A outra faceta do percurso biográfico ascendente de Orlando Mascarenhas

PorCésar Monteiro,5 fev 2024 7:48

Sob o signo de Virgem, nascia, a 24 de agosto de 1935, no meio da Travessa Dr. António Lereno, que liga a então Rua Sá de Bandeira ao Hospital da Praia, mais precisamente no Plateau, freguesia de Nossa Senhora da Graça, Concelho da Praia, ilha de Santiago, Orlando José Mascarenhas, filho de Frederico José Mascarenhas e de D. Maria Nascimento Lopes Andrade, na pequena casa que pertencia à sua avó materna.


Origem social humilde

Natural dos Picos e nascida em 1908, a mãe de Orlando falece, prematuramente, aos 37 anos de idade, vítima de doença, quando ainda o filho tinha apenas 10 anos e terminava o ensino primário,deixando-o órfão, o que o obriga, ainda cedo, a “trabalhar e cuidar da família (…), numa longa travessia pelo deserto”, que então teria início.Oriundo de uma família humilde, modesta e sacrificada do interior da ilha de Santiago, os pais de Orlando migraram para a Praia, onde se conheceram, ainda relativamente cedo, por volta de 1930, acabariam por constituir família e estabelecer-se definitivamente nessa urbe. Naqueles tempos, a principal fonte de rendimento do seu pai Frederico José Mascarenhas, também de origem rural e natural da Achada de Mato, Concelho de Santa Catarina, sobrinho de Manuel Mascarenhas, por sinal, avô materno do saudoso Presidente António Mascarenhas Monteiro, provinha essencialmente do vínculo laboral que mantinha com a Repartição das Finanças, numa primeira fase. Mais tarde, o pai desvincula-se desses serviços públicos e passa a exercer a atividade por conta própria, assumindo-se, a tempo inteiro, como solicitador particular, ou requerimentista, que se encarregava da preparação de requerimentos solicitados, pontualmente, por pessoas do interior de Santiago que vinham à Praia. No fundo, “o meu pai era um prestador de serviços particulares, que tratava de todos os assuntos e vivia disso”. Habilitado com apenas a então quarta classe de instrução primária, o chamado “quarto grau”, Frederico Mascarenhas era, igualmente, proprietário de escassas e pequenas parcelas agrícolas de sequeiro em Santa Catarina exploradas por terceiros em regime de arrendamento, que “não davam nada, ou davam pouco, porque eram coisa insignificante”. Em rigor, o pai de Orlando Mascarenhas pertencia ao estrato social baixo da sociedade praiense, pois, “não pertencia àqueles grupos que dominavam a Praia digamos, o grupo dos comerciantes e empresários, o grupo dos Administradores dos Concelhos da ilha e os altos funcionários da Administração e o Governador”, que, de resto, constituíam a pequena burguesia ou classe média da cidade capital. Pertencendo os seus progenitores às ditas classes populares, que se situavam na base da pirâmide social estratificada, logo, “ver-me-ia forçado a trabalhar, ainda cedo, para que eu conseguisse aquilo que precisava. Comecei lá debaixo, consegui uma autopromoção, quer dizer, estudei por conta própria e singrei na vida”.

Grandes ensinamentos da Igreja do Nazareno

Curiosamente, no extremo da mesma Travessa onde nasceu e cresceu Orlando Mascarenhas, residiam, também, Juvenal Cabral e alguns filhos, inclusive o próprio Amílcar, entre 1944 e 1945, que fizera, primeiro, toda a escola primária em Santa Catarina e, depois, o ensino liceal, em S. Vicente. Além de Amílcar Cabral, que, em 1945, chegou a jogar futebol na equipa da Boa Vista da Praia, alguns meses antes de rumar para Lisboa, em julho daquele ano, com o intuito de ingressar no Instituto de Agronomia,moravam na mesma Travessa Jorge Santos, pai do também falecido José Jorge Lisboa Santos; Francisco Mascarenhas, pai de Djibla, fotógrafo, e, ainda, o músico Cesário Duarte,entre outra figuras sobejamente conhecidas da capital. Filho de pais católicos, Orlando é batizado na Igreja Católica, ainda de tenra idade, e são seus padrinhos José Benício Fonseca, natural do Concelho de Santa Cruz, Pedra Badejo, agricultor e empresário, e sua tia materna Maria Luísa, gémea da minha mãe”, todos falecidos. Em boa verdade, os seus pais não eram católicos praticantes,“apenas frequentavam a Igreja, aliás, na altura, as coisas decorriam e funcionavam na Igreja Católica”. Pese embora a sua origem católica, Orlando Mascarenhas frequenta, durante a fase da infância, a escola dominical da Igreja do Nazareno da Praia, cujo pastor, na altura, era o Reverendo Gay, de quem, aliás, “guardo boas recordações como nazareno dessa escola”. Ainda cedo, em 1945, graças à influência de Jorge Santos, proprietário de uma mercearia, da sua esposa e dos seus filhos, que moravam, também, na Travessa Dr. Lereno, lado a lado, passa a frequentar a Igreja do Nazareno, aos dez anos, onde solidifica os princípios e valores que incorporara primeiro, em casa, com os seus pais, como a obediência e a disciplina, e, depois, na escola primária com o seu saudoso professor Hugo dos Reis Borges.

Arrastado pelos seus vizinhos do Plateau para a Igreja do Nazareno, teria ele cerca de dez anos de idade, na altura, Orlando Mascarenhas, que, tem uma base cristã profunda, considera “muito útil a minha passagem pela Igreja, porque tive grandes ensinamentos, estudava muito e conhecia a Bíblia, sobretudo aqueles princípios todos, eu citava os versículos e os Evangelhos todos. Basicamente, essa instituição religiosa deixou em mim uma marca muito forte na minha personalidade, ou seja, a questão cristã ligada à Bíblia, aos ensinamentos de Cristo, tudo isso continuou comigo. Ainda na fase importante de infância e adolescência da minha vida, sobretudo, recebi muita influência ética dos nazarenos”. Sem qualquer rutura, do ponto de vista da prática religiosa e sempre na linha do catolicismo,Orlando frequenta a Igreja do Nazareno até à maioridade, se bem que tenha sido influenciado pela religião católica, não deixando, todavia, de ser católico não praticante, “continuei a sê-lo, porque os meus pais eram católicos, fui batizado na Igreja Católica e, “mais tarde, casei na Igreja Católica, na Cidade Velha, em 1957, pelo Padre Moniz, pois a minha mulher é católica ferrenha”. Frequentador da Igreja Católica Mascarenhas, todavia, não se considerava beato ou praticante, “há uma morte ou casamento, vou à Igreja, no apadrinhamento vou à Igreja, apenas nessas condições”. Além dos ensinamentos cristãos muito fortes que diz ter recebido na Igreja do Nazareno, na sua educação, assimilando princípios como a disciplina, o comportamento, a ética e a não prática do alcoolismo e do tabagismo, Orlando jogava com os seus companheiros, no Quintal dos Nazarenos, na Praia, o volley ball, mas, também, o futebol e o ténis, nas instalações desportivas do Seminário de S. José, na Praia.Desde cedo, Mascarenhasvalorizou a dimensão coletiva, nas suas relações sociais,“o coletivo sempre foi a parte mais importante da minha vida, sempre lidei com as pessoas e trabalhei pensando no coletivo. Aprendi tudo isso na Igreja do Nazareno, que marcou profundamente a minha infância, aprendi, nessa fase da vida, a lidar com as pessoas. O aspeto humano foi marcante”.

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Vida desportiva intensa

No meio de “tantas dificuldades e sacrifícios” conjunturais, Orlando Mascarenhas, filho único da sua mãe, que pertencia a uma família dos Picos “muito pobre e muito humilde”, teve uma infância feliz, digamos, “a felicidade possível daqueles tempos, havia muita miudagem, brincávamos de manhã à noite, corríamos arco, jogávamos à bola, fazíamos paradas militares, jogo de peão, jogo de botão, mas estudávamos”. Para lá de todos os tipos de jogos que, na altura, ocupavam o seu tempo livre, Orlando, quando ainda tinha cerca oito anos de idade, em plena infância, pertenceu, primeiro, primeiro, ao grupo infantil de futebol do Plateau, Benfiquinha, que se deslocava a todos os subúrbios da capital “em jogos de convívio entre a meninada”. Do Benfiquinha fizeram parte, além do próprio Orlando Mascarenhas, que contaria cerca de 13 anos, Carlos Fonseca (dirigente), António Tavares, José Augusto Fernandes (Gigi), Fernando Bastos (Funa), Fernando Fernandes (Fernandinho), Danielson Amado, Daniel (Tunguinha), Aleixo Carvalho, António (Toizinho), Olímpio Craveiro (Patana), José Mendes (Casquinha) e Gil Fernandes (Tchibita), todos falecidos. Aliás, “a minha vida desportiva, que se inicia, ainda na infância, com o Benfiquinha, está muito ligada à vida normal, à vida social. Em termos desportivos, tínhamos, na altura, uma paixão bastante grande, uma vida muito intensa”. Após a criação da sua primeira equipa de futebol Benfiquinha, por volta de 1948 que cessa as suas atividades desportivas em 1950, Orlando Mascarenhas passou a pertencer à Académica, no mesmo ano, formação desportiva que, também, “se destacou entre a rapaziada e preencheu o período de convívio entre os jovens dos diversos subúrbios da capital”.

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Posteriormente, integraria como desportista o clube federativo Rápido Clube da Praia, em princípios de 1952, na esteira do Rápido antigo, cuja versão criada por Cândido de Vasconcelos, seu presidente,eo irmão, Rui,funcionaria durante cerca de um ano. Entretanto, Joaquim Ribeiro vai buscar o estatuto da versão antiga do Rápido, que ostentava as cores azuis do Belenenses de Portugal, cria uma equipa de futebol e dá-lhe o nome de Rápido do Clube da Praia, também presidido por ele próprio, que, por fusão com os estatutos do Sporting Clube de Cabo Verde, que, rapidamente, resultaria na criação do Sporting Clube da Praia, uma formação de referência e vanguarda do futebol praiense constituída em 1952, na qual Orlando Mascarenhas jogou “praticamente toda a minha vida, até 1967, como médio-construtor”. Curiosamente, o Sporting Clube da Praia presidido por Joaquim Ribeiro, na altura, Presidente do Serviço Autónomo de Géneros Alimentícios (SAGA), passou a ser uma equipa de elite, porque “os seus jogadores eram todos empregados, o que não acontecia com a maioria das equipas locais, graças às influências do presidente desse clube federativo”. Uma das influências que resultaram da prática desportiva séria e rigorosa de Orlando Mascarenhas, ao longo de vários anos sucessivos, foi a circunstância de ter afastado da sua vida a bebida alcoólica e o tabaco, num processo que teve início na Igreja do Nazarenos, “ainda na fase da minha infância” e se consolidaria com o tempo. Em 1962, o saudoso José Antunes (Toca), com quem Orlando Mascarenhas mantinha relações profissionais e desportivas muito importantes, além dos laços familiares que os uniam, participa na criação da Académica da Praia, com o apoio de alunos do então Liceu Adriano Moreira, e, durante muitos anos, é treinador dessa formação desportiva praiense. Se bem que pertencesse ao Sporting, Orlando Mascarenhas participou na fundação da própria Associação Académica da Praia e, inclusive, chegou a pertencer aos órgãos sociais dessa equipa desportiva. Na altura, a Académica, que tinha grandes atletas, surgira em grande plano e fez um arranque espetacular na Praia. Mais tarde, em 1970, Toca passa a treinar o Sporting da Praia, também durante vário anos, voltando a fazê-lo, pela segunda vez, em 1997. No decorrer das atividades desportivas, como treinador e dirigente dessas duas equipas de futebol da capital, Toca, em 1978, foi convidado pela Federação Nacional de Futebol para desempenhar o cargo de selecionador nacional coadjuvado por José Resende (Djidjé) e Eduíno Lima.

Encerrada definitivamente a fase de prática desportiva, deixando de jogar futebol federativo, Orlando Mascarenhas, dois anos depois, em 1969, é escolhido como treinador do Sporting da Praia, que ostenta a mesma cor verde da sua congénere portuguesa, e, por volta de 1971, assume a presidência da direção da referida equipa de futebol, durante alguns anos, por cooptação,seguindo-se outros presidentes como Carlos Jorge Vasconcelos, Dinis Fonseca, Ângelo Mendes e Herculano Ribeiro. Não obstante privações de vária ordem por que passou, mormente durante as duas fomes de 1940 e 1947, que ceifaram milhares de vidas humanas, e as dificuldades enormes, “nunca faltou nenhuma refeição em casa, porque o meu pai dava dinheiro à minha mãe, doméstica, para que houvesse tudo”. As duas trágicas fomes marcaram profundamente Orlando Mascarenhas, particularmente a de 1947, numa altura em que “eu já estava mais crescido e, inclusive, tinha começado a estudar em S. Vicente e fui obrigado a deixar de estudar e regressar à Praia, porque os meus pais não tinham condições para me manter nessa ilha”. É certo que a fome de 1940, foi mais devastadora, mas, naquela altura, “tinha apenas cinco anos de idade, era criança não pude aperceber-me da dimensão dessa tragédia”, à qual se seguiriam à de 1947 e, dois anos depois, o desastre da Assistência, dois fenómenos que “me marcaram profundamente”. Poucos metros separavam a casinha (quarto), onde viviam, “com muita dificuldade”, Orlando José e os seus pais da casinha contígua, que abrigava a sua avó materna, D. Josefa Lopes da Moura, também ela natural dos Picos, bem como as suas tias Ida e Maria Luísa, “fazia-se tudo naqueles dois quartos contíguos, mas cada um deles tinha a sua própria independência. Coabitando com o meu pai na mesma casa, ali no beco da Travessa, onde, aliás, decorre toda a minha vivência ligada à infância e a adolescência, aprendi muita coisa com ele”. Na Escola Central, no Plateau, “a única que havia e onde toda a gente estudava, na ocasião”, Orlando frequenta o ensino primário, da primeira à quarta classe, com Hugo dos Reis Borges, “um professor muito especial com quem tive o privilégio de fazer toda a minha fase pré-liceal”, e, na altura, foram seus condiscípulos, entre outros, Aquilino Camacho, Daniel de Sousa, Armindo Madeira, Daniel Benoni, todos falecidos. Concluída a quarta classe com distinção, em 1945, antes de completar 10 anos, Orlando fez, com sucesso, a admissão aos liceus, e, para o efeito, deslocam-se à cidade da Praia os professores examinadores Baltasar Lopes da Silva, Adriano Silva e Graciano Cohen, docentes do então Liceu Gil Eanes em São Vicente. Habilitado com a admissão, prossegue os estudos em S. Vicente, no ano letivo 1946-1947, nesse mesmo estabelecimento de ensino secundário, e, nessa ilha, conclui apenas o primeiro ano liceal. Entre outros condiscípulos da turma do primeiro ano, recorda-se de Diana, irmã de Gabriel Mariano, ambos falecidos, e, ainda, de Pedro Gregório, Francisco Figueiredo e Ernesto Konig. A deslocação de Orlando Mascarenhas à ilha do Porto Grande coincide, em termos temporais, com um longo período de fome que então grassava Cabo Verde e culmina com a de 1947, cujas consequências foram trágicas, o que obriga o seu pai que, na altura, dependia essencialmente da prestação de serviços particulares, em termos de rendimentos, a interromper os estudos secundários do filho, na ausência de condições mínimas, regressando imediatamente à Praia. Em S. Vicente, Orlando fica hospedado em casa do amigo do pai, João Mendes, sita na Rua João Machado, no centro da cidade do Mindelo, na companhia dos filhos do anfitrião sanvicentino.

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Trabalho a sério

Coagido a regressar imediatamente à Praia, donde proviera, por ponderosos motivos alheios à sua vontade, Orlando Mascarenhas, frustrado com a decisão do seu progenitor e “dependendo praticamente do meu pai, passo a ajudá-lo na execução dos trabalhos particulares que lhe eram solicitados”, diante das enormes dificuldades daquele período cíclico caraterizado, sobretudo, por severas crises famíneas. Particularmente marcado pela fome de1947, Orlando Mascarenhas começa a “trabalhar a sério”, a partir desse período de “muitas dificuldades”: primeiro, quando ainda contava com 14 anos de idade, trabalha, em 1949, no Centro Comercial Abel Cruz, no Plateau, sita na antiga Rua Sá da Bandeira (atual Avenida Amílcar Cabral), no mesmo local onde, mais tarde, viria a ser construído o prédio da SERBAM, e, depois, funcionaria o Banco de Cabo Verde; no ano seguinte, em 1950, após ter laborado no Centro Comercial Abel Cruz, durante cerca de uma ano, ainda no período antes da independência, “com o apoio de amigos”, ingressa na Câmara Municipal da Praia como assalariado, onde auferia um salário diário de cinco escudos (cento e cinquenta escudos mensais), considerado, de resto, “uma fortuna, que ajudava em casa, numa altura em que nada havia, enfim, um lugar melhor, mais oficial e com melhores perspetivas de mobilidade que aquele primeiro do Abel Cruz”. Nessa importante firma de comércio geral, propriedade de Abel Cruz, de nacionalidade portuguesa, pai de duas filhas, “trabalhei durante cerca de um ano, fazia tudo, desempenhava as funções de escriba, fazia contabilidade, ajudava no comércio. Um dos grandes funcionários do Centro Comercial Abel Cruz foi o pai de Alexandre Monteiro, atual Ministro da Indústria. Todavia, na fase seguinte do seu ingresso na edilidade praiense, onde permanece durante dez anos consecutivos, até 1960, é admitido como funcionário e, logo, adquire melhor estatuto. Na linha de um processo de mobilidade ascendente, Orlando Mascarenhas, que entrara na Câmara Municipal como aprendiz, com salário idêntico ao que auferira no Centro Comercial Abel Cruz, em 1949, participou num concurso para aspirante, no quadro de uma carreira interna e, quando sai dessa edilidade, em 1960, como escriturário, “já auferia melhor salário, embora o seu valor, na altura, fosse insignificante, a nível nacional”. Não pertencendo ao quadro de carreiras da Câmara, “inicialmente eu era aprendiz, ajudante, estagiário, mas, depois, vou a concurso e entro na carreira com o apoio de alguns companheiros como o Rui Maia e o Benvindo Santos, também meus colegas no futebol, que me ajudaram muito”. Ou seja, começa a trabalhar na Câmara Municipal da Praia, quando ainda tinha apenas 15 anos de idade onde “fazia tudo, fazia a escrita, fazia recados, fazia tudo, ia a todo o lado, sem quaisquer complexos”. Na altura, “era normal fazer esse trabalho de rapazito de recados, eu até era muito apreciado pelas diligências em prestar esse tipo de serviço, as pessoas gostavam muito de mim, porque quando me davam uma incumbência eu cumpria-a, digamos, ia a correr e voltava a correr, levava documentos, trazia documentos, fazia tudo isso, eu dava conta do recado, desde essa ocasião”. A Câmara era então presidida por José Soares de Brito, coadjuvado por Júlio Monteiro, Orlando Brito, Manuel Dias e Hermenegildo Ramos, os dois últimos vereadores. Além de ter tido o privilégio de trabalhar sob a dependência dessas três entidades da Câmara Municipal da Praia, que liderava uma equipa grande, Orlando Mascarenhas beneficiou ainda da companhia amiga de Otaviano, Rui Maia, Benvindo Santos, Manuela Ribeiro e António Salomão. Entretanto, enquanto trabalhava na Câmara, recomeça a estudar e, sentindo-se habilitado para ser examinado por professores do Liceu Gil Eanes de S. Vicente, que se deslocavam à Praia para o efeito, faz o exame do segundo ano em 1952, é dispensado das provas orais, e, no ano seguinte, o do quinto ano de Letras e Ciências. Para tanto, Orlando Mascarenhas e um grupo de companheiros constituído por Francisco Évora (Chico), Alcides Barros, Benvindo Santos, Hélder Monteiro e Horácio Vieira dos Santos (Lalacho) passaram a receber explicações de Filinto Correia e Silva (Português), Alfredo Veiga (Francês),Carlos Barbosa Amado (Francês) e Tonas Barbosa (Matemática e História)e submeteram-se todos a exames com sucesso.

Concluídos o segundo ano dos liceus, na Praia, em 1955,e o Curso Geral dos Liceus (ex - quinto ano de Letras e Ciências), no ano seguintee, antes de ingressar no BNU, Orlando Mascarenhas começa a dar explicações da admissão aos liceus, na sua casa, na Rua da Madragoa, nas imediações dos Correios,durante vários anos, “centenas de alunos estudaram comigo”. Dois anos depois, com Filinto Correia e Silva (Português), Francisco Évora (Francês) e Alcides Barros (Inglês), Orlando Mascarenhas (Matemática e História) criou um Curso Privado de Explicações, em regime noturno, na Escola Central da Praia, no Plateau, que funcionou durante muito tempo, “quase toda a rapaziada de então estudou no nosso Curso”, para o Ciclo Preparatório e Curso Geral dos Liceus. O Curso noturno funcionou, logo após a independência nacional, no Liceu Domingos Ramos, e foi reforçado, mais tarde, com a afetação de outros explicadores como Arménio Vieira, Arlindo Vicente Silva, Adriano Lima e Judite Oliveira Lima, os dois últimos já na secção de Ciências. Na altura, a vida cultural, na Praia, não era tão desenvolvida, “fazíamos a nossa parte. Eu andava com o Filinto Correia e Silva, ele era como que um guia nosso, um homem culto, uma pessoa mais velha com quem, inclusive, estudei a língua portuguesa, ele era um orientador de leituras, ou seja, indicava-nos e aconselhava-nos os livros que devíamos ler, na altura, a partir de uma listagem. Mais tarde, fomos explicadores e colegas do Curso de explicações”. Ainda “rapaz muito novo com apenas vinte e dois anos”, Orlando Mascarenhas contrai casamento com D. Ema Mendes Gonçalves Mascarenhas,em 1957,e, dessa união conjugal, nascem seis filhos (quatro meninas e dois rapazes).

A experiência bancária de Bissau

Habilitado com o quinto ano liceal, Orlando Mascarenhas, em 1960, já casado, apresenta-se ao concurso público do Banco Nacional Ultramarino (BNU), é aprovado e colocado imediatamente em Bissau. Conquanto não lhe conviesse trabalhar fora de Cabo Verde, por razões de ordem familiar, na ausência de alternativas, “tive de ir para Guiné-Bissau, em março de 1960, com a minha mulher já grávida da nossa primeira filha, para ingressar no BNU, após ter sido selecionado num concurso bancário ao qual me candidatei”. À sua chegada à cidade de Bissau, já trabalhavam no Banco alguns colegas cabo-verdianos como Toi Cabral, irmão de Luís e Amílcar, José Lima Barber, tesoureiro, Guedes Pereira, Alexandre Monteiro, Francisco Figueiredo, Elísio Fernandes, Hermes Lima, Mário Lima, Renato Caldeira Marques, Anildo Caldeira Marques, Jorge Pedro Évora e Daniel Semedo, entre outros. Na verdade, o grupo de bancários cabo-verdianosera “bastante grande, a maioria dos empregados do BNU eram cabo-verdianos. Morávamos todos em Bissau num Pavilhão, cada um em sua casa, mas dentro da mesma área, tínhamos uma vida familiar fortíssima”. Nos tempos livres, Orlando Mascarenhas teve o privilégio de viajar de norte a sul e pelas províncias da Guiné-Bissau. Paralelamente, em Bissau, jogava futebol no Ténis Clube, na altura presidido por Eugénio Paralta, cidadão português, com Valdemar Correia, marido de Armanda, filha de Juvenal e irmã de Amílcar Cabral. Como futebolista do Ténis Clube, deslocou-se, em digressões desportivas, a várias zonas da Guiné como Bolama, Bafatá, Teixeira Pinto, Mansoa e Farim. Em 1960, quando trabalhava no Banco Nacional Ultramarino, em Bissau, jogou numa competição desportiva entre uma seleção de cabo-verdianos radicados nessa cidade e a Associação da Académica de Coimbra. Em Bissau, onde nascera a sua filha primogénita Ema, em maio de 1960, permanece, em missão de serviço no BNU, apenas dois anos, e, no ano seguinte, em outubro de 1961, é transferido para a cidade da Praia, a seu pedido. De regresso à ilha natal, nasce a sua filha Edna e prossegue a sua atividade bancária até 1970, quando “recebo um convite da Adega do Leão, através do António Moreira, o sócio maioritário,para que eu assumisse a gerência dessa firma comercial. Aceito o convite e consigo uma licença ilimitada no BNU que me autorizava ir para a Adega e voltasse à instituição bancária quando bem entendesse”, o que, na ocasião, representava para o convidado “um salto grande, não só em termos de vencimento como também, em termos de posicionamento social”.

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Gestor Público

Desvinculado da entidade bancária e aceite o aliciante convite para gerir um dos maiores estabelecimentos comerciais praienses de então, Orlando Mascarenhas permanece na Adega de 1970 a 1975, com “melhores condições, tinha casa e bom vencimento, passei a ter uma vida mais folgada”. Gerente da Adega do Leão, até 1975, durante cinco anos consecutivos, coadjuvado por Elíseo Barbosa Vicente e Alfredo Arteaga, viria, entretanto, a cessar as suas funções à frente dessa firma comercial praiense, ao ter sido convidado pelo então Primeiro-Ministro, Pedro Pires, depois da independência, para assumir a presidência do Instituto Cabo-verdiano de Solidariedade (ICS). Perante o convite generoso e indeclinável do então Chefe do Governo, Orlando Mascarenhas, motivado e desafiado por uma causa maior, a de servir o país recém-independente, e de “querer participar, também, no projeto de reconstrução nacional”, não hesita em aceitar o desafio do Comandante, desvincula-se imediatamente da Adega do Leão e, ao longo de oito anos consecutivos, passa a gerir os destinos dessa importante instituição de cariz social, uma organização não governamental responsável, na ocasião, pelas relações com organizações não governamentais estrangeiras, ao nível da cooperação internacional, e pelo desenvolvimento de atividades sociais, nomeadamente, a criação de jardins infantis, centros de formação e de recuperação de jovens, para além de diversos projetos sociais, já no plano nacional. Em 1983, findo o seu mandato à frente do ICS, é nomeado Diretor Geral da Empresa Pública de Abastecimento (EMPA), uma empresa de importação e exportação responsável pelo abastecimento nacional de produtos alimentares, materiais de construção, viaturas e equipamentos. Deputado pela Assembleia Nacional, durante dois mandatos, de 1986 a 1990 e de 1991 a 1995, Orlando Mascarenhas foi, também, sucessivamente, Presidente da Direção da Associação Comercial e Agrícola de Sotavento (1971-1974), Presidente da Direção da Associação Comercial de Sotavento (1991-1995), Presidente da Câmara do Comércio, Indústria e Serviços de Sotavento (1995-2007), instituição em cuja criação participou, durante doze anos, e, ainda, Comissário da Comissão dos Direitos Humanos e Cidadania. Na reta final do desempenho da sua função como dirigente desportivo do Sporting Clube da Praia, clube de futebol federativo ao qual sempre esteve ligado, Orlando Mascarenhas é eleito Presidente da Direção da Associação Regional de Futebol de Santiago, de 1988 a 1990, e Presidente da Direção da Federação Cabo-verdiana de Futebol, de 1991 a 1993, pondo término, assim, à sua longa participação na vida desportiva durante cerca de quarenta e dois anos, entre 1952 e 1993, como jogador de futebol, treinador e dirigente. Oriundo de uma família humilde e rural de Santiago, Orlando Mascarenhas, ascende, de forma gradual, na pirâmide social praiense, através de mecanismos de mobilidade social vertical, passando a pertencer à classe média da capital e, logo, ocupando espaços aos quais os seus pais não tiveram acesso. À custa de “grandes sacrifícios”, combinando o “estudo por conta própria” e a sua participação ativa na cidadania social, política, empresarial e desportiva, protagoniza, desde cedo, um percurso de vida sinuoso marcado, fundamentalmente, por processos de mobilidade social ascendente, numa trajetória única e singular alicerçada em momentos-chave que assumem, ao mesmo tempo, uma força educativa relevante.

Praia, 2 de fevereiro de 2024

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Autoria:César Monteiro,5 fev 2024 7:48

Editado porAntónio Monteiro  em  9 fev 2024 10:59

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