É preciso repensar a avaliação pedagógica nas escolas

PorAntónio carlos Moreira,18 dez 2023 8:14

Com a implementação do novo Sistema Nacional de Avaliação das Aprendizagens dos alunos do Ensino Básico (EB) e do Ensino Secundário (ES) em Cabo Verde, houve um aumento e diversificação da avaliação pedagógica nas escolas.

Desde então, surgiram críticas, principalmente, por parte dos professores e alunos, contra esse aumento das atividades avaliativas. Nesse contexto, emergem-se duas questões pertinentes: 1ª) É, de facto, “demasiada” a avaliação pedagógica realizada nas escolas? 2ª) Se sim, até que ponto isso afeta o desempenho e o bem-estar dos alunos e professores?

Para fazer uma análise mais concreta possível dessas questões, centrar-me-ei no 9º ano de escolaridade, que, a meu ver, constitui um caso paradigmático de análise. Nesse nível de escolaridade, conforme estipulado no atual sistema de avaliação (Decreto-lei n.º 30/2022 de 12 de julho), em cada trimestre, além da avaliação disgnóstica prevista, os alunos devem fazer, no mínimo, dois testes sumativos ou provas (orais ou práticas), trabalhos individuais e de grupo (conforme a natureza de cada disciplina).

No âmbito da avaliação formativa, estipula-se uma recolha sistemática e diversificada de informações, através de diferentes técnicas e instrumentos, nomeadamente: 1) Testes/Questões Escritos ou; 2) Testes/Questões Orais; 3) Observação Diária; Trabalhos Individuais; 4) Trabalho de Grupo e; 5) Trabalho Prático. Em cada trimestre, os alunos são obrigados a fazer, no mínimo, três desses cinco elementos de avaliação.

Ora, considerando os dois testes sumativos e os três elementos de avaliação que devem ser aplicados em cada trimestre, verifica-se, portanto, que os alunos do 9º ano, cuja matriz curricular é constituída por 11 disciplinas, fazem, aproximadamente, 50 a 60 atividades de avaliação, de carácter classificativo, num curto período (três meses aproximadamente). Considerando essa hipótese na prática, não há como negar que o atual sistema de avaliação, apesar das suas inúmeras virtudes, “peca por excesso”.

Com efeito, os alunos são obrigados agora a reservar uma parte considerável do seu “tempo escolar” para realizar as diversas atividades de avaliação que lhes são solicitados, o que poderá lhes causar algum cansaço, aborrecimento e até desinteresse face ao trabalho escolar, além do tempo limitado que passam a dispor para fazer outras coisas.

Por seu lado, os professores, enquanto principais responsáveis pela avaliação dos alunos no contexto escolar, acabam por se sentir, naturalmente, mais exaustos, pois, têm agora de preparar, realizar e corrigir mais testes e trabalhos. Além disso, devem ainda introduzir as notas no SIGE no prazo estipulado. Desta forma, ficam com menos tempo para se dedicarem às outras tarefas ligadas ao processo de ensino aprendizagem.

Esse panorama acima descrito indica, portanto, um aumento quantitativo da avaliação de aprendizagens nas escolas, com prováveis repercussões negativas no processo de ensino aprendizagem. Partindo desse pressuposto, é preciso (re)pensar as práticas de avaliação em vigor e discutir o seu real impacto no trabalho e no desempenho escolares dos professores e alunos. Ainda que seja um sistema de avaliação avançado, pelos referenciais, instrumentos, procedimentos e critérios que incorpora, a forma como está a ser aplicado é que precisa repensada.

De facto, o que acontece é que os instrumentos de avaliação, além de diversos, estão a ser aplicados com demasiada frequência, de forma consecutiva, em curto espaço de tempo e, quase sempre, com finalidades classificativas. É claro que diversificar os instrumentos de avaliação e tornar mais sistemática a recolha de informações para avaliar os alunos são, de facto, decisões necessárias. A própria legislação em vigor enfatiza isso. Todavia, é preciso muito equilíbrio e ponderação. Não se pode, ainda que sob o discurso de promover uma avaliação de caráter formativo, sobrecarregar os alunos e os professores com as atividades avaliativas.

Na verdade, quando as atividades avaliativas são (ou vistas como) excessivas, é enorme o risco da avaliação se tornar uma prática pedagógica realizada por mero formalismo, apenas para medir e classificar os alunos e, assim, cumprir o “dever profissional”. E quando isso acontece, o foco principal da avaliação, que é a promoção da garantia de uma educação de qualidade, que contribua para a formação e o desenvolvimento do aluno, fica, sem dúvida, comprometido.

Todavia, é possível evitar isso, desde que se considere, em todo o processo de avaliação pedagógica, que o ato de avaliar visa melhorar “o que e como os alunos aprendem, o que e como os professores ensinam” (Fernandes, 2019). Se assim for, as práticas de avaliação poderão contribuir para se monitorizar o processo de ensino aprendizagem, para se tomar consciência do que está sendo feito e, a partir daí, proceder às necessárias correções e melhorias, com vista a elevar o desempenho educativo dos alunos (Fernandes, 2005).

Enfim, é com base nessa perspetiva, que se deve proceder à análise, monitoramento e avaliação do atual sistema de avaliação dos alunos, para se certificar se o modo e a frequência com que os alunos estão a ser avaliados contribuam, objetivamente, para a melhoria do seu desempenho escolar. Caso esse impacto positivo não for observado na prática, a solução deverá passar por uma mudança e melhoria desse sistema de avaliação, tanto na sua dimensão normativa, quanto na sua implementação efetiva. Somente desta forma, a avaliação pedagógica poderá contribuir, efetivamente, para a melhoria da tão almejada qualidade educativa nas escolas do país.

Professor de História (Ensino Secundário).

Doutorando em Ciências da Educação Universidade de Évora – Portugal.

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1150 de 13 de Dezembro de 2023.

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Autoria:António carlos Moreira,18 dez 2023 8:14

Editado porAndre Amaral  em  2 jul 2024 23:28

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