O que diz o Índice Global de Inovação de 2023 sobre Cabo Verde?

PorJoão Duarte Fonseca,30 out 2023 8:15

João Duarte Fonseca - Professor Universitário
João Duarte Fonseca - Professor Universitário

​Em 2023 Cabo Verde classificou-se em 91º lugar no Índice Global de Inovação (GII na acrónimo inglês), um indicador calculado anualmente pela Organização Mundial de Propriedade Intelectual (OMPI) e que mede o desempenho da inovação promovida em 132 países.

Este resultado é encorajador, na medida em que Cabo Verde é o quarto classificado da África Sub-Sahariana. Justifica ainda assim uma análise detalhada dos sub-índices que correspondem aos vários pilares levados em conta no cálculo do resultado.

Não é possível uma análise detalhada da evolução temporal da classificação de Cabo Verde no GII – o que teria interesse para aferir do impacto das diversas medidas implementadas – porque o país tem sido uma presença errática naquele índice por via das limitações dos dados disponibilizados em cada ano. Ainda assim, a análise possível revela que Cabo Verde se classificou em 89º lugar em 2021, em 100º lugar em 2020, em 103º lugar em 2015 e 2013, e em 97º lugar em 2014. Estes resultados sugerem uma evolução positiva na última década, mas que não corresponde a uma mudança qualitativa. Felizmente o índice é calculado de forma transparente a partir de um vasto conjunto de indicadores, o que permite analisar o que puxa no sentido do desenvolvimento e o que constitui um lastro.

O GII é a média de dois sub-índices: um mede o input de inovação e o outro mede o output de inovação. Em 2023 Cabo Verde ficou em 74º no sub-índice de input, e em 106º no sub-índice de output. Vejamos então em que consistem os sub-índices, e qual o significado desta grande diferença.

O sub-índice de input de inovação é aferido com base em cinco pilares: 1) Instituições (estabilidade institucional, ambiente regulatório, ambiente de negócios) [ranking de Cabo Verde: 44]; 2) Capital humano (educação, ensino superior, investigação científica) [ranking de Cabo Verde: 97]; 3) Infraestrutura (ICT, infraestrutura geral, sustentabilidade ecológica) [ranking de Cabo Verde: 64]; 4) Sofisticação do mercado (crédito, investimento, escala do mercado) [ranking de Cabo Verde: 96]; 5) Sofisticação do ambiente de negócio (trabalhadores no setor do conhecimento, ligações das universidades à inovação, absorção de conhecimentos) [ranking de Cabo Verde: 65].

O sub-índice de output de inovação leva em conta os seguintes pilares: 1) Outputs de conhecimento e tecnologia (criação de conhecimento, impacto do conhecimento, difusão do conhecimento) [ranking de Cabo Verde: 98]; 2) Outputs criativos (ativos intangíveis, bens e serviços do conhecimento, criatividade digital) [ranking de Cabo Verde: 124].

É prática corrente de muitos países usarem a informação detalhada que o GII fornece para desenhar as suas políticas públicas de forma a colmatar as fragilidades aí detetadas. A grande diferença entre os sub-índices de input e de output revela claramente que Cabo Verde é um importador de conhecimento “chave na mão” que tem dificuldade em capitalizar essa importação em termos de inovação endógena, apesar das condições favoráveis no que concerne à estabilidade institucional, ao ambiente de negócios e à qualidade das infraestruturas. O mesmo é reconhecido pelo relatório da OMPI que divulga os rankings do GII de 2023: “Cabo Verde luta para traduzir insumos em produtos, afetando o seu desempenho geral de inovação”.

Não existem dúvidas quanto à importância que os decisores políticos de Cabo Verde atribuem à inovação como fator de desenvolvimento socioeconómico e de sustentabilidade. Mas o caminho seguido até aqui parece indicar alguma complacência com o estatuto de “importador de tecnologia” bem identificado na análise do GII. Inverter este caminho pouco consentâneo com o desenvolvimento sustentável passa por focar a atenção nos indicadores que têm sido negligenciados, indispensáveis num ecossistema de inovação saudável e que de modo nenhum podem ser considerados um luxo em pleno século 21: o ensino superior (ranking de Cabo Verde: 106), a investigação científica (ranking de Cabo Verde: 112) e a difusão do conhecimento (ranking de Cabo Verde: 121). Esta conclusão vem apenas corroborar a afirmação corrente, mas que não é levada às últimas consequências, de que o principal recurso de Cabo Verde é o seu capital humano. Falta criar as condições para que esse potencial recurso floresça, potenciando a inovação como ferramenta do desenvolvimento.  

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1143 de 25 de Outubro de 2023.

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Autoria:João Duarte Fonseca,30 out 2023 8:15

Editado porAndre Amaral  em  30 out 2023 8:15

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