento para indicar, aos demais, aqueles que devem ser assumidos como exemplos a seguir.

As condecorações com que o Chefe de Estado agracia alguns cidadãos constituem uma forma de mostrar aos cidadãos de um país, e não só, as pessoas que se distinguiram nas diversas áreas de atuação – cultura, desporto, administração e gestão, solidariedade social, etc. Por vezes há algum exagero no rol de condecorações que se atribui, de uma única assentada, mas as condecorações em si são importantes, mormente nestes tempos de anomia, em que, mais do que nunca, é preciso assinalar e distinguir os bons (os heróis) e apontar o dedo aos maus (os vilões).

Mas as práticas neste capítulo não ficam pelos louvores, condecorações e Quadros de Honra.

Na sétima arte há o Óscar, o Leão de Ouro, etc., distinguindo aqueles que, em cada ano, se destacaram, pela QUALIDADE, no setor – melhor filme, melhor ator e atriz principal, melhor ator e atriz secundário, melhor realizador, and so on. Porque nem todos têm a mesma performance, há que tratar diferente o que não é igual.

Temos o PULITZER para o jornalismo; o Nobel para a Literatura e para várias áreas de atuação; para além dos prémios distribuídos em galas e certames equiparados; sempre com a preocupação de distinguir os melhores.

Em matéria de premiação, o futebol deve ser dos setores onde se tem levado um isso mais a sério. Desde o “HOMEM DO JOGO” (um pedaço de vidro trabalhado, mas a intenção é que conta) às botas, bolas e luvas de ouro. O desempenho de alta qualidade é devidamente reconhecido e premiado, com divulgação a nível planetário.

Os habituais candidatos às botas, bolas e luvas de ouro são profissionais com ordenados de seis dígitos e em euros. Mas a FIFA sabe que os prémios têm um sabor especial, razão porque os administra com parcimónia e seriedade (veja-se o caso dos golos com participação de defesas e/ou goleiros contrários, os quis são descontados na hora).

Complicado é o sistema de reconhecimento e catalogação daqueles que se destacam em guerrilhas e guerras e lutas políticas pela autodeterminação.

Começam por ser rotulados como terroristas. Vencendo a contenda ou contando com uma oleada máquina de propaganda, tornam-se heróis. E é aí que se tornam necessários protocolos de certificação.

Convivemos com a guerra da Ucrânia que está travestindo a Ucrânia em país democrático e Volodomir Zelensky em democrata, quando todos nós sabemos que a Ucrânia nunca foi um estado democrático e Zelensky nunca foi democrata. O simples facto de um estado iliberal, comandado por um autocrata, ter invadido – à revelia do direito internacional público – a Ucrânia não pode fazer com que se faça daquele país uma democracia e de seu líder um democrata. Um exemplo e pêras das confusões que se aprontam nesses casos.

Mas é facto que guerrilhas e guerras e lutas políticas pela autodeterminação geram heróis, assim como fazem vir ao de cima o que de pior há no ser humano, gerando, também, vilões, desertores e traidores.

O problema é que se é certo que os vilões, traidores e desertores acabam sendo descartados no processo, a verdade é que há a tendência para exacerbar os heroísmos. Casos há até de cultos de personalidade que se instalam na sequência.

Mas é mais exceção do que regra. Até porque o culto de personalidade é, normalmente, imposto pelo poder que emana da personalidade cultuada, não sobrevivendo ao de cujus. O culto a MAO TSÉ TUNG, FIDEL CASTRO, KIM IL SUNG & Sucessores, Lda não lhes sobreviverá.

Confúcio e Sun Tzé serão eternos, mas Mao foi efémero; os extratos dos discursos do líder cubano que ornam as paredes das universidades e outros lugares públicos, logo logo deixarão de suscitar a atenção dos visitantes e, mais tarde ou mais cedo, serão retirados; na Coreia do Norte finge-se que se cultua a personalidade do Grande Líder. Aliás, não é só na Coreia dos Sung que isso acontece: nesses territórios existem invariavelmente subterrâneos de Liberdade que seguem minando e combatendo, silenciosamente, a credibilidade do cultuado.

Fidel seguirá sendo o herói de Sierra Maestra e da resistência ao sufoco imposto a Cuba pelos Estados Unidos da América; mas, se culto de sua personalidade houvesse, acabou ou está em vias de acabar; Xi Jinping varreu para a lixeira qualquer resquício de eventual veneração a Mao; os Sung foram, são, e continuarão sendo, anacrónicas aberrações.

De José Estaline, Hitler, Moussolini, Oliveira Salazar, Ceausesco, Enver Hoxha, Broz Tito disse-se e se continuará dizendo que foram ditadores. Conquanto se omitam condenações a seus sicários, não há dúvidas que só conseguiram as tropelias que fizeram graças a esses biltres e à postura de complementar assumida pelos cidadãos.

De Amílcar Lopes Cabral, o homem que disse que era um simples africano que quis viver o seu tempo e saldar a sua dívida para com o seu povo, o que se poderá dizer? Onde enquadrá-lo?

Não tenho dúvidas que Cabral foi um herói da luta de libertação. Eu sei que os meus patrícios acham que os heróis internacionais são figuras magníficas, de moral ilibadíssima, imortais; mas a verdade é que os heróis - nacionais, internacionais e internacionalistas – são seres humanos. Do pó vieram (viemos todos) e ao pó tornarão (retornaremos todos). Porquê, então, estranhar que, eventualmente, tenham pés de barro?

Celebremos os nossos heróis de ontem, de hoje e de amanhã que eles não são menos do que os heróis estrangeiros que passamos o tempo todo a cultuar. Um povo resiliente como o nosso – que aprendeu com as cabras a comer pedras para não perecer - só não ostenta mais heróis porque somos demasiado exigentes. Houve-os no passado e temo-los no presente e seguiremos produzindo-os no futuro. É só identificá-los e fazer-lhes a devida vénia.

Se celebrasse o Dia dos Heróis Nacionais, celebrá-lo-ia em memória dos que já partiram e tiraria o chapéu aos que, HOJE, pontificam nas achadas e fajãs do arquipélago e nas ilhas da diáspora.

Mas não embarco em cultos de personalidade, nem, tampouco, em teorias de conspiração. E, nesta empreitada, valoroso povo cabo-verdiano, vou querer #seguidores.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1105 de 1 de Fevereiro de 2023.

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Autoria:António Ludgero Correia,6 fev 2023 8:20

Editado porAndre Amaral  em  6 fev 2023 8:20

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