Quem sou eu? Que devo fazer com a minha vida? Qual o sentido da existência? Desde tempos imemoriais que os seres humanos fazem estas perguntas. Cada geração precisa de uma resposta nova, uma vez que aquilo que sabemos e não sabemos está sempre a mudar. Ora, o que sabemos é que cada ser tem uma função específica a desempenhar no ciclo da vida. Compreender o sentido da vida significa compreendermos o sentido da nossa função individual e levar uma vida boa significa cumprir essa função.
Nos últimos dias, na sequência de algumas mortes inesperadas, particularmente de figuras conhecidas, não se falou de outra coisa que não seja da brevidade da vida humana, instigando-me a fazer alguma inteleção sobre o assunto.
Afinal, somos imperfeitos e, como tal, falhamos, erramos, pecamos, etc. Podemos dizer também que neste mundo complexo em que vivemos, existe muita inveja maligna, ódio, egoísmo, maledicência, intriga, fofoca, falsidade, ganância, etc. Época em que todo o mundo corre atrás do fácil, do pronto-a-vestir, do descartável, do lúdico a qualquer preço e dos prazeres mais fáceis e imediatos, não resta mais lugar para a paciência, para acreditar, para ter fé, para o sacrifício quando necessário, para as relações afetivas duradouras e para o respeito fiel dos compromissos.
Contudo, devemos ser inteligentes o suficiente para não deixar que outros afetem o nosso equilíbrio emocional e levarmos uma vida serena e tranquila.
Desde logo, a forma como relacionamos uns com os outros, coloca-se hoje com alguma acuidade, porquanto esquecemos que somos seres finitos e que, num ápice, tudo pode acabar! E, nas sábias palavras de Manel de Novas,
“Pa quê tónte maldade nes mundo
se nô ta li sô pa um segundo
Pa quê tónte inamizade
Pa gerá infelicidade…”?
Com efeito, toda a vida está posta entre os dois extremos: nascimento e morte. Somente o homem tem a consciência deste paradoxo. Estamos, pois, todos destinados à morte. O ser humano ignora o momento em que ele virá, procedendo na vida como se nunca devesse chegar.
Na verdade, estando vivos, não acreditamos que amanhã pode ser o nosso dia, embora ela constitua a maior de todas as certezas.
Importa referir que a filosofia já foi considerada, no passado, o aprendizado da morte. Desde o exemplo de Sócrates, filósofo era aquele que sabia morrer. Portanto, a função da filosofia seria preparar-nos para uma “boa morte”. Assim, supunha-se que aquele que sabe morrer aprendeu a viver, e assim a vida e a morte se iluminavam reciprocamente.
No século XIX, época dos grandes sistemas, a morte saiu da temática central dos textos filosóficos, e foi talvez Kierkegaard quem tivesse inaugurado uma nova perspetiva, chamada mais tarde “existencialista”, descrevendo a morte como algo que para cada um de nós é certo, mas cuja hora é bem incerta. Os filósofos existencialistas, no século XIX, aprenderam esta lição, sob a fórmula mais genérica da experiência da “finitude humana”.
Nas palavras de Heidegger, um dos filósofos existencialistas mais renomados, caracterizou o homem como o “ser-para-a-morte”: Zum-Tode-sein. Isto significaria que entre as diversas possibilidades do homem, há uma que representa “a possibilidade da impossibilidade”, ou seja, quando esta ocorre, todas as demais possibilidades ficam excluídas.
Com estas aportações, ninguém mesmo prolongando artificialmente a vida por um determinado período, a morte será, ao fim inevitável.
Tememos a morte! Observe-se, porém, que a morte - o cessar de ser - e o ato de morrer - cujo termo é a morte - provoca angústias muito diversas. Eis a razão por que devemos colocar o acento tónico na sacralidade da vida e refletirmos cada vez mais na nossa relação interpessoal e centralizarmos o debate em torno do conceito de “pessoa humana”.
Na ótica de Immanuel Kant, isto equivale a dizer que os seres humanos, ao contrário das coisas, não têm um “preço”, mas possuem, isto sim, uma “dignidade”. Dignidade e, consequentemente, respeito, são os termos fundamentais no trato com o nosso próximo. Dignidade e respeito, costumam acompanhar uma terceira expressão: dignidade da pessoa, respeito da pessoa humana.
Assim, respeitar o outro é querer-lhe o bem, querer que aconteça para ele, e não só para mim, o que é bom: benevolência.
A morte do ser que me é mais caro, a privação da sua presença física, o sofrimento infindável que brota do “nunca mais” pode, tanto quanto os momentos sublimes, transformar-se em consciência da presença. Podemos cumprir os nossos objetivos de forma mais ou menos eficaz, mas o facto de termos vivido em função de algo confere um valor irrepreensível à nossa existência.
Numa palavra, tudo chega a um fim: não apenas o que eu sou e o que os outros são, mas também a humanidade e tudo quanto ela produz e realiza. Tudo mergulhará no esquecimento, como se jamais tivesse existido.
Assumir esta caraterística da condição humana, ajuda-nos a ser humildes e, o que é ainda mais importante, faz-nos ter a consciência do quanto temos de melhorar. Todo e qualquer fracasso ou erro, ensina-nos como podemos fazer algo ainda melhor.
A vida – esse mistério constante – presenteia alguns com mais facilidades e leveza, e outros reserva maiores desafios. Diz-se que ninguém carrega mais do que pode, mas o facto é que algumas pessoas asseguram as rédeas firmemente e tentam crescer ininterruptamente e por inteiro.
Por isso, devemos valorizar cada vez mais a vida e a cada dia que passa é motivo de celebração.
Reflitamos sobre isso!
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1173 de 22 de Maio de 2024.