Devido à sua tenra idade, o ES encontra-se numa fase crítica, em que oferece ensino e aprendizagem, mas não consegue garantir um ecossistema adequado para a ciência, tecnologia e inovação. Cabo Verde carece de uma Fundação de Ciência e Tecnologia, e essa fragilidade dificulta a capacidade dos investigadores cabo-verdianos em atrair financiamento competitivo internacionalmente com exceção da biologia marítima, fruto do grande interesse de certos países nos nossos recursos haliêuticos. Por sua vez, a ausência de investigação significativa dificulta a ligação da academia com o setor produtivo, nomeadamente, a indústria. A inovação e a competitividade regional/internacional são ainda mais prejudicadas pela falta de um competente serviço de propriedade intelectual ou sistemas de certificação.
A investigação técnico-científica tem-se preocupado, nos últimos 100 anos, com os processos de máximo rendimento na captação das energias renováveis, e os modernos aeromotores, com rendimento de 30 a 50 % de eficiência, são já uma realidade. Os processos novos de captação da energia solar multiplicam-se de dia para dia visando os mais variados fins. As possibilidades abertas ao fomento económico do arquipélago de Cabo Verde, pela sua riqueza em energia eólica e solar, vêm assim ao encontro dos planos de valorização desta região, que o Governo vem realizando.
É de extrema importância fomentar a investigação científica e tecnológica no domínio da energia eólica, solar, geotérmica e da conversão de energia térmica oceânica (OTEC), e a criação de soluções institucionais para centralizar os esforços de investigação energética, capazes de integrar importantes centros e redes globais de conhecimento e I&D na área da energia, aprofundando o âmbito da Tarifa Social de Energia Elétrica para um mercado energético mais inclusivo. Por isso se torna de vital importância a criação de um projeto piloto de Hidrogénio Verde com base na integração da produção de energia solar e/ou eólica em grande escala em Cabo Verde. (Fonseca, 2010)
Com efeito, Cabo Verde apresenta elevados níveis de vulnerabilidade e fragilidade, particularmente no que diz respeito às alterações climáticas, e elevados custos energéticos e dependência de combustíveis fósseis importados. Só uma investigação científica pró-ativa numa estratégia de transição energética do país, com impacto na transformação económica e no desenvolvimento sustentável, poderá promover o acesso universal à energia e ajudar as indústrias, serviços e outras empresas a serem mais competitivas.
Ora bem, o presente artigo propõe uma análise sobre os fatores que dificultam ou facilitam o acesso ao ES. A falta de acessibilidade ao ES de jovens e adultos das famílias consideradas com poder aquisitivo baixo tem causado uma grande apreensão. A maioria da população é composta por famílias consideradas de baixa renda, que enfrentam várias dificuldades no acesso ao ES. Embora a população sinta essa necessidade ou tenha vontade de aceder o ES, vários problemas acometem o ES, nomeadamente a sua baixa qualidade por conta da qualidade do ensino médio, entre outros. Essa fraca qualidade resulta de algum facilitismo que é consequência da massificação do ensino básico e que tem efeito em cadeia no secundário e no superior.
Muitos alunos na universidade escrevem mal e são fracos em línguas, nas ciências da matemática e da física. Se isso é grave então o que dizer de deputados da Assembleia Nacional que dão tremendos pontapés na gramática portuguesa. O exemplo tem de vir de cima. Que falem crioulo, por Deus!
Na ordem do dia tem que estar uma profunda reforma do sistema educativo que considere a formação dos formadores, mas também e acima de tudo a revolução que a era digital está a operar nos alunos, bombardeados em permanência com um fluxo extraordinário de informação digital que os perturba e distrai, mas também educa. Países desenvolvidos do norte da Europa estão a integrar essa revolução digital no sistema de ensino e Cabo Verde deve beber dessa experiência e adaptá-la á nossa realidade.
Qualquer auditoria exterior ás nossas universidades revelará a ausência, ignorância e falta de preocupação com a investigação científica, falta de editoras, carências de bibliotecas e laboratórios, má formação e falta de méritos dos docentes, costumes facilitadores, metodologia não adequada pelos docentes.
Estas foram, grosso modo, as conclusões das auditorias externas feitas nas 11 universidades cabo-verdianas pela Agência Nacional de Regulação do Ensino Superior – ARES, no ano transato.
Na realidade, esses entraves fazem com que o ES viva uma incerteza, causando dificuldade no acesso e má qualidade do ensino. Esses entraves no ES não são específicos de Cabo Verde, mas também são evidenciados em outros países do continente africano. O ES em África ainda vivencia outros problemas, como: ensino com fraca qualidade, limitação da produção do conhecimento local, precariedade no funcionamento, baixas remunerações, fatores de desmotivação que agravam a fuga de cérebros, currupção e o poder político interessado em beneficiar um pequeno grupo. O ensino em África em geral ainda é débil e sem qualidade. Nas zonas remotas e rurais é mesmo calamitoso.
Igualmente, os problemas do ES em África geram consequências, como: superlotação de salas, fugas de cérebros, excesso de carga horária dos docentes, condições de trabalho deficientes, rendimento insuficiente de programas de pós-graduação e de recrutamento de bacharéis em ciências sociais. Essas consequências têm gerado precariedade no ensino e prejuízo à vida dos estudantes. A inexistência de internet nas universidades e institutos nacionais e correspondente inexistência de acesso ao estado da arte, caso do Bon, Science Direct e de editoras como a Elsevier, resultam na estagnação da investigação no país.
Um estudo saído do inquérito (INE, 2015) em relação à colocação dos doutores, mestres, licenciados e bacharéis envolvidos na investigação e desenvolvimento, permite também observar que os doutores estão maioritariamente no ES. Os mestres e licenciados nos institutos de pesquisas. Estes factos, somados a um não investimento na área, retardou até hoje a investigação pois ainda não existem em Cabo Verde critérios que determinam quem é investigador e nem um Estatuto de Investigador atualizado. De acordo com o mesmo estudo, em 2014, havia 69 investigadores nas áreas de Ciências Sociais e Humanas (45% do total nacional), 53 nas áreas das Ciências Naturais, Engenharias e Tecnologias (34,6%), Ciências Agrícolas 24 (15,7%) e Saúde (4,7%).
Existiram três institutos públicos de investigação em Cabo Verde, o INIDA, o INIT e o INDP, o INIT foi extinto pelo governo em 1992, o INDP foi recentemente integrado no Campus do Mar no Mindelo, designado por IMAR e restou o INIDA em São Jorge dos Órgãos. Ficámos mais pobres do que estávamos em 1992. O Instituto Nacional de Investigação Tecnológica na Praia, existiu entre 1980 e 1992 e os seus quadros investigadores ficaram dispersos por diferentes ilhas e profissões. Os que foram admitidos nas universidades como o ISE e, em 2008, a UNICV não viram reconhecidos os anos de serviço na carreira de investigação, desmotivando os investigadores a seguir a carreira universitária.
Uma universidade não se pode dar ao luxo de ignorar e prejudicar um investigador com experiência, mestrado e doutoramento em áreas vitais para o desenvolvimento nacional, como era, entre outros o domínio das energias renováveis.
Sintomático da importância que é dada no País á investigação científica, foram dois episódios que aqui relato, na qualidade de investigador sénior e decano dos professores doutorados da Universidade Técnica do Atlântico:
No início dos anos 90, a Dra. Maria Luísa Ferro Ribeiro, primeira geógrafa cabo-verdiana licenciada pela Universidade de Coimbra e uma das precursoras do ES em Cabo Verde, organizou um Congresso internacional sobre Inovação, Ensino Superior e Desenvolvimento Sustentável, o CINOD.
Pensou-se fazer uma pequena exposição para exibir dois protótipos nacionais de sistemas de captação de energias renováveis das ondas do mar e do vento, que tinham sido apresentados pelo INIT em Bruxelas em 1988 e que obtiveram diversos prémios internacionais. Quando se tentou localizar esses protótipos estavam destruídos, em cacos, literalmente, numa das salas dos armazéns do INIT na Ponta de Água. Perguntado o que se tinha passado, tudo o que se conseguiu saber foi que os responsáveis tinham sido “uns invejosos que andam por aí”, ainda antes de 1990.
Vandalismo científico.
O segundo episódio aconteceu entre 1999 e hoje, mais uma vez com dois protótipos de sistemas de energias renováveis que estiveram patentes no Pavilhão de Cabo Verde na EXPO 98 em Lisboa, a célebre Exposição Mundial dos Oceanos. Acabada a exposição, os protótipos voltaram para Cabo Verde e ficaram a cargo do Património do Estado, segundo guia de entrega da Promex, hoje CV Tradeinvest.
O governo mudou e em 2004 quis-se saber dos protótipos para fazerem parte dos laboratórios da UNICV e ninguém conseguiu dizer onde estavam. Há pouco mais de 5 anos, com a criação da UTA, esta instituição e o Ministério da Educação apoiaram a criação da Cátedra Humberto Duarte Fonseca (1), cujos trabalhos de instalação decorrem a bom ritmo. Esses protótipos fariam parte do espólio dessa cátedra, se fosse possível encontrá-los. Desapareceram pura e simplesmente, e trata-se de dois caixotes com a dimensão de um frigorífico cada um.
Será que foram os mesmos “vândalos invejosos”. A quem interessa esta situação? Ao Património do Estado não interessa pois são eles que têm de dar conta do paradeiro dos aparelhos, segundo a Cabo Verde TradeInvest. A culpa nem é deles, mas sim do Estado, por ter sido inapto na extinção do INIT e criação de um novo instituto, hoje ainda na ordem do dia. As energias renováveis, pilar do desenvolvimento, continuam com grave carência de um instituto de investigação específico.
A extinção do INIT deixou, até hoje, um vazio institucional na investigação em energia, pois o CERMI não produz investigação, nem é essa a sua atribuição. É espantoso que, no PEDS se fala em investigação em agricultura, por exemplo, e se ignora a investigação em energia, sabendo-se que sem água não há agricultura e a água vem da energia, usada na dessalinização da água do mar, pois não chove em Cabo Verde.
Temos de promover a educação em ética na pesquisa, tanto entre estudantes de graduação e pós-graduação, quanto entre pesquisadores veteranos, para garantir uma cultura de pesquisa ética. A ética na pesquisa científica não apenas protege os direitos e a dignidade dos participantes da pesquisa, mas também mantém a integridade e a credibilidade da comunidade científica como um todo. Portanto, é fundamental que todos os pesquisadores adiram a esses princípios éticos em todas as etapas de seu trabalho.
Mãos à obra!
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* Engenheiro Mecânico, PhD e Investigador Sénior da UTA
Fonseca, 2010; Integração das Fontes de Energia Renovável em Ilhas e Regiões Remotas, Edições UNICV
1. Humberto Duarte Fonseca – Wikipédia, a enciclopédia livre (wikipedia.org)
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1168 de 17 de Abril de 2024.