O vídeo do tema “Luz do Sol” – um dos dois já produzidos – tem a enorme capacidade de arrebatar-nos para dentro do cenário e quando damos por nós, já estamos na praia “di Calheta”, a sair das casas que ainda têm venezianas e meia-porta, onde se arrastam os chinelos pela vila, cumprimentamos quem por nós passa, vê-se pescadores a chegar e á tarde joga-se ouril debaixo das árvores…ou seja pedaços de vida que nos permitem: “leba vida relaxadu” pamó nu tem sempri “un rai di sol”… Se imaginarmos tudo isso envolvido numa instrumentação que não peca por excessos e onde cada som soa e sabe ao lugar - temos um pequeno filme de intensidade extrema, da vila, praias douradas pelos raios de sol cantados…
Tibau, sempre foi e é um dos compositores | músicos mais inteiros da nossa música.
É da classe de compositores que estão muitas vezes “escondidos” e que são descobertos quando se ouve …então a beleza do que é ouvido nos invade. Assim mergulhamos no que nos oferece e vamos descobrindo tanto, tudo é beleza-simples …tantas outras músicas que já se conheciam por outros intérpretes …que já estávamos habituados a assobiar quando vamos á nossa discografia interior, onde só cabem as músicas que conseguiram passar a barreira do “eu” e instalam-se aninhadamente no nosso inconsciente musical. Ficam aí guardadas e vão surgindo em assobios, cantar de refrões…enfim, quando estamos contentes e nos apetece ouvir música-nossa. Continuam assim…tempo fora…
No posicionamento alternativo perante a indústria e consequente carreira, no querer fazer sem esperar por outros, Tibau destaca-se. Em termos musicais, nunca parou de produzir. Havendo “label” ou não, apoios ou não – quer nacional quer da ilha – o músico nunca deixou de fazer os seus trabalhos.
A qualidade da composição e música (incluindo músicos que os acompanham) foram sempre propostas de elevação.
O Jornalista brasileiro Nelson Mota terá dito, que a beleza das letras da bossa nova só são intensas, precisamente por dizer tudo com palavras e expressões tão simples ...coisa para mestres. Creio que Tibau também cabe nesta definição. São letras simples, que cantam vivências, amores e a sua ilha de sempre – A ilha do Maio. Na verdade, creio que Tibau, será certamente um dos compositores Cabo-verdianos cuja ligação compositor-ilha mais se expressa. Tibau é ilha do Maio, e juntos se transformam em brisas e sossego das praias da região onde nasceu que se tornam mar fora e mundo. Mornas, Koladeras e Mazurkas fazem parte da maioria das suas composições Quando outros intérpretes vão buscar Tibau, renascem temas como por exemplo a interpretação de “Carabiloque” por Tete Alhinho, ou “Amor Profundo” por Bertânia Almeida, que pessoalmente guardo na caixinha dos melhores temas-interpretações da nossa música.
Voltando à produção musical, para além da qualidade, Tibau surpreende em cada trabalho.
Lembro-me do disco “Pupkulies + Rebecca plays Tibau”, onde as composições e ideias musicais de Tibau são instrumentadas com sonoridades eletrónicas num resultado que funde a tradição CV com as novas tendências da música embrulhada …em qualidade superior.
No ano passado ofereceu-nos “Muganga” – onde também não ficou só pelo “normal”. À qualidade habitual das suas composições, aliou um grupo de músicos de renome internacional, onde se destaca um poderoso naipe de sopros.
Em Muganga, também sonoridades novas se fazem sentir e que foram uma vez mais marcantes na nossa música.
Foi claramente um dos discos maiores do ano passado a par de “Descobri” de Betânia Almeida. Em ambos os discos, o tema “Amor Profundo” que quase “enlaça” em forma de sorriso, as duas interpretações do mesmo tema, presentes em dois enormes discos da nossa música.
Entre os dois álbuns referidos, Tibau ainda lançou o álbum 7 músicas. O mítico número 7.
Indo buscar “Pupkulies + Rebecca plays Tibau” e “Muganga”, os 2 álbuns trazem histórias acopladas, lindíssimas e que de forma natural vão mostrando que Tibau é um contador de estórias, e que as estórias também o contam.
No primeiro disco, um dos músicos do grupo é filho de um antigo “cooperante” que há anos trabalhou na ilha do Maio. Anos depois, as 2 crianças que foram colegas e que provavelmente cantaram juntas …encontram-se em estúdio e juntos partilham de novo a mesma sensação do brincar de outrora… é o que costumo chamar de Encontros Musicais.
Não menos interessante foi descobrir como foram feitos os arranjos de sopros de “Muganga”, e talvez daí perceber porque são tão orgânicos.
Foram escritos para orquestra por Andy Amman. Contudo, magnífica foi a resposta de Tibau quando perguntei quem fez a música dos arranjos…em resposta magicamente simples como a música dele, e tão natural como as brisas das praias do Maio: “n zibial el screbe” ... isto é música no seu mais puro estado - o sentir.
Em termos de eventos, Tibau passeia a nossa música, com sotaque ao crioulo do Maio, por festivais por “terra longe”. Faz palcos conceituados e temporadas com significado. Talvez um dia quando a ilha do compositor se lembrar que há músicos muito grandes que são enevoados por nomes em formato saudade e de certa forma longínquos – o presente faça mais sentido …ou não será a música – vida a correr. Enquanto isso resguardemo-nos em trabalhos muito interessantes como este de da produtora “Altlantika” e do seu diretor Wilson Xavier que penso estar a trazer a simplicidade orgânica para os vídeos musicais em detrimento das imagens super brilhantes, muitas vezes desnecessárias… Depois do Sal o Sol, nesta coleção que começa agora pelas mãos da Atlantika.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1195 de 23 de Outubro de 2024.