Autárquicas 2024 - Uma oportunidade para Refundar

PorPaulo Veiga,6 dez 2024 18:52

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​“Todo novo começo vem do fim de algum outro começo”. Esta frase milenar é de Sêneca, um filosofo romano quando questionado sobre o divórcio. E se num primeiro momento pode parecer estranho, é efetivamente de um divórcio que devemos falar.

Os resultados das eleições autárquicas deste fim-de-semana marcaram de forma violenta e inquestionável um divórcio entre o Povo e este MpD. A resposta nas urnas a esta governação foi impactante e não pode ser vista de outra forma. Os cabo-verdianos e os seus votos deixaram claro o seu descontentamento com as políticas nacionais e os candidatos autárquicos foram o alvo colateral desse desânimo coletivo.

Não podemos, enquanto responsáveis e atores políticos, ignorar a voz do Povo. É para as Pessoas e pela Pessoas que desempenhamos diariamente as nossas funções. Temos uma responsabilidade, enquanto democratas com fortíssimas ligações ao poder local, saber escutar e aceitar as críticas tirando dessas mesmas críticas as devidas conclusões. Pela primeira vez em democracia o MpD não é o maior partido autárquico, pela primeira vez em democracia o MpD não é líder da Associação de Municípios, pela primeira vez em democracia o MpD tem não apenas menos, mas metade das câmaras municipais que o seu principal rival.

Este domingo não sofremos uma derrota eleitoral, este fim-de-semana sofremos uma hecatombe eleitoral que não pode ser ignorada. Em democracia é justo dar os parabéns a quem vence e saber honrar o lugar de oposição. Mas, em democracia, também é importante perceber que quem não respeita as mensagens que os resultados encerram acabará condenado a esse mesmo lugar de oposição. Ignorar esta necessidade de reagir é condenar o MpD à oposição nas próximas legislativas.

Muitas vezes, quando um edifício está estruturalmente afetado é necessário reconstruir. Já não é suficiente arranjar umas paredes ou pintar os tetos. O edifício político do MpD foi abanado por um tremor de terra de dimensão histórica e que deverá obrigar a uma refundação dos seus alicerces, em comunhão com o Povo e com os seus valores de democracia, liberdade e crescimento. Ignorar esta necessidade, é condenar o partido a ser uma casa vazia num futuro democrático.

Os resultados

Se o panorama global está bem patente nos primeiros parágrafos da minha análise, tinha esperança que ao detalhar os resultados finais, pudesse ter algo de positivo para enaltecer. Acho que a única coisa que me ocorre resulta da forma serena e democrática com que decorreu o ato eleitoral e pela dignidade que tivemos durante a campanha. Importa dar os parabéns aos vencedores. A todos os que foram eleitos e, em especial, a todos os que terão, a partir de agora, a responsabilidade de governar as vinte e duas autarquias de Cabo Verde.

E são estes os pontos que podemos ficar orgulhosos. Um primeiro ponto preocupante é o nível de abstenção. Não foi só um Povo que disse que quer mudança, foi todo um outro Povo que disse não confiar em nenhuma destas propostas políticas. O desinteresse cada vez maior é reflexo que a ligação, tão fundamental, entre os políticos e aqueles para os quais os políticos deveriam trabalhar, se transformou num fosso que não parece querer parar de aumentar.

Praticamente um em cada dois cabo-verdianos não exerceu o seu direito de voto. Num momento em que o Mundo atravessa graves perigos e onde os desafios para as populações são imensos, quase 50% das pessoas afirmou, no silêncio gritante da abstenção, não confiar nesta fórmula para os conduzir a algo melhor. Se nada mais existisse, este já seria um ponto impactante que nos obrigaria a refletir e a agir.

Infelizmente, para o MpD, a noite não teve o seu ponto mais baixo neste indicador. No final da noite o MpD tinha perdido 50% das “suas” câmaras e 50% dos seus eleitos. E se compararmos com 2016, então o cenário é verdadeiramente alarmante. Não podemos ter a ligeireza de olhar para estes resultados como algo “mau” ou “local”, nem culpar os candidatos quando alguns deles até traziam a carga nacional de virem de um lugar de governação. Numa batalha as vitórias e as derrotas são dos generais, no futebol são dos treinadores e no xadrez acontecessem quando o Rei perde. Culpar “peões” pelas más decisões tomadas no tabuleiro é grave e denota uma ausência de perceção face ao que são as reais e justas aspirações do Povo.

O futuro

Perante tudo isto, poderá existir a tentação dos derrotados de não verem um futuro, de estarem tão esmagados por tamanho impacto que não percecionam caminhos para futuras batalhas. Permitam-me repetir-vos as palavras de Sêneca que mencionei no início: “Todo novo começo vem do fim de algum outro começo”.

O nosso outro começo deu-se em 1991. Foi lindo, foi um sonho, uma utopia democrática que tinha como foco a liberdade e as pessoas. Um sonho alicerçado no poder local, mas transpondo para o Mundo a ambição de um Povo. Uma utopia nascida num Povo que vai muito além das suas terras e das suas águas e que inunda os outros continentes com a sua música, a sua cultura, a sua gastronomia e a sua alma.

Esse sonho é Cabo Verde, respira em cada cabo-verdiano, em cada morna e em cada cachupa. Essa utopia é intemporal e feita por pessoas para pessoas. Esse Cabo Verde não morre em cada eleição, não se extingue em cada voto e não murcha a cada batalha. Mas esse Cabo Verde precisa de uma nova Visão, esse sonho precisa de um novo cenário e essa utopia precisa de uma nova morna.

Este deve ser o momento de reunir, de olhar para dentro, de procurar no seio do MpD a força e os rostos desse novo sonho e dar corpo a essa nova utopia. Este deve ser o momento de voltarmos a fazer política pelas pessoas, de olharmos para o poder de compra, para a educação, para a saúde, para os jovens e as suas esperanças, de olharmos para os idosos e a sua História e de dizermos ao Povo que ouvimos a sua voz e que é ao seu lado que queremos reconstruir esta nossa visão.

Para todos aqueles que hoje sofrem e receiam o futuro, recordo-lhes, para terminar, uma frase famosa: “às vezes, coisas boas desmoronam para que coisas melhores se unam”. Acreditem no futuro e nesta Visão que é Cabo Verde. 

Texto originalmente publicado na edição impressa do Expresso das Ilhas nº 1201 de 04 de Dezembro de 2024.

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Autoria:Paulo Veiga,6 dez 2024 18:52

Editado porAndre Amaral  em  9 dez 2024 11:07

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