Uma preocupação que lentamente se ia dissipando nos meses restantes. Os leitores desta crónica provavelmente se lembrarão de um post meu em que gritei: não me ofereçam flores no dia 8 de março. Não quero flores num dia e passar o resto do ano a ser picada toda a hora com as injustiças mais indecentes e incompreensíveis. Cabo Verde está a dois anos de completar cinquenta anos de estado independente e soberano. Há 33 anos que vivemos em democracia. Uma democracia que nos orgulha e serve- nos de referência elogiosa em toda parte do mundo. Cá dentro somos exigentes ( felizmente) e queremos mais. Exigimos mais responsabilidade à classe política, fiscalizamos melhor a governação e a aplicação dos recursos públicos, e não nos calamos quando pensamos que temos razão. Talvez nos falte ter um pouco mais e melhor consciência da Liberdade e ter atenção e maior cautela com alguns fenómenos tendentes a restringir a mesma. Mas esta democracia que queremos e temos de melhorar, foi ela que nos trouxe, a nós mulheres, a possibilidade de tomarmos consciência dos nossos direitos e de reivindicarmos a sua realização efetiva. Com a Democracia vimos as primeiras mulheres a assumirem cargos governamentais e a criação dos mecanismos necessários para que consigamos estar em todos os lugares de decisão política. Melhoramos a nossa participação na Casa do Povo, nos conselhos de administração de muitas empresas, no poder local, nas organizações sindicais e temos uma palavra forte , também a nível do sector empresarial com as associações de mulheres empresárias, designadamente a AMES. Falta-nos chegar ao Palácio do Plateau e, também, à presidência das câmaras municipais. Teremos de apressar o passo e trabalhar muito para isso. Mas trabalho nunca foi um problema para as mulheres! A violência contra as mulheres e meninas ainda continua assustadora, principalmente porque se desenrola nesse lugar que devia ser de paz e segurança que são as nossas casas e só se revela no momento trágico. Lutar contra esta violência, contra as suas causas é uma atitude permanente, não podemos baixar os braços. Por isso a educação que damos aos nossos filhos é um dos elementos fundamentais. Criar e educar as nossas filhas para serem mulheres independentes e responsáveis , capazes de impor o seu não ao mesmo tempo que desenvolvem a sua capacidade de amar, a compaixão pelos outros e a compreensão de que podem liderar sem precisarem de se masculinizar é, na minha opinião, um bom contributo para termos uma sociedade melhor. Este desígnio que como Povo nos impusemos de construir uma sociedade livre, justa e solidária exige que se olhe para a condição da mulher cabo-verdiana e se adotem as medidas políticas e sociais que permitam que as mulheres deem a sua contribuição. Eliminar encargos, criar apoios, investir em equipamentos sociais são prioridades neste processo de igualdade. Por isso chamo a atenção para medidas que têm sido tomadas nos últimos anos que muito têm ajudado : O plano de cuidados, a vacina contra o HPV, a eliminação de alguns impostos na importação de pensos higiénicos, o regime especial para estudantes grávidas e puérperas, etc. Muitas áreas onde existem situações que acabam por constituir barreiras paras as mulheres estão ainda por desbravar. Mas temos de ser nós mulheres a mostrar onde as coisas estão mal e como devem ser mudadas. A nossa voz é necessária. Precisamos que as mulheres que estão no poder não se esqueçam da sua condição de Mulher e das necessidades próprias dessa condição. Não se esqueçam , ao decidir, que as medidas se destinam a homens e mulheres e, por isso, não podem ignorar as necessidades de uns e de outros. São vários os estudos feitos que mostram que quase tudo é legislado tendo em consideração o homem. Até a nível da medicina, a investigação é feita considerando as características do homem. E não só, já repararam que os bons telemóveis têm a dimensão ideal para as mãos da generalidade dos homens? É, pois, preciso estar sempre atentas a tudo. Quando se pretende construir uma estrada, pensemos : qual a estrada que melhor serve as mulheres dessa localidade ? As mulheres que ainda são as que maioritariamente levam os filhos de um lado para o outro. O dia 8 de Março serve, pois, para chamar a atenção para todas as desigualdades que existem e oprimem as mulheres. Neste dia celebramos muitos sucessos alcançados pela humanidade, alcançados entre nós neste arquipélago, também. Temos de recordar tudo o que já foi feito porque o futuro é construído sempre tendo em atenção o passado. Mas neste dia, façamos também um minuto de silêncio por todas as mulheres assassinadas por lutarem pela liberdade, por todas as meninas violadas por serem meninas, por todas as que desesperadas vendem a sua dignidade num mundo em que nos distraímos com fait-divers e egoísmos e não olhamos para a irmã que silenciosamente nos suplica por ajuda. Que o 8 de março seja sempre um dia de glória, de consciencialização e afirmação das Mulheres. Um dia de todas as emoções que vivemos no resto dos dias.
O dia de todas as emoções
Começa o mês de março e por toda parte surge o tema da mulher. Mulher em todas as suas dimensões, discriminações, sucessos, números. Um verdadeiro check up feminino. Há uns anos para cá, bastava aproximar-se este mês e eu começava a ficar nervosa , até mesmo irritada, considerando uma farsa essa preocupação pontual sobre a mulher.
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