O Amor tudo suporta (1 Coríntios 13:4-7)

PorLígia Dias Fonseca,20 fev 2024 15:51

1. Penso que quase toda gente já terá vivido uma situação em que é tão doloroso aceitar uma coisa, que a rejeitamos mesmo contra todas as evidências da sua verdade.

Em que pensamos que a notícia não pode ser verdade e que talvez seja fruto dessa precipitação dos dias em que vivemos, em que se anunciam acontecimentos que logo se verifica não serem verdadeiros! Todos dizem que sim, mas talvez não seja bem assim. É a nossa eterna esperança de que o mal não pode vencer que nos leva, tantas vezes, a viver na expetativa de que esse mal não se vai concretizar. Infelizmente, a maior parte das vezes, vivemos essa esperança quando bem dentro de nós sabemos que ela não tem lugar.

Vem tudo isto a propósito do discurso de Yulia, a esposa de Alexei Navalny. Impossível não sentir um nó na garganta ao ouvi-la dizer: «se for verdade …» a propósito da notícia da morte do marido. Já todos os jornais e televisões do mundo noticiavam a morte de Alexei Navalny com toda a certeza, mas ela ainda se agarrava a uma ténue esperança de que não fosse verdade. Que o seu marido não tinha morrido. Uma mulher de muita coragem. Mas como podia ela ser diferente! Como podem ser diferentes as mulheres e os maridos e os filhos de tantos combatentes da liberdade que estão em prisões por esse mundo, onde são torturados e sujeitos a tratamentos cruéis porque se afirmam pela Liberdade, porque exigem a Liberdade dos seus conterrâneos, porque se opõem aos opressores da dignidade da pessoa humana. Homens e Mulheres cujos cônjuges e filhos vivem a quilómetros e quilómetros sem fim de distância, sofrendo a ausência e a incerteza permanente, mas confiando que o «Amor tudo pode».

Em Dezembro passado, ao ouvir o discurso dos dois filhos gémeos, Kiana e Ali, da laureada com o Prémio Nobel da Paz 2023, Narges Mohammadi, durante a cerimónia da entrega do prémio e em representação da sua mãe, também não contive esse arrepio de tristeza. Ali estavam os filhos separados da mãe porque esta se encontra numa prisão no Irão por defender a liberdade das mulheres iranianas. Famílias de muita coragem. De uma coragem que só quem passa por essas situações pode perceber quanta dor, sofrimento e até dúvidas esmagam essas famílias. Mas cuja coragem nós precisamos como pão para a boca. Sem estes homens e Mulheres que lutam e das suas famílias que sofrem o preço dessa luta, muito menos liberdade existiria hoje para cada um de nós. Por isso, para Yulia, Kiana e Ali, neles simbolizando todos os filhos e cônjuges de presos políticos, deixo aqui a minha profunda homenagem, respeito e gratidão. Muito em especial no ano em que comemoramos os 50 anos do 25 de Abril. Seria uma ocasião oportuna para também lembramos as famílias dos presos políticos que lutaram pela Independência, que lutaram pela Democracia nos nossos países. Essas famílias sofreram e sofreram muito, merecem o nosso reconhecimento.

2. Falando de homenagens, no passado dia 16 de Fevereiro, completaram-se 80 anos sobre o nascimento de António Mascarenhas Monteiro. O primeiro Presidente da República eleito diretamente pelo povo num processo democrático. Presidente da República de Cabo Verde durante 10 anos, estadista internacionalmente reconhecido, jurista de reconhecido mérito, magistrado probo, um homem que muito contribuiu para a construção e o prestígio da democracia e do estado de direito em Cabo Verde. A estas competências todas ainda se juntava a sua forma de ser e estar entre os outros que o definia como um homem de trato fino e grande bondade. No telejornal da noite desse dia, esta notícia foi dada. Estava eu nos meus afazeres culinários quando oiço a referência e corro para frente do televisor para ver a reportagem. Nada. Nem uma simples foto. Nada. A nossa televisão pública, no seu noticiário mais importante, não consegue fazer uma reportagem para homenagear o Primeiro Presidente democraticamente eleito. Será que não existem arquivos na televisão pública com imagens de todo o serviço público prestado por António Mascarenhas Monteiro? Há procedimentos na TCV que nos deixam de cabelos em pé por não conseguirmos descortinar quais os critérios jornalísticos relevantes.

Porque a esperança não pode morrer, e se brio profissional houver, talvez venhamos a ver essa reportagem de homenagem a propósito de um outro ato, num outro dia.

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Autoria:Lígia Dias Fonseca,20 fev 2024 15:51

Editado porAndre Amaral  em  20 fev 2024 15:51

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