Outrora, das principais ilhas de Cabo Verde, sede de facto de Governadores-Gerais e Bispos, local da primeira escola superior e da primeira escola náutica na então Colónia, berço de doutores, juízes, almirantes, comandantes e capitães, ilha que viu crescer a morna e grandes figuras da cultura nacional, Quo Vadis Djabraba? Quantos ainda não se maravilham perante a foto de cor sépia do início de 1900s tirada no Porto da Furna repleto de 18 navios veleiros de todos os tamanhos, flanqueados lado a lado que nem sardinha na lata! Naquela época, agora aparentemente muito remota, a ilha Brava figurava, por mais de meio século, como a estimada “Merquinha”, para onde os jovens mancebos provenientes de todas as ilhas do arquipélago iam apanhar o navio para atravessar o Atlântico norte durante 30 dias de bom vento rumo à terra prometida que foi sempre América. Ai Djabraba! Tu, outrora porta de entrada e saída de Cabo Verde para terra longe; hoje és mal servida por apenas um navio de cabotagem cuja (ir)regularidade de horário afugenta turistas e emigrantes e mantém os passageiros em constante sobressalto de estado de espírito frenético de um ir e vir quando calhar. Deveras, Brava estás cada vez mais longe de Cabo Verde! Ou será que Cabo Verde é que está cada vez mais longe da Brava e das ilhas periféricas?
As pessoas na Brava perguntam e querem saber: Porque é que três navios do Estado, o Kriola, o Liberdadi e o Praia d’Aguada continuam fundeados na baía do Porto Grande e oito ilhas são apenas servidas por um único navio do concessionário? Até quando é que o navio Dona Tututa vai aguentar este vaivém constante dando cobertura a oito ilhas do país, aparentemente sem descanso das máquinas nem da tripulação? E se houver uma avaria grave de Dona Tututa, como é que os passageiros e bens serão transportados? E se for pior, e se, e se, e se?....
A gente da Brava olha hoje para trás com saudades dos bons tempos da Cabo Verde Fast Ferry, entre 2011 e 2019, quando o navio Kriola, e mais tarde, o Liberdadi, faziam ligações regulares de/para a ilha das flores. Claro que nem tudo era um mar de rosas pois, sobejas vezes, o mau tempo no Porto Vale dos Cavaleiros no Fogo não permitia viagens regulares entre as duas ilhas vizinhas, como tem sido o caso ultimamente. E, às vezes, também, a calema no Porto da Furna dificulta a atracagem dos ferries, sobretudo na época do vento de sudeste que entra e fustiga a pequena baía do Porto da Furna.
Pergunta ainda a gente da Brava: Se, desde princípio de 2011, quando chegou o navio Kriola a Cabo Verde este fazia seis viagens por semana com pernoites na Brava – dado à necessidade de eventual evacuação médica para o hospital regional do Fogo ou para acautelar eventualidades de evacuação em caso de desastres sísmicos ou pior, porque agora, com sorte, há apenas três viagens por semana, isto é, quando calhar? (Muita gente não sabe que a aldeia emblemática de Cova de Joana é o único ponto no país, fora Chã das Caldeiras, onde a população já foi evacuada dado a fortes atividades sísmicas e riscos de eventual irrupção vulcânica em 2017!) Pergunta-se, igualmente, com incredulidade a gente da Brava por que razão é que o concessionário não é obrigado a cumprir os termos do contrato de concessão que estipula rotas e horários regulares bem definidos de viagens semanais para todas as ilhas, incluindo seis pernoites no porto da Furna? (Ver Anexo 1 da Minuta do Contrato de Concessão do Serviço Público de Transporte Marítimo Inter-ilhas, aprovado em Conselho de Ministros e publicado no Suplemento do B.O. de 1 de fevereiro de 2019, I Série Número 14). Todavia, pela prática atual, a maioria das pessoas, não só da Brava, mas do país inteiro, não acredita que tal obrigação existe no contrato de concessão pois nem o concessionário se preocupa com o seu cumprimento nem o concedente consegue fazer este cumprir com a mesma. A Minuta do Contrato aprovado em Conselho de Ministros é bom contrato. Nos termos do Caderno de Encargos do Concurso da Concessão que faz parte integrante do contrato, visa unificar o mercado nacional com uma frota de cinco barcos de semelhante calibre com especificações de dimensão de 70 metros, idade máxima de 15 anos, velocidade de 15 nós e cobertura adequada de todas as ilhas de forma eficaz e eficiente. Repete-se, o contrato é bom. O problema foi na sua execução pois o concessionário não conseguiu até hoje, depois de quatro (4) anos da sua assinatura cumprir com as suas obrigações! O certo é que críticas azedas abundam na comunicação social e nas redes sociais, provenientes de todos os quadrantes da sociedade, inclusive do sector eclesiástico, de que as coisas não vão bem, e que o Governo deve impor sua autoridade e introduzir correções urgentes aos desvios no cumprimento dos termos do contrato de concessão. Do outro lado, a concessionária continua impávida e silenciosa, a prestar um mau serviço, com total desrespeito pelos termos do contrato de concessão, por manifesta falta de meios materiais (só entrou até hoje com dois barcos de um total de cinco exigidos nos termos da contrato) e deixa dois ferries e um barco misto de passageiro e carga fundeados na baía do Porto Grande, sem dar satisfação às necessidades badaladas de alto e bom som pelos autarcas da Brava e do Maio, respetivos munícipes e passageiros.
A falta de regularidade de barcos na Brava não afeta só os passageiros que passam às vezes mais de uma semana sem ligação direta com a vizinha ilha do Fogo. Felizmente, com o recente posicionamento da embarcação da Guarda Costeira no Porto da Furna, as urgências de evacuações médicas para o hospital regional no Fogo (Brava não tem um hospital) estão a ser atendidas e mortes não pouco frequentes de grávidas e doentes por falta de evacuação atempada parecem estar ultrapassadas, por agora. Por outro lado, a irregularidade das ligações marítimas tem afugentado emigrantes e turistas; aqueles já não vêm ou os que estão na Brava antecipam suas viagens de regresso ao país de residência e estes têm cancelado suas reservas, deixando residenciais, outros alojamentos e restaurantes vazios. Até os funcionários públicos e pessoal técnico, especialmente o pessoal de saúde do Fogo, têm evitado viajar para Brava por receio de ficar retido na ilha sem dia certo de regresso. No momento da escrita deste artigo, há uma equipa da comunicação social retida na Brava há 10 dias, sem poder regressar ao Fogo!
Igualmente, a imprevisibilidade de viagens de/para Brava tem originado escassez de produtos nas prateleiras de lojas e casas comerciais. Recentemente, um comerciante da Freguesia de Nossa Senhora do Monte, depois de anos com três lojas a funcionar, resolveu encerrar duas mais pequenas para diminuir custos fixos e acabar com prateleiras vazias. Agora os fregueses têm de ir mais longe fazer suas compras e a preços mais altos noutros comerciantes locais que aproveitam a redução da concorrência para aumentar preços. Tudo na Brava é mais caro, pois os fornecimentos são feitos normalmente nas grandes casas comerciais da Paria e depois acrescidos dos custos de transportes e margens comercias locais. Apenas os produtos de preços regulados como combustível, por exemplo, não sofrem altas de preço. O resto dos produtos com preços não regulados são cerca de 25 porcento mais caros na Brava do que na Praia, por exemplo. E isto numa ilha com índice de pobreza superior à média nacional e onde os ordenados são também muito inferiores à média nacional.
Em Cabo Verde fala-se hoje de triple crise: Pandemia, seca sucessiva e guerra de agressão na Ucrânia. Na Brava a gente fala em quádrupla crise: acrescentando a crise dos transportes marítimos.
Fala-se agora no país com muito entusiasmo da retoma do turismo com números preliminares de turistas que se aproximam os do período pré-pandémico de 2019. Mas na Brava, dado a irregularidades de transporte marítimo, os operadores turísticos na ilha estão convencidos que a quarentena de facto continua ainda de pedra e cal, com um número ínfimo de turistas que se aventuram à ilha contra mar e vento.
É irónico que Brava, uma ilha que no passado chegou a ter uma população de cerca de 12.000 habitantes, hoje tem menos de 5.600! Por isso, diz-se que a Brava está na rota deslizante de morte lenta do sabonete; com cada lavagem, vai-se definhando pouco a pouco até....
Mas para contrariar o fatalismo reinante na Brava hoje, e como disse o Senhor Primeiro-Ministro durante a sua visita à ilha no dia 12 de março de 2021: “Brava precisa de um tratamento de choque...”, referindo-se a uma intervenção socioeconómica profunda capaz de inverter a marcha da entropia que se instalou na ilha. Obrigando o concessionário a cumprir escrupulosamente com os termos do contrato de concessão em termos de frequência e regularidade de seis viagens semanais com pernoites na Brava, seria um bom primeiro passo.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1112 de 22 de Março de 2023.