Cabo Verde não seria a nação que é sem os “seus mares”. Pontes de sonhos, lugares de partidas e reencontros, cais de alimento e trabalho. Uma nação conquistada pelo Atlântico e um povo moldado por esse mar imenso. Apenas 0,6% do nosso território não é mar e não pode existir futuro sem este nosso “irmão” ancestral.
Se para Cabo Verde o Oceano é não só Vida como também Essência, para a Humanidade é o futuro. Num momento tão desafiante para o planeta, é nos mares que devemos procurar as respostas que nos colocarão num novo caminho para um futuro melhor.
Mar Azul – Esse desconhecido
Num planeta feito de água, e onde a tecnologia dos Homens já nos levou à Lua e além, apenas 5% do nosso Oceano é conhecido e estudado. Imaginemos que nos preocupamos com tudo o que se passa longe, mas apenas conhecemos 5% da nossa casa. Todos os dias lemos sobre as preocupações com o aquecimento dos mares, mas não os estudamos em busca de respostas. Animais mudam os seus hábitos (e alguns, infelizmente, desaparecem), mas não estudamos os fundos dos mares onde eles viviam. Impomos limites ao carbono, mas não nos lembramos que 50% do nosso oxigénio provém dos mares, os mesmos mares aos quais viramos as costas.
Quase 40% da população mundial vive junto ao mar. Mais de 50% depende desse mesmo mar para a sua existência e sobrevivência. E, no entanto, parece que a nossa ambição está no espaço e no imaginário. Procuramos vida em Marte e não vemos a vida que, todos os dias, vive ao nosso lado no Oceano.
Este é o momento de voltarmos ao Oceano, este é o momento em que o planeta precisa de todos e todos devem embarcar neste sonho. Este é o momento de trocar o desconhecido pelo conhecimento. Este é o momento de iniciarmos a Corrida ao Oceano e de trocarmos Marte pelo fundo dos nossos mares.
Os desafios dos nossos mares
Vivemos num período em que a expressão “alterações climáticas” surge a cada debate. Não há plano político atual que não considere este fenómeno. A poluição, acidificação ou o aquecimento dos mares são fatores críticos que afetam ecossistemas, biodiversidade e, no limite, a nossa própria existência.
A Unesco definiu dez desafios que são excelentes pontos de partida para uma conscientização coletiva e uma mobilização de todos em prol do nosso planeta. Compreender a poluição marítima, proteger os ecossistemas ou desenvolver uma economia dos oceanos são três desses pontos de partida. Importa destacar que não é suficiente entender, é crucial implementar soluções. Não basta compreender a poluição, é fundamental combater essa poluição.
Criar condições para os cientistas investigarem os oceanos deve ser o papel dos nossos governos. Apoiar a comunidade científica e reforçar essa ligação à sociedade e às universidades.
Nestes três primeiros pontos, quero acreditar que iremos encontrar soluções não apenas para os desafios dos oceanos, como também para questões que atualmente afligem a humanidade. E devemos conseguir ver mais além.
Olhar para este novo paradigma de forma sustentável e que permita financiar-se de forma autónoma e até criar novas fontes de rendimento pode, e deve, ser um objetivo. A já falada economia dos oceanos é uma realidade. Os mares não nos “oferecem” apenas alimento. A investigação marinha pode desvendar novos “peixes” que irão alimentar as futuras gerações.
As pessoas devem estar no centro de todas as decisões. O planeta e o nosso futuro devem ser a matriz da nossa essência. Poder adicionar a este propósito maior, a garantia de que este investimento pode, também, criar novas estradas de rendimento que melhorem a vida das pessoas, que criem novos postos de trabalho e que gerem riqueza, é elevar a aposta nos oceanos ao nível que efetivamente merece: prioridade nacional.
Cabo Verde – Líder de um Mundo Azul
Enquanto ministro do mar, tive a preocupação de dotar Cabo Verde de infraestruturas, acordos e eventos que nos direcionassem para os mares. Muito foi feito nestes anos, e o trabalho foi continuado pelos meus sucessores. O país não perdeu a sua identidade e a sua ligação ao mar e, acredito, isso nos pode fazer transcender a nossa dimensão geográfica.
Cabo Verde tem condições ímpares para este caminho e para ser o país que lidere este movimento de conquista dos mares, o guardião do oceano. Somos geograficamente únicos, ligando a Europa, África e as Américas. Somos um dos maiores países do mundo em área de mar. E somos, ainda, um povo com novas gerações, sedentas de conhecimento e com sonhos que ultrapassam as nossas fronteiras.
A diáspora da nossa gente é um exemplo claro de quanto esses sonhos podem fazer-nos acreditar que não existe epopeia que não nos seja possível conquistar. Está nas nossas mãos e acredito que, se pudermos implementar esta vontade, iremos com certeza encontrar o nosso caminho.
Ocean Summit – Uma Visão para o Mundo
Na semana passada, Cabo Verde celebrou a Ocean Week, um evento importante na nossa história recente e que tive a honra de participar na sua criação, colocando Cabo Verde no mapa mundial de eventos de mar. Este evento, que já vai na sétima edição, tem um objetivo importante para o nosso país: “elevar a consciencialização e fomentar o diálogo sobre a essência, a importância e a sustentabilidade dos Oceanos, visando criar uma cultura voltada para a preservação e conservação da saúde do mar e explorar de forma sustentável os recursos marinhos nos mares sob a jurisdição de Cabo Verde.” Tambem foi realizado a Expomar 2024, com objetivo impulsionar o desenvolvimento sustentável do setor marítimo e pesqueiro do país. A feira buscou reunir diversos atores desse setor, como empresas, pesquisadores, governos e a comunidade em geral, para discutir e apresentar soluções inovadoras para os desafios enfrentados pelo setor.
Estes objetivos é dos mais prioritários para Cabo Verde. Como sempre acredito e tenho a visão de que poderemos ambicionar mais. Quero ir mais longe do que apenas as nossas águas territoriais e tenho a Visão de um Cabo Verde global.
Assim, há duas semana, Cabo Verde foi a estrela da primeira edição do Ocean Summit, realizada em Lisboa. Pela primeira vez, saímos das nossas fronteiras e levámos os nossos melhores para ombrear com verdadeiras estrelas mundiais da investigação, das universidades e da política do mar.
Acredito que este é o nosso lugar, um lugar de liderança e de construção de pontes entre povos e continentes. E foi com essa crença que, em Lisboa, demos o pontapé de saída para este caminho de conquista do Oceano.
Que nos possamos unir em torno desta prioridade coletiva, que possamos olhar para os mares e liderar enquanto povo e que possamos, politicamente, criar condições para que universidades, investigadores e empresas possam ajudar Cabo Verde a dar novos mundos ao mundo.
Quando olho para o nosso Povo, vejo a construção de uma Nação que só pode existir em sonhos. Hoje, tenho o desejo de que esse sonho ganhe vida nos nossos Oceanos.
Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1198 de 13 de Novembro de 2024.