A música de Ano Nobo em tocatina, amigos e seguidores do mestre

PorPaulo Lobo Linhares,13 fev 2023 9:44

Quantas foram as vezes que o grupo de músicos abaixo referidos, ter-se-á sentado nas soleiras das portas, no meio dos verdes-sombra ou até nos quintais das casas, para juntos tocarem por entre brisa fresca e notas soltas? Muitas certamente.

Muitas certamente, também terão sido as vezes que as cordas destes filhos de São Domingos se soltaram e alegremente fizeram quem estava perto aproximar-se, sorrir, rir, sentar e dançar sentado.

Falo dos discípulos e filhos de um dos nomes maiores da São Domingos e da nossa música – Ano Nobo.

Ano Nobo ou Fulgêncio da Circuncisão Lopes Tavares nasceu em São Domingos no primeiro dia do ano de 1933, há 90 anos. Desde cedo foi arrebatado pela música. Deixou-se levar, fez-se música e nós ganhamos um dos mais notáveis compositores cabo-verdianos. Consta que terá composto mais de 400 temas. Ficou célebre um “caderno” onde, segundo o amigo Pascoal, eram registadas as músicas que compunha. Foi intérprete de excelência e teve a mestria de deixar o legado da música aos filhos. Na verdade, terá também herdado a música do pai (que herdou do avô), e que quando morreu deixou alguns instrumentos, inclusive um violão …provavelmente ainda com a marca dos dedos dele nas cordas… para o filho. Talvez, imagino eu, que por entre o violão, as notas do cavaquinho que aprendeu com o pai, e as noites estreladas de São Domingos, o pequenino Fulgêncio dormisse embalado e sonhasse com o que viria a ser realidade – ter ficado na nossa história como compositor, instrumentista e umas das figuras principais da música de Cabo Verde, pelo legado que deixou em forma de humilde e sábia partilha.

Mas se a paixão pela música foi intensa e vivida, o músico foi muito mais: um todo que não quis guardar nada com ele. Por isso, passou nas tocatinas e encontros musicais a sua paixão e amizade (também musical) aos amigos (como o nome de referência da nossa cimboa – Pascoal e certamente muitos mais…). Ao falar com Pascoal, o mesmo terá dito que “Ano Nobo era “mó fradu” - cultivava o dar. Certamente por tal, terá sido tão grande na música…a música é dar. Aliás, tal humildade é bem espelhada nos filhos que conheço melhor: Afrikano e Fani.

Na verdade, saíram do colo do pai um grupo de músicos hoje também figuras de referência do nosso panorama instrumental. Entre eles Nono, Afrikano e Fani que …num dia igual ao das tardes de verde brisa, se juntaram a Pascoal para gravar esta reserva de paixão musical e alma, que ficou guardado nas fitas da editora Norte-Amerina “Ostinato”.

A mesma recolheu – quase que em formato “field recording”, em mistura de conversa entre os músicos e a tocatina, numa elevada produção da Ostinato – momentos únicos que fizeram o álbum de hoje referência do formato de um tempo onde as tocatinas nos encantavam … encantavam quem ouvia e quem tocava e… juntos perdiam-se no tempo, pois este deixava de pautar seja o que fosse. As horas passavam a pertencer à música e não ao tempo. Ouvem-se explicações dos temas nas conversas de Pascoal, a imponência do ritmo a solo do cavaquinho que creio ter passado de mão em mão entre Fani e Afrikano, assim como talvez o tivessem feito quando pequenos com os brinquedos. Prestando bem atenção, ouve-se ainda a tal verde brisa, o célebre afinar dos instrumentos entre os temas e até estórias de pessoas que passei a conhecer através do disco …por exemplo, o Òmeta, qua não tendo gravado o disco, esteve lá…

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“The Ano Nobo Quartet – The Strings of São Domingos”, reúne tudo o que falei até agora e está disponível em formato digital, CD e vinil, já à venda em Cabo Verde, nos pontos de referência e representado e distribuído pela label inSulada.

Fez furor no estrangeiro quando saiu, sobretudo nos amantes da música onde a paixão dita as regras, traz lembranças, acelera os sentimentos e tudo passa a ser momento – cantado e contado, porém não contável…

Deixe-se assim levar por este “Ano Nobo Quartet”, para ouvir e reviver ou viajar em tocatinas de temas ligados a um dos nomes maiores da nossa música…talvez um pouco esquecido (reservando esta opinião exclusivamente para mim).

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1106 de 8 de Fevereiro de 2023.

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Autoria:Paulo Lobo Linhares,13 fev 2023 9:44

Editado porAndre Amaral  em  14 fev 2023 13:42

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